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“PL das Fakenews”: um detalhe crítico que faz toda a diferença

Quanto ao Projeto de Lei 2630, o “PL das Fakenews”, sou a favor de que seja mais enxuto para concentrar-se precisamente na regulação das redes antissociais, que têm lucrado e protegido disseminação de notícias falsas da extrema-direitalha e seu financiamento escuso, negacionismo, planejamento de ataques a escolas e crimes de preconceitos e ódio, porém sou contra e crítico ao artigo 32, inserido ali tardiamente por pressões alheias e que precisa ser retirado, pois destinaria recursos da publicidade para a velha mídia empresarial familiar, a mesma que dissemina ideologia neoliberal ao povo trabalhador, mas não desgruda das verbas concessionárias do Estado (i.e., dos contribuintes), independentemente do governo de ocasião. O termo ali justificado, “jornalismo profissional”, é vago e vazio, pois jornalistas independentes e alternativos nas redes não são menos profissionais do que os das emissoras televisivas e mídia tradicional.

Conforme o jornalista Paulo Henrique Amorim (1942-2019) explicou anos atrás em evento gravado (“PHA conta como a Google está matando a Globo“), essa mesma mídia profissional, há muito chamada de “o quarto poder”, se viu numa crise de hegemonia e de economia sem precedentes nas últimas décadas com a expansão mundial e monstruosa das “big tecs”, que, aliás, verdade seja dita, mais recentemente têm se mostrado explicitamente irresponsáveis, lenientes, até condescendentes com as intenções da extrema-direitalha no mundo. (Aliás, Amorim é exemplar neste campo, pois acompanhou de perto tal transição, transitou de um polo a outro em sua carreira, tendo sido repórter internacional da emissora da família Marinho por muitos anos, além de outras, e terminando como jornalista independente com canal próprio nas redes, o “Conversa Afiada”, crítico, corajoso e impenitentemente à esquerda.) Para resumir o novo processo, típico deste século, capitalistas comerciais e empresariais no geral pagam aos capitalistas bilionários das grandes empresas de redes antissociais menos por seus anúncios incessantes, e que nos atingem feito alvos certeiros de acordo com algoritmos e com nossos rastros virtuais pessoais capturados em bancos de dados consumistas, do que subordinados a tempos fixos diante de público disperso demais da TV e meios tradicionais, que, ademais, já entraram num franco declínio em receita, audiência, credibilidade etc. Ou seja, há uma disputa econômica (elementos de lutas de classes) e de narrativa hegemônica (em termos de Gramsci, mesmo) entre a classe dominante, nacional e externa…

Tais interesses estruturais, que são o que realmente importa à conscientização, continuam desapercebidos pela manipulação das discussões políticas do senso comum e se manifestam nos bastidores do lobby por trás do mise-en-scène superestrutural da arena parlamentar no Congresso Federal…

Quem defende bilionário e burguês?

Comento em determinada notícia que a ideologia neoliberal tem feito chamarem trabalhadores de “colaboradores” para escamotear o controle autocrático dos espaços capitalistas de trabalho e o roubo econômico da mais-valia (ou mais-valor).

Entre as respostas, fiz questão de anotar duas, por conta do nível de comicidade:

Um sujeito que começa a desferir ataques pessoais e a defender o capitalismo. Entro no perfil. Parece que é locatário de um galpãozinho numa cidade onde Judas perdeu as meias. O ignorante de si deve ter aberto um pequeno negócio, ter alguns funcionários e, sem ser dono do galpão nem do terreno, acha-se pertencente à classe dominante…

Uma mulher de meia idade a digitar: “Mais valia? Atualiza a bibliografia, colega!” (sic) Antes de minha réplica de que, sim, horas trabalhadas não remuneradas continuam vigentes sob o capital contemporâneo e que a diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o valor pago pela burguesia faz parte da própria essência capitalista, entro no perfil da caricata da piada pronta que pede atualização bibliográfica e vejo várias fotos suas numa igreja católica neogótica, falando num púlpito com uma bíblia gigante! Enquanto trato de teoria econômica moderna, a “colega” do compêndio misógino sem exegese crítica está atrasada pelo menos uns dois mil anos.

É cada uma…

Trump: “Estamos perdendo o Brasil para a China”

“O Irã se une com a Arábia Saudita através da China. E a China, ouvi algumas pessoas dizerem: ‘Bem, o nosso dólar nunca perderá o padrão’. Eles estão brincando? A China quer mudar o padrão, o padrão monetário. E se isso acontecer, é como perder uma guerra mundial. Seremos um país de segunda linha. Se isso acontecer, seremos literalmente um país de segunda linha.

“Estamos perdendo o Brasil, estamos perdendo a Colômbia, a América do Sul, estamos perdendo o Irã, eles já o perderam, nós perdemos a Rússia e se ainda não os perdemos, eles vão. A China está ganhando. Então, a China se foi. Então, vemos a França caindo fora. O que está acontecendo? Estamos perdendo. Se perdermos nossa moeda, isso equivale a perder uma guerra mundial. Nossa moeda é o que nos torna poderosos e fortes.” – Donald Trump

O Brasil, econômica e estrategicamente importante, continua a ser um país de “terceiro mundo”, de capitalismo dependente (em termos marxistas de Florestan Fernandes, Caio Prado Jr. et al), no sentido de que há outros dois países poderosos de capitalismo próprio que disputam nas lutas de classes internacionais, comprando empresas brasileiras, sediando multinacionais aqui, pinçando nossos trabalhadores para lucrarem acionistas estrangeiros. Não mais a União Soviética, que nem chegou a tanto, nos “perdeu” para o golpe de 1964 da ditadura empresarial-militar ou nem teve interesse e não nos fez satélite; agora, é o capitalismo da China, um bebê da produção em larga escala, enquanto que os EUA tornaram-se já há décadas um decadente império do consumo, não mais da produção. Há ainda o poderio bélico envolvido… Alertei, anos atrás, em ensaio sobre caso exemplar, que envolve os trabalhadores brasileiros precarizados entre as atrozes Uber (EUA) e 99 (antes brasileira, comprada por uma gigante bilionária chinesa).

Não fui roubado por um lek da “gangue da bike” em São Paulo…

Verídico. Realmente aconteceu. Este santista ingênuo, mais ou menos manjado de morar em vários bairros da capital paulistana, estava atravessando uma rua no centro de São Paulo quando notou um garoto bonitinho de bicicleta me olhando fixamente pela lateral. Gostei tanto do rosto dele, imberbe, tão sério, me encarando tão fixo e com oblíqua volúpia, mas, leonino exibido, segui o caminho, achando que era mais um flerte cotidiano. Nada. Passou na minha frente feito águia ligeira e tomou o celular da minha mão (eu só estava vendo o mapa). Súbito e sem raciocinar, dei uma leve corrida atrás dele e, com uma voz grossa de comando, ordenei para voltar. Por incrível que pareça, o lek da “gangue da bike” largou meu celular no chão e se mandou, não sem ficar me olhando para trás, o que me deixou completamente orgulhoso de mim mesmo, porém com uma dúvida: devolveu por medo ou porque também gostou de mim ou por ambos?! São coisas mágicas que acontecem comigo: sempre desistem de me roubar, muito provavelmente porque eu não demonstro pânico ou desespero (emoções que são transmitidas a quem rouba), mas uma inabalável segurança…

O ex-presiDEMENTE ficará inelegível, pelo menos

Para os mandatários da justiça do país, não é interessante que o amigão do Queiroz, o contrabandista de joias e armas, o idólatra de torturador, o corrupto familiar, o arremedo de genocida seja preso, pois isso poderia criar caos, marketing politiqueiro e mais demonstrações de fanatismo.
Ficará inelegível, pelo menos.

Sugestão aos puritanos da Flórida: muito além do ‘Davi’, Eva faz boquete em Adão na Capela Sistina

Sugiro aos puritanos da Flórida, que pressionaram uma professora a se demitir por mostrar o ‘Davi’ a seus alunos, que defendam também a raspagem do teto da Capela Sistina (profusão de corpus nus) no Vaticano, a começar por este trecho de ‘A Queda e a Expulsão do Paraíso’ a mostrar Eva praticando felação (chupando, mamando, fazendo boquete) em Adão, mas interrompida pela serpente entremeada à Árvore do Conhecimento. Se o homoerótico ‘Davi’ não é pornografia, isto sem dúvidas é proto-pornografia (heterossexual, porém, o que talvez os faça hesitar no plano)… Não fosse assim, aquela que inacreditavelmente surgiu das costelas do homem não estaria agachada e com o corpo virado para o membro do parceiro, que está de pé, virando o rosto apenas num relance de hiato. Amor natural. Só será preciso questionar se, para gerarem Caim e Abel e nós todos, não seria necessário tão somente a penetração, mas é que o artista era homossexual, e sabemos bem que estes só fazem sexo por prazer, ao contrário dos heteronormativos procriadores, que sabem que o prazer deve ser tratado como “pecado” a ser controlado e se escandalizam assim diante dos que nos forçam a sair dos bitolados medievos: “Como ousa sentir prazer e realizar desejos, quando eu sou obrigado a reprimir os meus?!”
O Livro do Gênesis (e grande parte da bíblia) é historinha infantil, diria Einstein, cientista da Física: concordo… Segundo Borges, o inferno é uma ameaça; o céu, um suborno: eu subscrevo e concordo… Minha saudosa mãe me levou em todas as religiões — espírito crítico… Não existe “Deus” (e nunca escrevo assim) — só escrevo dEU$, sobretudo neste século em que, ainda bem, a secularização já atingiu a Igreja Católica e atingirá lentamente os “neo”pentecostai$ iconoclastas. Obs.: Michelângelo, renacentista típico na sondagem do belo do corpo depois de séculos de castração medieval, foi também autor de sonetos homoeróticos.

Um dos maiores desafios de uma construção revolucionária socialista…

Um dos maiores desafios (se não for o maior) de uma construção revolucionária socialista consiste no fato de que precisa aglutinar, articular e unir, em solidariedade de classe, os mais diversos tipos culturais de pessoas (de trabalhadores): desde o jovem descolado e urbano que trabalha numa empresa de telemarketing com o camponês laborando numa terra, estereotipado num Jeca Tatu; um funcionário de terno e gravata em sua rotina num arranha-céu da Faria Lima com o entregador de chinelos em sua bicicleta entregando no dia a dia comida de aplicativo pelas ruas etc. etc. etc. A solidariedade e a devida organização nascem primeiramente da consciência de classe, mas também em momentos históricos mais graves do ponto de vista econômico. São os tipos mais diversos possíveis, presos, porém, em suas classes, que consiste exatamente em vender a força produtiva de trabalho para poder subsistir (com uma migalha que chamam de salário, considerando a riqueza produzida) aos detentores ilegítimos dos meios de produção, que lucram com o trabalho alheio — o capitalismo dividiu historicamente os trabalhadores com maestria, inclusive em termos de renda, porém é justamente aquilo que os une e os torna em comum, acrescido, por conseguinte, do poder que tais forças produtivas tem de simplesmente parar, sucumbindo todo um sistema baseado no capital, que não é o Leviatã, que simplesmente persiste através de comando por um trabalho e obediência/resposta de trabalho que gera (mais) valor…

Distopia escancarada

Não se pode deixar de afirmar e insistir que os EUA, o “big and better, wiser and perfect brother of the North”, são uma distopia escancarada, sem precisarmos adentrar no submundo do background, a começar pelo que haveria de mais superficial e explícito nessa discussão a respeito de uma típica “sociedade do espetáculo”, que deixou de ser “império da produção” para tornar-se um “império do consumo” no momento histórico mesmo em que a China é um bebê da produção capitalista: o seu próprio sistema político encabeçado por apenas dois partidos, partidos de magnatas dinásticos que, cada um a seu modo, servem ao complexo industrial-militar (cf. Gore Vidal). Partidos demais fazem mal à promessa de democracia, também servem a politiqueiros sem princípios ideológicos e à alienação eleitoreira (vide o caso do famigerado “Centrão”), porém o bipartidarismo impede qualquer pulverização de forças políticas reais e populares. Socialistas no Partido Democrata foram extirpados já nos intensos anos 1960s e 1970s, restando um velho Bernie Sander, que é sensacional na retórica contra Wall Street, mas que não passa de retórica; o partido comunista dos Panteras Negras sequer vingou… E a desgraça consiste justamente no fato de que o hegemonismo capitalista dos EUA respingou a distopia da especulação e dos espaços laborais antidemocráticos e autocráticos para o resto do mundo, ao que eu pergunto a um belo garoto, delicado e feminino, em São Paulo, trabalhando no McDonald’s (fora do estabelecimento, em outra circunstância, pois não entro mais e não como isopor maquinado), quem são os donos, e ele (que sequer “chuta” falar o nome do CEO que está em holofote na mídia ou a Board of Directors que se encontra num arranha-céu dos EUA) me dizer o nome de sua gerente, que ele avista todo dia, ou seja, mal sabe de acionistas anônimos, milionários e bilionários, lucrando alhures com o suor precarizado de milhares de jovens como ele a partir das franquias multinacionais de milhares de gerentes nos quatro cantos do planeta sem precisarem sequer chegar perto da porcaria venenosa que chamam de comida rápida. Mais distópico do que isso, nem a Coreia do Norte!

Como a vida é inesperada, irônica, indescritível!…

Como a vida é inesperada, irônica, indescritível!…
Marcar encontro, esperando um “algo a mais” além do físico: o amor natural, o sexo foi muito bom, porém a conversa antes foi esquecível…
Aceitar marcar amor físico e nada mais, sem esperar “algo a mais” com outro alguém, e de repente, antes de qualquer aproximação mais íntima, por timidez da outra parte, haver uma conversa inesperada, em que o outro, uns dez anos mais jovem, relata que lê ‘Angústia’, estoicismo, Machado de Assis, J. D. Salinger etc., e tenho de lhe mostrar meus livros, inclusive todos esses, incluindo toda uma bibliografia marxista, livros que tomam conta de um dos quartos e se esparramam na minha cama, e de repente adivinha que um dos livros da minha adolescência foi ‘O Retrato de Dorian Gray’ (sem, suponho, ter lido isso em algum lugar, ou talvez por ser eu um personagem explícito a quem é mais ou menos culto), falou que pensa em fazer teatro, prometi levá-lo a pertinentes peças em São Paulo, confessei meu bloqueio de escritor…
Como a vida é indescritível, irônica, inesperada! O sexo talvez não tenha sido do bom como no anterior, mas, mas reticente fico… Não acordo esta hora, muito menos às segundas-feiras: pegando na minha mão e sorrindo de pé ao lado da cama, acabou de me acordar para eu abrir a porta e se despedir, pois tem que ir trabalhar (dormimos juntos).

Mais algumas notas autobiográficas sobre meu pai e minha mãe, e quem sou hoje…

Certo dia, quando eu estava entre a pré-adolescência e a adolescência, meu afetuoso pai (quando eu nasci, eu, filho caçula, “raspa do tacho” e “não planejado, mas que mudou a mãe totalmente” — parentes distantes sempre me definiram assim –, eu, nascido de uma recidiva entre eles e da traição da traição — gosto disso –, ele já estava aposentado e separado da minha mãe, mas nem por isso não presente) me apareceu com filmes do Pasolini (os quais guardo até hoje); depois, com ‘Traídos Pelo Desejo’, filme cult (para quem não viu, o espião da IRA – Irish Republican Army, apaixonado, descobre que a personagem é trans, é uma travesti, perdoem o spoiler, e meu pai adorava essa reviravolta), sem contar os vários livros que me presenteou com dedicatória e os quais ainda hoje guardo, desde que minha mãe lhe disse que o filho queria ser escritor; dele herdei também ouvir muito samba bom, muita “MPB”… Morreu em 2011. Sem saber, me “estragou”, e o agradeço por isso, porque o clichê, o padrão e o quadradismo são execráveis. Na verdade, deu-se conta, mas já era tarde, em seu ano derradeiro, insistindo para um amigo dele me arranjar um emprego, quando eu o ajudava; já disfuncional, no dia a dia, em seu apartamento de “classe média”, junto à enfermeira e minha madrasta, mas já era tarde… Só pude avaliar recentemente o impacto paterno a me forjar, agora beirando os 30, criando analogia entre isso e quem sou hoje, meus referenciais artísticos e estilo de vida não-ortodoxo. Em seu leito no hospital, em 2022, também minha mãe, que me criou solteira e na raça, viu o seu “estrago” quanto à minha formação, mas também já era tarde; em nosso último diálogo, ela, entre a consciência e a inconsciência, e sob a morfina, enquanto eu lhe dizia gentilmente coisas amenas de resolução final, como “Você me criou muito bem, foi uma ótima mãe”, ao que ela respondeu, com dificuldade, mas não sem comicidade: “Será?!”, e eu: “Sim, todos elogiam o seu filho”, para então ela arrematar: “Fui liberal demais…” Somam-se a eles minhas professoras de português, história e filosofia das escolas públicas que frequentei, sempre elogiosas às minhas redações, e uma prima de segundo grau, professora, que me deu várias coleções de livros basilares da literatura, que suas sobrinhas usaram apenas para vestibulares e logo dispensaram.

Alguém me chamou de “assustador”…

Alguém (uma seguidora) me chamou de “assustador” (sic) pelo fato de ter lançado luz a um garoto (provavelmente ele não viverá outra chance invulgar feito essa), quando me disse que trabalha no McDonald’s, mas não soube me responder quem eram seus patrões, fornecendo apenas o nome da gerente, ao que respondi, não com a esperança de mudar o sistema (este, sim, assustador!) num simples chat feito para terceiras intenções, talvez, sim, por que não?, a “militar” ali a ponto de despertar consciências de classes na juventude ingênua, mas sobretudo com doses de cansaço (em meio à futilidade), conformado pedantismo, picardia à lá Lorde Henry e inconformismo (anotei o que enviei, e ora reproduzo abaixo, para utilizar posteriormente num romance revolucionário):

“Como não sabe?! É a empresa que você trabalha! Há um “CEO” identificável, com fotos e entrevistas e holofotes na mídia, há uma Board of Directors com engravatados num arranha-céu dos EUA, o qual você e demais jovens do precariado jamais conhecerão, mas tampouco estes são os verdadeiros donos: fantoches. Os proprietários são acionistas anônimos da “bolsa de valores”. Aliás, a própria gerente, que você trata feito patroa, é meramente dona de uma franquia vinculada a um oligopólio multinacional (que sequer paga taxas decentes ao Brasil, se é que paga alguma), portanto não se trata de negócio próprio dela, o que a faz também classe trabalhadora como você, apesar da diferença de aparência, renda e bens, que, por si só, não constituem critérios definitivos para definir classe social. Também ela produz capital para acionistas anônimos, também ela é despossuída dos meios de produção, embora deva se sentir da “classe média” (pequena-burguesia) ou até “elite” (burguesia). Não é, e o mecanismo foi hábil ao longo dos séculos em separar e criar divisões dentro duma mesma classe, impedindo a solidariedade de classe entre vocês. Imagine, então, milhares de jovens como você e milhares de gerentes e responsáveis de franquias como ela espalhados pelos quatro cantos do globo, trabalhando duro e ganhando pouco para lucrar e enriquecer especuladores anônimos, milionários, bilionários, que, por sua vez, a fim de manter suas fortunas criminosas, sequer precisam chegar perto de vocês com ordens, pois vocês já as automatizaram e normalizaram em seus cérebros e ideologias, durante o tempo que gastam, por falta de melhor opção socioeconômica, em seus ambientes autocráticos de trabalho, tampouco eles precisam chegar perto das máquinas de fazer isopor, que vocês chamam de comida… Distópico, e ainda chamam isso de trabalho, emprego, democracia.”

O garoto me excluiu.

Ezra Pound aderiu ao fascismo sobretudo porque…

Ezra Pound, que em muitos de seus versos presentifica e critica ipsis litteris a usura (um de seus autores referenciais em economia foi Henry George, que acreditava que o sistema financeiro devia estar a serviço do bem comum e da justiça social), em estilo poético que combina classicismo, experimentalismo e militância, sabidamente aderiu ao fascismo, entre outros motivos de irracionalismo (para evocar Lukács) e subversivismo reacionário (termo de Gramsci), pelo fato principal de que, no início, na esteira dos eventos anteriores e subsequentes à Crise de 1929, fascistas roubaram do marxismo (para ludibriar incautos populares) a noção real da exploração econômica e roubo (de mais-valia) capitalistas do trabalho… Pena, parece que o poeta não leu Marx.

O Tadzio da vida real, o outro Tadzio, os Tadzios…

Władysław Gerard Jan Nepomuk Marya Moes

Wladyslaw Moes (1900-1986), polonês de família aristocrata, foi a inspiração para a novela filosófica Morte em Veneza (1912).

Em entrevista de agosto de 1965 a Andrzej Dołegowski, tradutor polonês das obras de Thomas Mann, publicada na revista alemã Twen, o próprio admitiu que passou as férias com a família na cidade italiana:

“Eu sou aquele garoto! Sim, embora em Veneza eu fosse chamado Adzio ou, às vezes, Wladzio… Mas na história sou chamado de Tadzio… É assim que o Mestre entendeu… Na história, eu achei tudo descrito com exatidão, até as minhas roupas, o meu comportamento – bom ou mau – e as brincadeiras rudes que eu tinha com o meu amigo na areia.”

“Eu era considerado uma criança muito bonita e as mulheres me admiravam e beijavam quando eu andava na calçada. Algumas me desenhavam e pintavam. Mas nas minhas memórias tudo isso me parecia insignificante. Eu tinha aquelas negligentes maneiras infantis que as crianças mimadas mostram. Em Morte em Veneza esse enredo é muito melhor narrado do que eu jamais poderia fazer. O escritor deve ter ficado altamente impressionado pelas minhas roupas pouco convencionais e as descreveu sem perder um detalhe: o traje listrado e uma gravata vermelha, assim como a jaqueta azul com botões dourados, minha favorita.”

Foi no verão de 1911; Mann visitava Veneza na companhia de sua esposa Katia, que mais tarde também relataria o seguinte, em Minhas Memórias Inescritas (1974), a respeito da estadia no Grand Hotel des Bains:

“Todos os detalhes da história vieram com a experiência. Na sala de jantar, no nosso primeiro dia, vimos a família polonesa, que se parecia exatamente com a forma com a qual o meu marido os descreveu: as garotas estavam vestidas bastante rígida e severamente, e o garoto muito charmoso e belo, de uns 13 anos, estava vestido com uma roupa de marinheiro com um colarinho aberto e um laço muito bonito. Ele chamou a atenção do meu marido imediatamente. O menino era tremendamente atraente, e o meu marido sempre ficava o observando com seus amigos na praia. Ele não o perseguiu por toda Veneza – isso ele não fez -, mas o garoto realmente o fascinou, ele frequentemente pensava nele…”

Recordo que, em determinado trecho, Gustav von Aschenbach, alter ego, sente-se inspirado, “[…] almejava era trabalhar em presença de Tadzio, tomar como modelo ao escrever a figura do menino, deixar seu estilo seguir as linhas desse corpo que lhe parecia divino, transportar sua beleza ao espiritual, tal como outrora a águia carregara o pastor troiano ao éter” (aqui, misturo as traduções de Maria Delimg e Eloísa Ferreira Araújo Silva – tenho as duas próximas da minha cama e as releio constantemente; destaque para o referencial homoerótico do rapto mitológico do jovem Ganímedes por Zeus, que Drummond certa vez definiu em poema como “outra forma de amar no acerbo amor”). Mann, num ensaio a respeito das diferenças entre o comportamento homossexual, fundamentalmente estético e artístico, e os deveres do casamento e do que hoje chamamos de heteronormatividade, confessa, en passant:

“[…] A liberdade orgiástica do individualismo que uma vez descrevi em ‘Morte em Veneza’ na forma de pederastia. […]”

Tal confissão pessoal, a meu ver, não refuta o caráter filosófico da ficção acerca do artista e o belo, preenchido, inclusive, com referência direta à instrução de Sócrates a Fedro sobre o desejo e a virtude; na realidade, o nível puro e metafórico não exclui o outro, erótico, pois os desejos da carne toldam o sentimento do imponderável e também o pensamento intelectual, presentificam-se amalgamados de maneira a remontar os séculos de elevado homoerotismo entre um homem mais velho, carregado, e um jovem com beleza e alegria pela vida, na esteira de Platão, Michelângelo, Shakespeare, Wilde, Pasolini et al… O escritor transformou o garoto num dos ícones mais emblemáticos do século passado, a fascinar ainda hoje.

(Embora, nesse caso verídico, Moses fosse criança ainda e sequer adolescente, o que seria para mim muito mais adequado, porém é preciso considerar contexto: tal mudança de paradigma acerca de fases infantil e adulta só ocorreria sobretudo na segunda metade do século passado, em que a chamada adolescência “surge” pra valer como fase intermediária.)

Num livro de 2003, The Real Tadzio: Thomas Mann’s Death in Venice and the Boy Who Inspired It, Gilbert Adair registra a reação de Moes com relação ao texto de Mann e também à adaptação cinematográfica de Visconti, em 1972, que tornou-se “cult”, justapondo a vida do personagem real com a de seu gêmeo mítico: um homem imortalizado na Arte e esquecido pela História. Analogia reversa pode ser feita, finalmente, à vida degradante do ator Björn Andrésen, o outro Tadzio, das telas, traumatizado para sempre pela fama e pelo assédio, conforme mostra documentário sueco de 2021, O Garoto Mais Bonito do Mundo

O Brasil e a revolução por vir…

O Brasil nunca deixou de viver grandes mobilizações, protestos decisivos, insurreições populares e correlatos em sua história, porém as grandes viradas transformadoras (da colonização para a Independência, da monarquia para a República, das oligarquias da República Velha para a República Nova, da ditadura para a redemocratização etc.), ainda que com a participação de movimentos civis, se deram pelo alto, fenômeno que Gramsci (o mesmo ocorreu no percurso italiano) cunhou de “revolução passiva”, em que as classes dominantes é que, gladiando-se, são protagonistas e excluem as outras subalternas. Não foram poucos os países que, diferentemente, para “progredirem”, precisaram passar por revoluções e guerras civis muito mais violentas, integralmente nacionais e debaixo para cima, e isso se deu por causa da necessidade de combater e vencer as forças do atraso (por exemplo, o Ancien Régime na França, os escravistas do sul na Guerra da Secessão nos EUA, o czarismo na Rússia): o mundo nunca mais foi o mesmo…

Não padeço de “crise de inspiração”…

Não padeço de “crise de inspiração” – não me faltam ideias e muitas anotações despendidas em dezenas de blocos de notas… Sofro do horror mallarmaico da página em branco… Termo algo clínico e menos romântico: bloqueio. Li que Salman Rushdie, após o ataque que sofreu, está em dificuldade semelhante por causa de “estresse pós-traumático” (“Sento para escrever e nada acontece”, revelou): sob bloqueio há anos e tanta distração a prejudicar disciplina, não precisei de atentado nenhum a não ser o conflito teórico-prático mal resolvido entre realismo e modernismo… Preciso me apaixonar por alguém, e do vinho e do conhaque, porém prosa (diferentemente de poesia) requer difícil e contínua prática de costura depois, sempre depois do estado de inspiração arrefecido… A escritura é uma benção, mas começar a escrever é limitar infinitas possibilidades (exemplo imagético e concreto de infinitude: o triângulo matemático de Pascal, um triângulo lindo e infinito)… Não a balela de autoajuda motivacional, mas “O Artista Inconfessável” (João Cabral de Melo Neto) me serve de bom poema-lenitivo nessas horas!… Borges (só escrevia contos, e afirmou no prefácio de Ficciones que compor longos romances é um “desvario laborioso”) escreveu que só se publica um livro para se livrar dele: livro livra! Devo juntar todas as ideias num só livro, ou não escreverei. Medo, porém, de ser deixado em esgotamento e vaziez…

Os bolcheviaues só tomaram o Palácio de Inverno por…

Os bolcheviques só tomaram o Palácio de Inverno com a ajuda de oficiais militares fiéis a Lênin (e a Trótski, que já comandava o Exército Vermelho, urdido a partir de forças militares desgostosas do czarismo e com o governo provisório — por exemplo, o ex-czarista e então leninista Vladimir Antonov-Ovseyenko, que liderou os Guardas Vermelhos no dia fatídico), embora camponês e operário estivessem ali em peso… Maduro só não levou golpe recente de Guaidó, EUA e Europa porque o chavismo dominou as forças militares (aliás, o grande Chávez era militar), além de militância social organizada, e ele fez questão de mostrar pelas redes em vários vídeos que estavam armados dos pés à cabeça e às suas ordens… Fidel, o Che e outros triunfaram em Cuba ao fazer uma limpa teórica e material, de fora para dentro, no Exército contra a ditadura imperialista de Fulgêncio Batista… Allende morreu suicidado após acreditar nas instituições, tendo sido golpeado por Pinochet… No Brasil, as Forças Armadas tiveram um Prestes e sua Coluna, um Lamarca ensinando grupos de luta armada, um intelectual marxista feito Nelson Wenerck Sodré, mas limitados, porque foram expulsos, perseguidos, presos — houve cedo a implantação de um anticomunismo barato no militar brasileiro (que, historicamente, é um sujeito semianalfabeto), já com Vargas e a ala militar pró-nazismo, mas sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, em que a outra aula, ideologicamente controlada pelo complexo industrial-militar dos EUA e sua “Política da Boa Vizinhança”, tornou-se dominante, levando à capitulação e ao golpe empresarial-militar de 1964. Não houve, na redemocratização, interesse em profunda reforma militar por aqui. É tarefa urgente para a esquerda que queira realmente mudar o país estruturalmente. E é um desafio que continua a ser global, acaso como está a situação militar na Rússia conservadora?… E os núcleos nazistas na Alemanha, núcleos supremacistas nos EUA, resquícios das ditaduras militares nas forças de segurança deste continente etc. etc. etc.?…

É uma lástima que a extrema-direitalha tenha se apropriado do ímpeto revolucionário…

É uma lástima que a extrema-direitalha tenha se apropriado, com toda a espécie de deturpações, do ímpeto revolucionário comunista no período mesmo em que a esquerda agarrou-se na manipulação institucional liberal, por conta da derrocada ideológica do final do século passado com o fim do “socialismo real”. Lembrem-se da tomada do Palácio de Inverno pelos bolcheviques, por exemplo, não sem a ajuda decisiva de generais fiéis a Lênin e que estavam desgostosos do czarismo e do governo transitório…

Os bloqueios não são uma iniciativa de caminhoneiros, mas de empresários bolsonarentos…

Os bloqueios dos derrotados em algumas avenidas e rodovias não são uma iniciativa de caminhoneiros. A arruaça golpista de extrema-direita foi organizada com antecedência por empresários bolsonarentos, obrigando capangas, empregados e terceirizados. É/seria apenas um primeiro passo: a intenção é estimular um golpe militar supostamente pedido pela população como se o covarde e isolado Bolsonaro — que só chegou até aqui por não ter sido punido lá atrás junto aos viúvos da ditadura — não tivesse nada com isso. O script farsesco segue 1964. Já que não possui mais apoio político, esta é a única alternativa, ainda que minguada, mas para pressionar conchavos ou pactos com o STF e/ou outros, que Bolsonaro tem para escapar da cadeia por tantos processos e crimes, agora que pela primeira vez não dispõe de foro privilegiado. Se (e somente se) os bloqueios continuarem por mais um dia, não podemos esperar tudo somente das instituições judiciais conservadoras e da polícia que prevarica – é preciso que militantes dos movimentos sociais de esquerda e trabalhadores das centrais sindicais (controladas sobretudo pelo PT) botem os poucos arruaceiros restantes pra correr, mostrando também a força popular do novo governo eleito de Lula.

Jair Bolsonaro, seus apoiadores e sua bíblia

Elogios ao ditador pedófilo Stroessner e ao ditador sanguinário Pinochet, exaltação ao torturador de mulheres Ustra, cópias de lemas do nazifascismo de Hitler e Mussolini…

Entre os apoiadores, os assassinos Guilherme de Pádua, goleiro Bruno, Flordelis, milicianos sicários… Um líder da Ku Klux Klan. Um pouco acima desse esgoto todo que não é de agora: pseudocantores sertanojos e jogadores que buscam proteção por suas corrupções, sonegações, estupros coletivos…

Na bíblia bolsonarenta, Jesus ceava com César e Herodes, crucificava a mando de Pôncio Pilatos e dos fanáticos ensandecidos, reverenciou de braços abertos os vendilhões do templo, transava escondido com as prostitutas, que depois ajudava a apedrejar publicamente, e apreciava combates sanguinolentos no Coliseu.

(Eu, que sou ateu, sei que, segundo o Livro do Apocalipse, o chamado Anticristo surge na própria igreja, não fora…)

O forasteiro Tarcísio de Freitas não pode ganhar; Fernando Haddad precisa vencer

Estou muito preocupado com o segundo turno para governador de estado aqui em SP. Não vejo, ainda, atuação vigorosa de amplos setores para o quadro eleitoral ser alterado, mas dá tempo de acordar. É de uma gravidade atroz imaginar a intelligentsia e as universidades paulistas ameaçadas de caírem nas mãos de bolsonarentos; classe trabalhadora, professores do estado, profissionais da Saúde, áreas culturais e institutos de pesquisa e ciência terem vidas e conquistas atacadas de forma sem precedentes; a Polícia Militar controlada ainda mais à extrema-direita; SP, RJ e RS serem oposição direta e desestabilizadora a um governo federal Lula (neste ponto, a eleição estadual tem imprescindível importância nacional), entre outros descalabros e horrores. Seriam anos de greves, repressão, incompetência, caos, desgastante resistência contra retrocessos e regressões. Considerando a tecnocracia tucana (a grande derrotada e (ir)responsável), é de uma piora enorme. O forasteiro Tarcísio de Freitas, que “perdeu” para brancos e nulos no primeiro turno, definitivamente não pode ganhar. Fernando Haddad tem de vencer, mas, começando o segundo turno atrás, precisará de uma estratégia extraordinária, até mesmo hercúlea, talvez de uma dose de populismo social, mais vontade organizada, outro tipo de atuação em massa nas redes e menos apatia habitual; já ganhou na capital, precisa conquistar votos no interior; sobretudo, a depender das pesquisas nos próximos dias e semanas, a candidatura do forasteiro deve ser inviabilizada de alguma forma.

Lukács critica o “efeito de distanciamento / estranhamento” em Brecht, em favor do teatro de Tchékhov e do próprio último Brecht

Já bastante se escreveu sobre o fecundo conflito interno no marxismo entre Lukács-Brecht — parte de uma controvérsia mais ampla entre os defensores do “realismo socialista” (isto é, o realismo burguês do século 19 com um novo conteúdo) e os partidários do “modernismo”, particularmente o expressionismo alemão e o cubismo —, mas tais textos se concentram na primeira fase de ambos, nas primeiras décadas do século 20, esquecendo-se ou sem saber do aprofundamento posterior.

O conflito amadureceu durante a Segunda Guerra Mundial e no pós-guerra. O influente filósofo Georg Lukács, que criticava o “caráter sectário” das primeiras levas de “peças didáticas” do seminal dramaturgo e poeta Bertolt Brecht (sendo, por sua vez, considerado por este, junto a seus colaboradores, “inimigos da produção […] eles próprios não querem produzir [mas] brincar de apparatchik e exercer controle sobre as pessoas”, conforme lemos em Bloch, Ernst, Georg Lukács, Bertholt Brecht, Walter Benjamin & Theodor Adorno, Aesthetics and Politics, 1977, p. 97), em seus anos finais elogia a obra brechtiana dos anos 1940, tendo até mesmo se encontrado pessoalmente com ele num café em Moscou durante a guerra, ao que o artista teórico do teatro épico-dialético recomendou amigavelmente que não poderiam se deixar levar por “uma infinidade de gente” que queria incitar um contra o outro (cf. Pensamento Vivido: Autobiografia em Diálogo, Instituto Lukács, 2017, págs. 120-122).

De qualquer forma, as divergências estéticas eram prementes. Não pretendo, aqui e agora, me posicionar, o que será feito em momento mais propício após reflexões e estudos em torno da minha própria obra e teoria-prática para este século 21. Um posicionamento dialético, em termos de Gramsci, requer que se critique, se transforme e se conserve a fim de se superar ambos os lados para uma nova cultura. Uma vez que há várias implicações para este tema, que demandariam maior tempo: por exemplo, o fato de que Brecht estava implicado na práxis artística constante, enquanto que Lukács, não, ao passo que foi o primeiro a criar uma estatura para uma teoria da “estética marxista”; a diferença de públicos para os diversos tipos de artes (e teatros) e a importância de se atingir todos os diferentes públicos, sob todas as formas, para nossos desejos de conscientização crítica e transformação estrutural, não sendo possíveis comparações e legislações muito fechadas; as etapas cronológicas e histórico-sociais das artes; a importância histórica específica do didatismo, que, tal como colocou Adorno (BRECHT, Bertolt, A Santa Joana dos Matadouros, Apêndice, trad. de Schwarz, Cosac & Naif, p. 206), “conduziu [Brecht] a suas inovações dramatúrgicas, que derrubaram a cena moribunda do teatro psicológico e de intriga” etc.

Neste primeiro momento, pretendo apenas expor algo pouco divulgado e pouco lido. Em sua Estética, o polêmico Lukács, em favor do teatro de Tchékov e do próprio último Brecht (“considerado poeta e dramaturgo”, segundo o filósofo), critica e procura refutar o “efeito de distanciamento/estranhamento” e as assertivas de seu primeiro programa teórico, conforme podemos ler no trecho que destaco abaixo (em tradução de Manuel Sacristán, Ediciones Grijalbo, S. A., Barcelona – México, D. F., 1967, págs. 189-194):

“[…] Como en todo intento de resolver con correcta proporcionalidad dialéctica las contradicciones fecundas y motoras de la estructura de la obra, también aquí se producen problemas histórico-sociales relativos al carácter favorable o desfavorable de las condiciones concretas. Esos problemas incluyen el básico de si una determinada personalidad poética es adecuada para una determinada conformación satisfactoria o problemática. También aquí, como muchas otras veces, tenemos que remitir a la parte histórico-materialista de la estética como lugar metodológico en el cual puede darse respuesta concreta a esas preguntas. Ahora nos limitaremos a aducir un caso típico que puede aclarar según aspectos —generales— nuevos el contradictorio principio general dominante en este contexto problemático. Nos referimos al discutido «efecto de extrañación» [Verfremdungseffektl] de Bertolt Brecht. Él lo define así: «Una reproducción extrañadora es aquella que permite reconocer el objeto, pero haciendo al mismo tiempo que aparezca como extraño».¹ Es claro sin más que con ese concepto Brecht apunta a lo mismo que hemos llamado aquí generalización. Aunque con una diferecia importante, o, por lo menos, supuestamente tal: que Brecht busca un teatro revolucionario, un teatro que, mediante la representación, mueva a los espectadores a una actividad revolucionaria. Desde ese punto de vista critica Brecht no sólo la actual escena, sino también toda la dramática del pasado: «El teatro tal como lo encontramos muestra la estructura de la sociedad (reproducida en la escena) no como influible por la sociedad (que está en la sala)».² Esta argumentación no nos parece demasiado convincente. Pues en muchos de los más grandes dramas de la literatura universal se muestran precisamente trasformaciones esenciales de la sociedad; así el paso del derecho matriarcal al patriarcal en Esquilo, el hundimiento del feudalismo medieval en la obra de Shakespeare, el de la sociedad burguesa en la de Chéjov y en la de Gorki, y en la de este último pisan incluso la escena las nuevas fuerzas sociales en vía de constitución. Pero incluso cuando las palabras de Brecht «Pues lo que no ha cambiado en mucho tiempo parece inmutable»³, dan la impresión inmediatamente de un acierto pleno, no es verdad que coincidan con la realidad de la producción dramática. ‘La Tempestad’, de Ostrovski, o la ‘María Magdalena’, de Hebbel, representan mundos que no cambiaron en mucho tiempo. Pero la excelente crítica de Dobroliubov muestra que el efecto revolucionario de la tragedia de Ostrovski se debe precisamente a esa circunstancia.⁴ Así pues, cuando Brecht dirige la frase últimamente citada contra el drama y el teatro anteriores a él y establece la consecuencia: «El teatro tiene que provocar el asombro en el público, y eso se consigue por luedio de un extrañamiento de lo sólito»⁵ está luchando contra molinos de viento: pues ya el teatro, sin «efecto de extrañación», ha llevado a su público en el pasado no sólo al «asombro», sino incluso a una profunda conmoción, mediante la conformación de las contradicciones de la situación social dada en cada caso. Un importante dramaturgo de un pasado que penetra directamente en la actualidad, Chéjov, muestra que la razón que alienta en el programa de Brecht puede realizarse sin «efecto de extrañación». Chéjov construye sus dramas precisamente sobre la base de la contraposición entre las intenciones subjetivas de los personajse y la orientación y la significación objetiva de éstas. Con eso se pone constantemente al espectador en la ambigua o escindida situación de tener que entender los sentimientos de los personajes y hasta simpatizar con ellos, mientras se ve simultáneamente obligado a vivir, con la misma intensidad al menos, la contraposición trágica, tragicómica o cómica entre aquellos sentimientos subjetivos y la realidad objetiva de la sociedad. Podría decirse que el drama entero es un «efecto de extrañación», pero que precisamente por eso es, en su modo de conformación, drama y no «efecto de extrañación».

“Si añadimos a esas observaciones que los últimos e importantes dramas de Brecht producen —contra su programa— conmociones «tradicionales» en el espectador, y que el «efecto de extrañación» es para ese efecto revolucionario un momento más perturbador e inhibidor que promotor, nos acercamos más a la fuente del error teorético de este considerable poeta y dramaturgo e iluminamos con más precisión el problema que estamos estudiando. Esa fuente de la doctrina del «efecto de extrañación» es, en efecto, la dura y unilateral polémica de Brecht contra la «teoría de la empatia», polémica que llega a ocultar los hechos históricos y sus conexiones. Ya al hablar de la ornamentística hemos encontrado una violenta oposición así por parte de Worringer. Es claro que las dos polémicas no pueden ponerse al mismo nivel: Worringer combate la «teoría de la empatia» desde la derecha, en nombre de un irracionalismo reaccionario; Brecht lo hace desde la izquierda, en el nombre de la revolución socialista. Worringer lucha en favor de la muerte y la inhumanidad; Brecht por la vida y la humanidad. Por eso la práctica artística madura de este poeta y su resultante visión artística inmediata tienen que entrar en contraposición cada vez más abierta con esa estrecha antinomia, fruto de una pasajera moda intelectual. Así, por ejemplo, considera Brecht «oportunista» la técnica de su Galileo; y al hablar así da precisamente con el principio aquí decisivo, puesto que concibe esa nueva pieza como un contraejemplo de las anteriores parábolas: «Allí se encarnan ideas, en éstas se despoja a una materia de determinadas ideas». Con ese reconocimiento se abandona en el fondo toda la teoría de la «pieza didáctica» y se coloca en primer plano el «oportunismo» de la nueva pieza, la conformación auténticamente dramática (como la de las grandes obras tardías), por una operación que teoréticamente puede ser inconsecuente, pero que desde el punto de vista dramático-poético no puede ser más fecunda. Honra al Brecht teórico el que desde esa situación haya tropezado con la problemática profunda de su teoría del teatro épico: «Veo claramente —escribe en su diario en marzo de 1941— que hay que liberarse del planteamiento de duelo “aquí la Razón, aquí la emoción”». El efecto de extrañación va a dejar a partir de entonces de obstaculizar la emoción, y va a dedicarse sobre todo a desencadenar los sentimientos adecuados.⁶ Y Brecht no se da cuenta de que con eso no ha hecho ninguna concesión a la doctrina de la empatia, sino que la ha quitado definitivamente de en medio.

“Pero, pese a la diferencia, hay en Worringer y Brecht un error común: la confusión de la «empatia» con la teoría y la práctica de los grandes períodos realistas del arte europeo; ambos pasan por alto que la «empatia» es una teoría artística específicament pequeño-burguesa, que expresa sin duda algunos momentos de la concepción del mundo del arte que le es contemporáneo, pero que por su superficialidad pasa por alto incluso los logros artísticos más importantes de su mismo período.⁷ Sin poder entrar aquí con detalle en la teoría, observemos sólo que por obra de ella se produce ese comportamiento vago ante las obras de arte, ajeno a toda actividad, que Brecht —con acertada sensibilidad— desprecia y odia tan profundamente; pero, por otra parte, que el gran arte del pasado, como reflejo de la realidad, es precisamente la contraposición más estricta a la «empatia». Podemos entrar «empatéticamente» en algo cuya esencia objetiva nos sea totalmente desconocida o indiferente, pero ante la realidad manifiesta o sus refiguraciones adecuadas no podemos sino ser dirigidos a una vivencia posterior en la cual se incluye la consciencia de que no se trata d nuestra subjetividad, sino de un «mundo» independiente de ella. Lo específico de la vivencia «tua res agitur» se encuentra precisamente en esa dualidad que distingue la realidad vivenciada de la «empatia», de la introyección. La «impaciencia» de una locomotora puede ser una «empatia», pero nunca lo será la vivencia de Fausto. Al sucumbir Brecht a ese moderno prejuicio —aunque en el sentido de una apasionada y unilateral polémica contra él— se produce la confusionaria concepción del «efecto de extrañación». Esto tiene, por una parte, como consecuencia el que se produzca para la necesaria generalización el peligro de hacerse demasiado conceptual, de pasar del sistema de señalización 1′ al 2; y, por otra parte, se aspira a introducir en la estructura de la obra misma lo que hemos estudiado como «Después» de la vivencia estético-receptiva; y esta consecuencia apunta en la misma dirección que la primera.

“Creemos que el descubrimiento de ese error teorético habrá contribuido algo a la clarificación de nuestro presente problema de la generalización poética, especialmente si tenemos presente que los importantes efectos poético-dramáticos del último Brecht no se han conseguido desde esa actitud suya teórica, sino que han nacido en discrepancia con ella. La generalización poética no tiende a convertir el conjunto singular conformado en un mero «caso» subsumible bajo una teoría o una tesis, sino que, por el contrario, tiene «meramente» la intención de hacer visibles y comprensibles,explícitas y actuales las determinaciones generales presentes (por inhenfia) en la singularidad en cuestión. Dicho de otro modo: la intención es mostrar cómo una tal singularidad se articula manifiestamente en la tipicidad a la que representa para la evolución de la humanidad en sí. Así se aclara mucho la doble y contradictoria determinación de esa situación. Ante todo, no puede haber tipicidad alguna con una existencia independiente de sus singulares modos de manifestación. En este punto se aplica directamente la crítica aristotélica a la doctrina platónica de las ideas. Pero, además, el tipo es cosa distinta y mayor que la mera suma de los fenómenos singulares que le corresponden. Al constituir la historia de la humanidad —mediante sus conflictos, sus vicisitudes trágicas, tragicómicas y cómicas— determinados modos de comportamiento típicos y típicos modos de reacción, la orientación a lo típico conserva ciertos momentos duraderos, pero enriqueciéndolos y concretándolos sin cesar con la riqueza infinita del mundo mismo, con el verdadero material de la realización. Por eso la elevación de lo singular a lo típico no es nunca una eliminación de su singularidad; por el contrario, esta singularidad destaca aún más sensible y plásticamente cuando llega claramente a expresión la tipicidad de las acciones y los sufrimientos, en la consciencia del individuo o en la lógica de la situación. Por último, esaa lo típico no es nunca un acto aislado y solo, sino siempre el movimiento de un conjunto concreto. Esto tiene como consecuencia para la poesía el que todo movimiento hacia la tipicidad —por ejemplo, en la forma de un drama o de una novela— se desarrolle siempre fuera de la rarificada y montañosa atmósfera de la abstracción, y dentro de un concreto complejo de hombres concretos y situaciones concretas. Como es este conjunto como totalidad el que expresa la propia generalización última, la incorporación de la totalidad conformada en la autoconsciencia de la humanidad, la elevación de una figura a la consciencia de su destino tiene que poseer, desde el punto de vista de la generalización, algún elemento relativo, ya con objeto de no romper este sentido último de la poesía, sino reforzarlo, por el contrario, de modo adecuado como sonido de un acorde; por eso mismo esa operación está indisolublemente ligada a la singularidad única de la figura de que se trate, de la situación concreta.

“Piénsese, por ejemplo, en las consideraciones que hace Ótelo sobre sí mismo cuando Yago ha despertado ya en él la duda sobre la fidelidad de Desdémona […]”

1. BERTOLT BRECHT, Kleines Organon fur das Theater [Organon breve para el teatro], § 42.
2.
Ibid., § 33.
3.
Ibid., § 44.
4. DOBROLIUBOV,
Ausgewdhlte phitosophische Schriften [Escritos filosóficos escogidos], ed. alemana, Moscú 1949, págs. 594 ss.
5. BRECHT,
loc. cit., § 44.
6. Citado según el artículo de Ernst Schumacher, «Brechts Galilei: Form und Einfiihlung» [El Galileo de Brecht: Forma y empatia], en
Sinn und Form 1960, Heft [Número] IV, págs. 510 s., 522 s.
7. Al estudiar el verdadero fundador teorético de esta doctrina, que es F. Th. Vischer (el término «empatia» se debe a su hijo, Robert Víscher), he expuesto el contenido esencial de la misma. Lo filosóficamente esencial de la empatia se presenta resumido en el texto de Vischer del modo siguiente: «la intuición ideal
mira y proyecta en el objeto lo que no está en él». Cfr. Beitrage zur Geschichte der Asthetik [trad, castellana: Aportaciones a la historia de la estética, México, Grijalbo, 1965], cit., págs. 263 s.

Acabei de ver o presidente de Portugal na Livraria Cultura em São Paulo…

Acabo de ver o Presidente de Portugal atrás de mim, aqui na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, Avenida Paulista. Senhor aparentemente simples e com alguma simpatia, tirou fotos com quem lhe pedia respeitosamente, feito uma celebridade “low profile”. Parece que veio para a Bienal do Livro de SP e que hoje almoçou com Lula, enquanto o presidemente cancelou encontro com ele.

Quem terá tido a ideia de inscrever o inovador “Comigo me Desavim”, de Sá de Miranda, e outros poemas na estação Vila Madalena?…

Quem terá tido a ideia de inscrever o inovador poema “Comigo me Desavim”, de Sá de Miranda, sem contar outros de poetas concretistas, nas paredes da estação de metrô Vila Madalena, em São Paulo, há anos?!… Esta(s) pessoa(s) motiva(m) a existência citadina.

Minha mãe, mesmo com câncer terminal, continua…

Sinto que minha mãe só tem dias ou poucas semanas de vida: mesmo com a memória espantosamente intacta, cada vez mais precisa fazer esforço para falar, come praticamente nada do hospital, dificuldade de mastigar, sem apetite, olhos a maior parte do tempo vidrados, definhando. Câncer terminal. As duas únicas formas atuais mais fortes de combater o câncer, quimio (ela fez 4 sessões antes da internação) e radioterapia, só lhe trariam mais reações sem resultados de reversão do quadro; enquanto isso, os tumores continuam marchando, espalhando-se e não param. Estamos lhe dando conforto, cuidando, realizando possíveis desejos, etc.
 
Alivia lembrar que ela sempre me dizia que preferia morrer a ficar dependente numa cama… Também é inacreditável a sua força de resistência e lucidez – o oncologista achou semana retrasada que ela viria logo a óbito, e se surpreendeu ela ter durado muito mais; outra oncologista disse que, no estágio em que ela está sob cuidados paliativos, não é comum manter a memória que ela mantém, sobre situações e coisas recentes, depois desse tempo todo e ainda responder normalmente às pessoas. Classificou isso como “milagre” (palavra rara na fria e realista oncologia). Há quem diga que são as orações e correntes que centenas de pessoas mandam. Atribuo isso à sua força de vontade de querer retomar sua rotina, levantar da cama, ir para casa, não se entregar. Informo a todos que, embora eu chore e preveja sentir incomensurável falta da minha mamãe (por exemplo, sou novo e fico pensando quanta coisa de valor farei e ela não verá ou não poderei compartilhar com ela), sempre tive conversas muito francas com ela sobre a vida e a morte, e no leito confirmei que ela quer ser cremada. Tudo isso me prepara bastante neste processo de luto, assim como o espiritualismo dela mais o meu materialismo.
 
Além do fator genético (pai que teve tuberculose), os mais próximos sabem que ela era tabagista de marca maior desde os 14 anos de idade (hoje tem 61), fumava muito (só parou em dezembro, determinada, e por insistência minha ao vê-la indo fumar quando tinha crises de tosse — este foi o primeiro sintoma significativo, que ela negligenciou, mesmo com meus pedidos para ir ver do que se tratava a tosse anormal, mas também por conta das dificuldades de atendimento durante a pandemia, depois o emagrecimento absurdo, tudo isso em questão de meses ou um ano –, e colei até o último adesivo de tratamento de nicotina nela, já internada, dando-lhe os parabéns).
 
Considero importante dizer que, se antes eu achava exagerada a (recente) campanha de conscientização dos malefícios do cigarro, depois de ver o que as toxinas fizeram com minha mãe, vibro que se intensifique, sem ares de moralismo ou de culpabilidade, mas por questão de saúde pública, sem deixar de notar que há muita hipocrisia com relação ao álcool, muito mais aceito, porém tão ou mais destrutivo a si e aos outros, se em excesso e vício.
 
Aos fumantes, vale a máxima “é melhor prevenir do que remediar”: que não só parem ou diminuem, tratando a ansiedade e outros motivos subjacentes ao vício ou hábito, mas principalmente que façam exames periódicos, sobretudo de pulmão, e espero que a oncologia, no geral, avance nas próximas décadas a ponto de reverter quadros avançados dessa mortífera doença, cada vez mais comum no mundo todo e em todas as classes sociais, que começa silenciosa e, quando descoberta, já encontra-se implacável e veloz.

Cartas entre Mário de Andrade e Antônio Cândido sobre ‘Café’: arte e engajamento político

Abaixo, carta de Antonio Candido (à época, jovem crítico em formação), a Mário de Andrade — um dos representantes máximos do modernismo brasileiro e da Semana de ’22, evento ponto-de-virada que neste 2022 completa 100 anos, grande poeta, romancista, contista, músico e pesquisador cultural — sobre seu poema dramático Café, conforme exposta na “Ocupação Antonio Candido”, realizada pelo Itaú Cultural em São Paulo, e aqui transcrita:

Poços de Caldas, 16 de janeiro de 1943.

Muito obrigado, Mário de Andrade, pelo trabalho que você teve me enviando as suas obras… escandalosamente cantadas por mim através da minha vítima nestas circunstâncias: Gilda! Muito obrigado pela Revista Nova e, sobretudo, muitíssimo obrigado pelo que você escreveu no Ensaio.

Como estou com a mão na massa, aproveito para falar de outro assunto. Antes de mais nada: Eu e Sainte-Beuve não nos damos bem com o teatro… Este aviso é uma precaução necessária, porque eu lhe vou falar alguma coisa sobre o Café. No seu drama (?), portanto, sou capaz de apreender só os aspectos não-teatrais. Não digo não-dramáticos – porque abunda nele dramático não teatral, e, este, acho que percebo. O que eu disser, naturalmente que não terá grande interesse para você; tem para mim, porque a audição do Café foi, de fato, uma coisa que muito me deu que sentir e pensar.

Para começo, acho que seu empreendimento resultou na maior obra que jamais viu ou sonhou ver a poesia dramática no Brasil. Aliás, isso não é dizer muito, concordo… Mas eu acho, sinceramente, que ela é uma grande obra no plano universal.

Deixando de parte o lado performance, de reussite formal, quero dizer a v. a razão mestra que me faz atribuir um excepcional valor ao seu drama: há certos aspectos do Brasil que v. é o primeiro a fixar e a universalizar – isto é, dar a eles o estado de arte, quer por via da sátira-poesia, quer por meio do patético. Ora, isto garante o caráter de superioridade artística que eu vejo no Café. Ao mesmo tempo, esta superioridade, no caso, só é realmente possível porque v. tem um seríssimo fundamento ético para a sua obra. V. elevou à categoria de arte largos e dos mais profundos aspectos do Brasil; ao mesmo tempo, a realidade humana e, lâchons le mot, social desses aspectos, garante a eles uma universalidade que dá à sua obra direito de permanência. O caráter pitoresco, que é tão frequente em boa parte dos seus escritos, está no seu dele lugar, desaparece aqui, onde poderia ser comprometedor. Pedaços como o do Truco servem para dar uma nota de cor, localizada no conjunto – o que areja e dá encanto.

Pela peça afora v. tem certas trouvailles que são de uma eficiência extraordinária. É o caso, por exemplo, do “– Eu sou aquela que disse.” Como eu comentava outro dia com a Gilda, esta apóstrofe (??) recorrente, traz do fundo dos tempos um obscuro tom bíblico, uma certa grandeza profética que muito serve para elevar as palavras da mulher.

E há coisas absolutamente novidades – como o “Cânone dos Assustados”, às quais, também você deu estado de arte.

Por outro lado, há um senão no Café. São certos pedaços em que há um certo demagogismo (ausente, aliás, do espírito da peça) – não sei se voulu –, como na cena dos fazendeiros e dos empregados. Esta cena não peca pela grandiloquência do discurso dos comissários, como quer a Gilda. Muito pelo contrário, acho este um achado, uma valorização estética de certo tipo ultra-brasileiro de retórica e de dialética. Peca, acho eu, pelo lado das apóstrofes dos camaradas, que soltam aqui e acolá, umas tiradas que me deixaram meio contrafeito (registro a minha reação por não saber a razão exata dela).

Em suma, e deixando de lado a extraordinária beleza formal para só cuidar do significado, parece-me uma grande obra, porque é, de fato, um momento social, com os seus problemas humanos, elevado à categoria definitiva da arte – e não esta (“nunca jamais!”…) servindo de apoio à expressão de tal momento.

Neste ponto, deixe-me dizer, Mário de Andrade, como eu acho grande a sua evolução em face dos problemas sociais. V. fez o caminho inverso do habitual. Na primeira mocidade, a gente arde por eles em entusiasmos generosos… e platônicos – para ir se aquietando, com a idade, num individualismo comodista, na grata contemplação do próprio umbigo. V. partiu do individualismo estético para, na idade em que normalmente se fica no adagio pianissimo da comodidade, entrar generosa e profundamente na dor que provocam aqueles problemas – como mostra este admirável Café, e como já vinha mostrando há tempo muito escrito seu.

O título sucinto, duma obra escrita “pra povo” (segundo o próprio autor na carta mais logo abaixo), não deixa dúvidas: daquele grão-elemento que tanta riqueza garantiu à elite paulista, o cultivo pelas mãos do trabalhador fornece cenários de lutas entre as classes, espelhados literariamente por Mário de Andrade, homem de posição socialista, marxista, que realmente entrou “generosa e profundamente na dor que provocam aqueles problemas” sociais. Mário preocupava-se com o valor social de um “teatro cantado” e privilegia massas corais como protagonistas do enredo. É, hoje, uma obra de tempo demarcado historicamente no Brasil. Arrisco a dizer que faz par — cada um a seu modo — ao poema dramático O Santeiro do Mangue (1950), de seu rival-amigo Oswald de Andrade, ex-burguês e comunista… Recomendo que se adquira Café em livro físico, mas a Universidade Federal de Santa Catarina, em excelente página virtual de textos literários em meio eletrônico, a transcreve tendo as Poesias Completas de Mário como edição de referência: https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=43992.

Voltemos à correspondência… Pesquisei a resposta epistolar de Mário de Andrade a Antonio Candido a partir de pista deixada pelo próprio remetente no áudio que segue, que constitui depoimento da maior importância (proferido no Centro Cultural São Paulo em agosto de 1992 e pertencente ao Acervo IEB – Instituto de Estudos Brasileiros/USP):

Para quem, como eu, surpreendeu-se com a voz heráldica e empostada de um modernista kamikaze e tão coloquial feito Oswald, lendo vários de seus poemas (neste CD lançado por Augusto de Campos), e também para quem, como eu, alegrou-se quando gravação fonográfica reproduziu pela primeira vez a voz de Mário de Andrade a nós, cantando canções populares coletadas nas ruas ou em pesquisa, (não posso deixar de também recordar o deslumbramento coletivo que é a entrevista raríssima em vídeo que divulguei de Guimarães Rosa,) é pena não termos registro daquela primeira leitura de Café, já que a sua interpretação tanto impressionou o jovem Antonio Candido a ponto deste não sentir o mesmo impacto ao reler o texto…

Conforme conta no depoimento acima, o autor lhe respondeu em carta que fora publicada, anos depois, pelo editor cultural Décio de Almeida Prado no Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo em 27 de fevereiro de 1960. (Tratava-se, pela proximidade da data de morte, de edição especial, com vários textos em homenagem a Mario e sua obra. Eis a exata página do jornal no acervo que condiz com a carta: https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19600227-26022-nac-0038-lit-4-not/busca/Ant%C3%B4nio+C%C3%A2ndido+Mario.)

Carta de Mário de Andrade sobre <<Café>> (18/01/1943)

Página do Suplemento Literário de 27 de fevereiro de 1960 a publicar a carta, até então inédita, de Mário de Andrade sobre Café. Registro de tela a partir do acervo do jornal, após pesquisa. Link direto: https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19600227-26022-nac-0038-lit-4-not/busca/Ant%C3%B4nio+C%C3%A2ndido+Mario

Por fim, transcrevo, ipsis litteris, o documento publicado:

No começo de janeiro de 1943, Mario de Andrade reuniu em sua casa alguns amigos para a primeira leitura do Café, poema dramatico a ser musicado por Francisco Mignone. Estavam presentes Oneida e Silvio Alvarenga, Gilda e Antônio Cândido de Mello e Souza, Luis Saia e o amigo argentino Norberto Frontini. Daí a dias, Antônio Cândido escreveu a Mario, comentando a obra. O grande escritor respondeu com a seguinte carta, até hoje inédita, que constitui um documento de intensa lucidez, dos mais importantes que um artista já escreveu no Brasil sobre os próprios métodos de trabalho e sobre o processo de criação. Vai publicada na ortografia do manuscrito e quase na íntegra, suprimindo-se cerca de dez linhas de carater pessoal, sem importancia para o caso. Deixaram-se, todavia, as referencias individuais cuja supressão implicaria em afetar a integridade expressiva.

“Quando vocês saíram, fiquei numa tentação danada de repegar logo no ‘Café” e preparar desde já uma qualquer ”redação definitiva” que eu pudesse passar a vocês. Mas não pode ser assim. O que está feito, embora reconhecendo que em muitas partes principalmente do poema, eu ”sinta” definitivo: é apenas uma redação para governo e trabalho do compositor. Certamente ainda não é a obra, vaidosamente só minha, que eu publicarei um dia, sem musica, para os que me queiram ler.

Aliás esta é uma das tragedias deste ”caso”. Há uma ”vaidade” no ‘Café’ que até chega a me repugnar e de que talvez eu seja castigado. É que se tratando de um libreto apenas, eu não devia ter dado aos meus textos o excesso de cuidado artistico que dei Eles se tornaram muito independentes, apesar das mil e uma intenções musicais a que pude confortavelmente me sujeitar, por saber musica o meu bocado. Quer ver um caso muito típico? É o Canone das Assustadas. Não há duvida nenhuma que eu o fiz com pura intenção musical, sujeitando-o a cortes ritmicos tais que obrigam a entrada canonica das três vozes corais femininas, consecutivamente cantando a mesma melodia. Mas o diabo é que, meu Deus! eu sei musica! De maneira que em vez de eu fornecer um texto qualquer, uma pobre quadrinha em redondilhas, de que um compositor inventasse de sopetão a idéia polifonica de um canone, porque a melodia dele, só dele, se prestava a isso, eu usurpei o valor exclusivamente musical do canone, a sua expressividade psicologica e pus isso no meu texto! O texto é que ficou canonico! No texto é que as palavras se assustam, montam umas sobre as outras, correm ofegantes. E a conclusão deploravel que sou obrigado honestamente a reconhecer é que em vez de eu auxiliar o compositor como devia, eu roubei ele. Nada implica mais que o compositor possa tirar um canone bom do meu texto. Pelo contrario; o mais provavel é que o canone musical esteja definitivamente prejudicado. É uma coisa por demais sabida que não são os textos milhores que provocam as milhores musicas. Principalmente em musica teatral, cuja audibilidade textual é muito incorreta. Mas o pior não é isto. É eu ter provavelmente sugado a musicalidade da musica, a pondo no meu texto.

Foi o meu pecado de vaidade. Completada a concepção da obra teatral, lhe tendo imaginado a marcação quase completa do movimento cenico, me propus honestamente a escrever textos sem grandes pretensões literarias, que apenas firmassem claro as idéias geratrizes e… didaticas. Principiei assim mas logo foi impossível continuar. Eu creio que V. já sabe: a obra-de-arte esteticamente destratada sempre me repugnou até a abjeção. Mandei musica e musico verem se eu estava na esquina e tratei exclusivamente de mim, da ”minha” obra.

Aliás ainda forçou esta interferencia da vaidade justamente eu ter esbarrado nessa danada cena da discussão entre donos e colonos a que V. e Gilda fazem reservas mais fortes e eu acho também a mais defeituosa de todas. Exatamente: a que causa mais malestar na leitura.

Esta cena era primitivamente a que abria a representação. Talvez até fôsse preferível eu não contar este ”segredo” meu, de artista. repare que ficava muito mais logico, muito mais natural como exposição do assunto, a obra principiar com a cena do cafezal, terminando o ato com a cena do armazém do cais. Mas é que também o segundo ato principiava com o Exodo e acabava com o Camara-Ballet, erro evidentissimo por dois fatos. Terminar logo o segundo ato, com a comicidade gozada do Camara-Ballet era prejudicar a validade moral do espetaculo. O espectador saía divertido por demais, com muita vontade de se rir com os conhecidos e convidar a gente pra beber um chopinho nos Franciscanos desse mundo. Ora isso eu não queria. Teatro é fundamentalmente e essencialmente povo, e si um de nós, ressequidos de cultura e erudição, é mais ou menos refratario a essa funcionalidade educativa do teatro, eu não queria e não quero esquecer que fiz uma obra voluntariosamente popular. Pra povo. Pouco importando mesmo a possível perfeição estetica dos versos. Ora transportando o ”Exodo” de efeito visual e musical creio que muito dramatico, para o fim do ato, o efeito moral sobre o povo era de abtimento, premonitorio de não-conformismos possiveis. Diante desses dois erros: o defeito moral da comicidade do Camara-Ballet ser desmoralizador de um publico geral e o defeito estetico dele prejudicar a gradativa intensificação dramatica do assunto, mudei as duas cenas de lugar.

Logo surgiu a modulação ritmica: urbano = Camara-Ballet -> rural = Exodo -> urbano = a revolução do terceiro ato. E me senti obrigado a obedecer a ela também no primeiro ato, lhe mudando as cenas de lugar:

E agora também a gradação do assunto prepara milhor a aparição da farsa do Camara-Ballet, que, força é reconhecer, é um bocado estrompante. Nesta distribuição timica do assunto a coisa milhora porque na primeira cena os estivadores estão à espera de noticias de providencias, que os jornais devem trazer. Já na segunda cena os comissarios falam decisoriamente que o governo prometou tomar providencias pelas suas camaras. E então o segundo ato abre sem muito forcejamento do assunto, denunciando o que são essas camaras.

Mas, voltando a essa terrivel cena da discussão. Era a primeira da peça, então, e como eu não tinha ainda pretensão de fazer poemas, porém textos para musicar, não havia motivo para esperar a chegada da ”inspiração”, nem obedecer a esta por onde escolhesse principiar. Fui escrever e parei horrorizado. Os donos aparecem no momento em que o colono velho, de desanimo, dá um ponta-pé no cafeeiro. A frase dos donos, ”’naturalistamente” seria qualquer coisa parecida com:

– Pois vocês não sabem que é proibido maltratar as arvores!

Imagina só uma frase dessas, cantada, o ridiculo que fica! O canto, por isso mesmo que anti-naturalistico, tem suas exigencias textuais. O meu engano é que eu imaginara falado o meu texto, quando ele tinha que ser cantado. E o drama, agora o ”meu” drama principiou: eu tinha que achar o ”tom” dos meus textos. Foi um deus-nos-acuda e uns quinze dias de uma indecisão feroz. Procurei me inspirar na tragedia grega, reli textos, nada. Shakespeare e nada. As danças dramaticas folcloricas colhidas por mim, nada. Até que o simples acaso de um pouco antes ter relido a tradução de Ossian feita lindamente por Otabiano, me lembrou os bardos celtas. Mas os legítimos, não Ossian. E foi o deslumbramento. Nem se pensava mais na discussão. Chegara tipicamente, no mais romantico sentido, a Inspiração! Ora uma passagem, ora um poema, sem nexo, sem ordem, sem conexão. Às vezes, nem podia terminar a leitura de um poema, deixava o livro para escrever. Me inspirei, plagiei deslavadamente, anatolefrancemente. Um poema de invocação aos porcos me deu a invocação ao ”grão pequenino do café”. Em quatro ou cinco dias tinha o poema todo escrito, com exceção da ”Endeixa da Mãe”, que não havia meios de achar.

Na verdade, eu ainda não achara o ”meu” tom. A coisa estava ainda muito grandiloquentemente bardica, os poemas eram bastante ruins a meu ver. E disso tudo pouca coisa ficou. Terá ficado um substrato mais que a realidade dos poemas — e ninguém nunca jamais se lembraria dos bardos celtas e dos meus plagios, se eu não o confessasse. Mas é que hoje ando assustadamente apaixonado pelos misterios da criação artística pra não confessar lealmente estas coisas, como já fiz, a pessoas varias. Eu devo o ”meu” Café aos bardos celtas.

Mas então já me viera o desejo maliciento de, na impersonalidade geral do assunto, celebrar a minha cidade e a minha região do café. E intercalei a evocação no poema do ”Exodo”. Achara ”meu” tom afinal. É engraçado que todos os outros poemas diferem sensivelmente desse por certos detalhes sentimentais de fatura. Quase tudo, ou tudo, é de uma dureza quase rispida de fatura, uma ausencia enorme de adjetivos qualificadores, ao passo que a evocação de São Paulo se escarrapacha em mil e um qualificativos sentimentais. Mas tudo derivou dele.

E só então tive que preencher a lacuna do poema: a cena da discussão. É o unico dialogo de toda a obra, não consegui lhe dar valor poematico. Aqui entra a musica com o seu joguinho. Você repare: em todos os dialogos das tragédias em verso faladas, desque o autor é obrigado a frases curtas, de conversa explicativa, sem tiradas, o poeta, por maior que seja, perde o valor poematico. É nas ”tiradas”, como sistematicamente em Shakespeare, nas frases mais longas que ele consegue reverter ao valor poematico ao clima, não exatamente de ”poesia”, de ”lirismo”, mas exatamente poematico. E com raras exceções, a altitude descamba.

Consolei-me com isso e acabei deixando a discussão no sensível desvalor em que está. Tenho outro consolo mais. Talvez que, posta em musica, seja a mais ”vivente”, vivificante das cenas, pela variedade de efeitos musicais, contrastes de timbres, processos varios de tratar polifonicamente o coral, riqueza de movimentos diferentes que colecionei aí. Porém, nada impede. Também estou convencido que é a parte mais fraca do meu texto. Mas também não concordo com Gilda: a demagogia dos comissarios é toda construída ”folcloricamente” com frases feitas da demagogia nacional e expressamente feita pra tornar abjeta a falação e, por consequencia, o grupo. A sua objeção me parece muito mais valida. Algumas frases já principiam me desagradando francamente e se destacando nitido da inferioridade do conjunto como indignas até dele. Já estou certo que muitas delas vou modificar e outras tirar.

Mas agora, pra acabar, volto ao principio: O ”Café” antes de mais nada o que precisa agora é descansar, como o legitimo que dizem mais concentrado depois de dormir um ano na saca. Trabalhei três meses, de iluminações sublimes e desesperos impiedosos nele, de outubro a dezembro. Cheguei a tresler totalmente, totalmente desgostoso de mim e desesperado da obra, sem mais capacidade nenhuma de ver. Não era mais essa insatisfação fatal e afinal das contas honrosa que todo artista tem quando dá por terminada a sua obra. E ele termina, não porque a obra não possa ser melhor, mas porque ela não pode fazer melhor. Todas as obras de arte, meu Deus! são obras em que o artista fracassou.

Mas o meu caso é que eu não tinha mais opinião perduravel dois segundos, nem nenhuma garantia de mim. Por isso é que fiz aquela leitura com amigos de vario espirito que escolhi, ( ) Agora eu sei por vocês que a obra poderá viver sozinha, livre de mim, por ai. Agora ela precisa descansar. Nestes cinco, seis meses, depois que a tiver traido bastante noutros amores, então poderei saborear melhor o gosto dela” (S. Paulo, 18-1-43).

Anotação sobre o momento atual do mundo… (ação militar russa na Ucrânia)

Interesses de classes não comportam maniqueísmos… E a sobrevivência é o único valor em situações-limite, sobretudo as causadas pela indústria bélica capitalista a levar sofrimento e mortes aos povos…

A Europa Ocidental — incluindo seus partidos de esquerda — anunciam sanções, bloqueios e até expropriações de oligarcas russos frente à agressão russa à Ucrânia; por que não fazem o mesmo com magnatas dos EUA quando este país invade e agride tantos outros em busca de petróleo e desestabilização geral? É a hipocrisia. Porque europeus — que gladiam entre si há milênios –, sejam de esquerda ou de direita, temem ser pegos no conflito, que se avizinha, enquanto que os outros casos, tão terríveis e mais, ocorrem longe de suas zonas hegemônicas de conforto, no Oriente Médio e alhures, então pouco lhes importa… No caso dos EUA, nem é preciso pensar muito acerca do que mantém sua sociedade sob o complexo industrial-militar.

(Ps.: Um dia após eu escrever isto, vejo pelas redes este vídeo de compilação chocante que confirmou minha afirmação: não faltaram “jornalistas” europeus e dos EUA a dizer pelas TVs, com racismo escancarado, que essa guerra lhes impactava por não se tratar de Síria ou Afganistão, mas de país “europeu”, “civilizado”, com civis fugindo em carros iguais aos deles e de “olhos azuis” morrendo, etc.)

Alemanha (ali bem perto), França, Holanda resolverem ajudar militarmente a fraca Ucrânia, que tenta ingressar na União Europeia, cristaliza esse quadro. Conforme os jornais noticiam, o governo da Ucrânia, num ato de insanidade, empurra civis contra o Exército daqueles cujos antepassados um dia já derrotaram Napoleão e Hitler, armando e incentivando a preparem coquetéis molotov (!), proibindo a saída de homens entre 18 e 60 anos, e seu presidente, um ex-comediante antipolítico que fez vídeo nada engraçado antes das eleições fuzilando parlamentares, falhada, até agora, a concessão à OTAN, mente pelas redes em tentativa de encorajar incautos, quando é óbvio que ou está de malas feitas ou próximo a ceder aos russos…

Mas a problemática se acentua para nós.

Entendo nossa específica posição latino-americana de torcida frente a qualquer inimigo do hegemonismo dominador de EUA e Europa (e à OTAN, organização de métodos militares terroristas), que tanto nos tolheram (para dizer o mínimo) historicamente, um adversário que seja capaz de quebrar com eles, golpeá-los pra valer e, assim, oxigênio, permitir que façamos surgir sangue novo no jogo de xadrez geopolítico multipolar.

O fato, pena, é que uma simples pesquisa comprova que o partido de Putin é o Rússia Unida, uma aglomeração de oligarcas, “raposas” grandes e também do tipo “pega-tudo”, junto a outras coalizões de direita e até de extrema-direita. Partidos socialistas e comunistas da Rússia atual, majoritariamente compostos pela juventude, porém pequenos e fragmentados desde o fim da União Soviética (cujo escalão final era composto por idosos em descompasso com movimentos sociais), tentam protestar contra o que eles próprios chamam de ditadura (palavra neutra e complexa no marxismo, aliás), e as declarações públicas desses grupos de esquerda atestam em que lado estão: na oposição a Putin. (Paralelamente aos liberais pró-Ocidente, assinala-se, estando estes em maior número e com mais dinheiro…)

Não é à toa que, em longo discurso sobre a problemática situação atual, Putin, sempre de cara excessivamente sóbria e anestesiada, responsabilizou veementemente Lênin e outros comunistas soviéticos do passado por terem defendido criar uma Ucrânia separada, assim como outras regiões historicamente russas. (É certo que aquilo acontecia quando não havia ainda a OTAN, que está tentando cercar e dominar tudo, sendo esta a única justificativa plausível para sua decisão bélica… Lênin, por exemplo, não viveu para testemunhar o período do pós-segunda guerra mundial em que os EUA assumem de vez o que ele mostrara em sua teoria do imperialismo; até então, era a burguesia da Europa que desempenhava tal papel de maneira dominante.)

De qualquer forma, por mais defensivo que esteja frente a tal hegemonismo, todos sabemos que o “putinismo” é nacionalista, não internacionalista (princípio comunista básico), que é preconceituoso e ortodoxo nos costumes e quanto a outras conquistas caras às nós, ocidentais, que impede livres organizações da classe trabalhadora, que seu suporte à Venezuela ou a Cuba é mais estratégico do que qualquer outra coisa (assim como o era durante a União Soviética, quando esta já pouco ou nada tinha de revolucionária, mas de burocrática, quando pouco fez para barrar a interferência dos EUA em nosso continente); enfim, que está mais próximo ideologicamente do czarismo.

O hegemonismo dos EUA e da Europa não fará falta nenhuma e deve ser mitigado, varrido do mapa, e este é o momento, por conta da falta de grandiosos líderes ocidentais, mas tenho os pés no chão e o estado atual não me faz ver um mundo melhor com estes dois gigantes em momento pós-revolucionário ou até contrarrevolucionário de sua história, que um dia experimentaram fase mais popular e gloriosa do que agora: uma Rússia já nada socialista e uma China tão capitalista, este país, inclusive, cuja arma poderosa não é o míssil, mas o mercado, desde que o descobriu e por esse monstro insaciável foi picada — basta ver o que é o 99, aplicativo brasileiro comprado por um bilionário chinês e que explora informalmente nossos desempregados tal qual a Uber dos EUA, basta ver como empreendimentos chineses no Nordeste brasileiro ameaçam população e natureza tal qual qualquer essência capitalista apocalíptica –, daí a lástima de não termos ainda, não neste momento de DESgoverno federal de provincianos, incompetentes, ridículos, muito, muito pequenos, um Brasil forte e decisivo no jogo geopolítico, dando a sua imensa contribuição…

(E tal lamentação final dá assunto para outro aspecto, nosso, a ser resolvido a partir deste ano eleitoral e eleitoreiro de alguma mudança: temos, a rigor, três possibilidades internacionais e diplomáticas do miscigenado e diverso Brasil por vir – uma direitalha dependente e entreguista, uma esquerda potente mas limitada e uma extrema-esquerda, minha vertente favorita, mas imensamente precária de pensamento e meios materiais, praticamente inexistente na práxis, adolescente, deslumbrada, apologista, sem marxismo, ou, quando com marxismo, ainda em fase teórica.)

27/02/2022

O melhor texto sobre o centenário da Semana de 22…

Estamos em fevereiro, mas já dá para supor que o melhor texto a ser escrito este ano em jornal sobre o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 de São Paulo será o do músico intelectual Zé Miguel Wisnick, no caderno Ilustrada da Folha de S. Paulo de hoje. Incontornável. Pedagógico.

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/02/semana-de-22-ainda-diz-muito-sobre-a-grandeza-e-a-barbarie-do-brasil-de-hoje.shtml

13 de fevereiro de 2022

Dois filmes que assisti durante o Lobofest no CCBB marcaram-me profundamente…

Dois filmes que assisti durante o LoboFest no CCBB São Paulo – Centro Cultural Banco do Brasil, Retoque (do Irã), em que o microcosmo dum acidente cotidiano em família heteronormativa descortina todo um campo de desejo/justiça sem maniqueísmos frente à sociedade patriarcal, e Chá (do Uzbequistão!), em que a poética e tanta história abundam sem precisarem de diálogos e clichês, marcaram-me profundamente (estética e tecnicamente), quando estive semana passada hospedado num hotel no centro de Sampa, bem em frente ao Sesc 24 de maio (desde a pandemia, voltei pra Santos, agora sem lugar fixo em São Paulo, metrópole onde retorno aos poucos, amodeio e sinto-me adulto). O segundo, inclusive, confesso, inspira-me para parte importante de um romance meu… Não deixei de comentar com uma das curadoras que o primeiro critério para um curta-metragem valer a pena, em termos artísticos, é o de ter a capacidade de não nos fazer sentir que algo na obra falta (querendo ser longa) ou sobra; a sua completude. O que é muito difícil de se conseguir num formato de menor ou pequena duração… Ambos os filmes referidos cumprem tal critério e são memoráveis, sobretudo por espelharem acontecimentos humanos e a vida.

12 de fevereiro de 2022

Ruy Castro não compreendeu a renovação modernista da Semana de 22 de São Paulo

Ruy Castro confunde modernismo com modernidade, e associa o primeiro a quem teve prédio alto e eletricidade antes… É a superficialidade carioca. Acrescida à superficialidade do jornalismo. Acostumado a questões culturais de costumes, falta-lhe conhecimento avançado em estética e em estrutura interna da obra de arte. Assim, demonstra nada saber sobre a renovação estrutural nas artes e no pensamento brasileiros promovida pela seminal Semana de Arte Moderna de 1922 de São Paulo, que neste 2022 completa 100 anos. A Semana foi “alguma coisa de inesquecível, que sacudiu os meios artísticos de todo o país”, nas palavras de Anita Malfatti décadas depois, “porque era impossível tolerar-se o academismo, a inércia, o mau gosto da época”. Ou seja, antes do inovador modernismo paulista(no), toda a arte brasileira era incontestavelmente pré-moderna, inclusive a feita no Rio de Janeiro (com exceção de Lima Barreto ou mesmo dos pioneirismos da “segunda fase” de Machado de Assis, dois grandiosos casos solitários e mal compreendidos em seus próprios meios), cidade com resquícios políticos (República militar, quando em SP surgiu a mais moderna República civil), socioeconômicos e mentalidade de corte decadente. Romances, contos e poemas eram pré-modernos; poemas não tinham ainda superado totalmente a forma fixa do soneto, da métrica e da rima com a força que precisavam, quando Oswald (ele e seus poemas-minutos, de reinvenção da nossa história, cujo teatro também foi duma extraordinária e ainda hoje espantosa inovação ímpar, décadas e décadas antes de Nelson Rodrigues) e Mário (grande poeta e contista, grande pesquisador cultural) trouxeram inovações na prosa e versos mais do que livres e dum coloquialismo absoluto e sem precedentes, para ficarmos apenas em um exemplo concreto, determinante, literário (pois seria necessário também citar que a moderna pintura brasileira nasce com duas mulheres paulistas, Anita e Tarsila). Graças à Semana, o Brasil é dos poucos países no mundo que pode se gabar de ter tido um modernismo… A Semana de ’22, ocorrendo um século depois de outro momento histórico importante, foi, no plano cultural das artes, a segunda independência do Brasil, porém de vanguarda e anti-elitista, em contraposição a modelos enclausurados classicistas e de comportamento burguês (cf. a “Ode ao Burguês”)… Tanto que Antonio Candido, em texto e em simpósios, fazia questão de lembrar que o modernismo carioca (geração de Cecília Meirelles et al), atrasado, e que só veio muito depois ao de São Paulo, foi muito mais contido e conservador em comparação ao despojamento, à ousadia e às liberações da Semana de 22… Não é à toa que uma renovação modernista daquele impacto só pudesse surgir numa cidade que, de casebres e ruelas de chão batido no século 19, logo se industrializaria aceleradamente mais do que qualquer outra do país no 20, tornando-se metrópole por excelência, ponto de convergência do Brasil, “Paulicéia” unicamente moderna e modernista em meio aos provincianismos e paradigmas imperialistas do resto do país e de grande parte do mundo.

11 de fevereiro de 2022

Existem brancos e negros no Brasil?!

“Ninguém no Brasil é branco a não ser a Xuxa, e, se ela não casar com o Taffarel, vão acabar os últimos brancos…”

– Chico Buarque em entrevista, brincando (seriamente)

Meu pai, Roberto Édio de Souza, se dizia “café-com-leite”. Eu era criança e, ao ouvir, não problematizava. Na verdade, seria o “moreno” (segundo o senso comum) ou o mestiço brasileiro clássico, filho de negra com um pai branco, que ele não conheceu, e de quem certamente vieram seus fios de cabelo claros, quase loiros, apenas na infância (assim como os meus). Minha mãe é parda, filha de muitas misturas: há negros, brancos, mestiços e indígenas em minha linhagem materna, estes últimos, inclusive, muito provavelmente em gerações não tão longínquas (a começar por seu sonoro nome tupi, que faz parecer ter saído de personagem de algum romance indianista de José de Alencar: Iraci; Iraci de Souza Graça).

Tenho a cor de pele muito clara (mesmo nascido no litoral ensolarado e abafado), porém, com esse background genealógico acima esboçado, estou longe de ser branco — sou, no entanto, resultado do embranquecimento, e só muito recentemente me dei conta disso, e entrei em crise. Concluí, depois, que a muita mistura étnica que me compõe se deu tanto por ordem politicamente proposital das classes dominantes durante a história brasileira para controle social e “melhoramento” discriminatório da espécie humana, como também das eventuais circunstâncias subjetivas das relações, amorosas e sexuais da biologia, até se chegar nesta minha cor de pele, mas meu sangue/DNA não é “branco puro”, para minha satisfação (nem tenho ascendentes europeus que sejam diretos na árvore genealógica). Tampouco sou negro, apesar do meu cabelo não ser liso. Mesmo assim, a sociedade brasileira, calcada na aparência do colorismo, trata-me como branco, e nos formulários não há uma designação correta para mim, restando-me frequentemente marcar a inexata opção “caucasiano”. Obviamente, nos EUA ou na Europa, não sou visto como branco branco. No mínimo, “latino”, sobretudo se deixo a barba e o cabelo crescerem. Minha raça ou etnia, mesmo meu fenótipo, é maravilhosa problemática, frutos de choques, retalhos e somatórias, uma crise de identidade(s).

Machado de Assis não foi negro, ao contrário do que se diz nos últimos anos, se considerarmos que sua mãe era portuguesa branca dos Açores e seu pai, mestiço, ou, para usar designação desgastada e devidamente criticada, “mulato”. É certo que não tinha a cor de pele clara, tal como os embranquecedores quiseram fazer crer em sua iconografia; tinha a cor de pele mais escura, conforme fotografias de boa qualidade comprovam; entanto, era um miscigenado ou mestiço, fruto explícito da inovadora mistura de raças.

Quem são os negros na sociedade brasileira atual, então? A rigor, somente os imigrantes retintos de países como Moçambique, Haiti, Congo, Angola, etc., que não sofreram ou não passaram por largos e acentuados processos de miscigenação em seu DNA. Esta é minha tese. E os brancos? Seriam os descendentes diretos de europeus, embora, à presente altura geracional de nossa história, eles rareiem ou nem mais existam; também os ascendentes já se misturaram demais durante os séculos 19 e 20, de modo que não podem mais se dizer brancos brancos; neste século 21, os próprios países que não são da Europa ibérica (formada por Portugal, Itália e Espanha, onde a miscigenação foi mais acelerada), sobretudo a França e mesmo a Inglaterra, também adentram na miscigenação com os filhos e netos negros da (neo)colonização e também com árabes. O mesmo processo — acelerado pelas novas diásporas e grandes imigrações — não demora a chegar na Alemanha, que um dia comprou o mito da raça ariana, e nos demais.

Filosoficamente, o negro é um devir, porque não é hegemonicamente dominante (tal como o modelo cristão, branco, proprietário, homem adulto heteronormativo, etc.)…

Hoje em dia, com o avanço da genealogia genética e os testes de DNA, é possivel mapear com certa precisão o percentual étnico/racial dos sujeitos e da população no geral. Os resultados espantam. Assim, se realmente há brancos brancos no Brasil atual, devem ser minoria percentual: os coloniais paulistas, por exemplo, têm, em média, 80% de DNA branco (Europeu e MENA – Oriente médio e norte da África) e 20% de DNAs africano e ameríndio, mas não fazem parte da massa. A massa, porém, tem muito de DNA europeu. Em grupos de pesquisa étnico-genética, vemos vários brasileiros com fenótipo negro ou “quase negro” (segundo o senso comum) que possuem surpreendentes 60% de DNA europeu. Não devem ser a maioria, mas tal fato não ocorre nos EUA, onde os negros têm, no máximo, 30% de DNA branco. Também surpreende que o pardo brasileiro tenha, em média, 60% de DNA branco e 40% de DNAs africano e indígena. (Estes e outros dados podem ser consultados em dois estudos disponíveis no Scielo: <https://www.scielo.br/j/gmb/a/fk6kLTxZknvrJjmC9hdcZBC/?lang=PT> e <https://www.scielo.br/j/ea/a/6Ym7R859tBjyNgV96LcZmKr>, sendo esse último meio enviesado, e também neste artigo pela Fiocruz: <https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/12570/2/milton2_moraes_etal_IOC_2013.pdf>. Esta reportagem <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe1802201101.htm> divulgou ainda a constatação científica de que a cor da pele é parâmetro enganoso, pois tem elo com poucos genes.)

Tenta-se, muitas vezes, — sobretudo nas discussões de esquerda identitarista — replicar teoricamente no Brasil a polarização explícita do aparthaid dos EUA (país que viveu colonização de povoamento) entre negros e brancos, quando, na realidade, o conjunto histórico que caracteriza o caso brasileiro — no bojo das “três raças tristes” de que escrevera Bilac, sendo que modernamente acrescentaram-se a elas japoneses, árabes e muitos outros — é a pulverização das etnias comprovada em nosso cotidiano e pelas pesquisas genéticas, o fracasso da pureza de qualquer ordem, o preconceito velado e mal resolvido em meio à tal pulverização étnicosocial, o sincretismo e a miscigenação.

Basta constatar que, antes de mais nada, os portugueses se misturaram muito mais do que os ingleses, e não apenas por talvez serem eles menos racistas, mas também como parte dos vínculos de relações da exploração colonizatória, uma vez que, nas suas colônias tardias como Angola (quando o Brasil já era há muito tempo independente), criou-se com a abolição da escravatura um estatuto especial para quem não era branco, o sistema do indigenado de mão de obra gratuita, escravatura disfarçada. É o que, por consequência, me contara, certa vez, um camarada português muito crítico da história colonizatória de seu país não contada nas escolas, residente da França: que a mistura étnica pode ser encarada também como estratégia de controle, sobretudo nas décadas finais do decadente império português (quando o Brasil já era há muito tempo independente). Os mestiços, que serviam à coroa ou, posteriormente, ao Estado Novo de Salazar, eram mais escutados pelos negros por também terem sangue centro-africano, tal como um estrato social médio que servia para articular o sistema de exploração dos negros pelos brancos. Esse camarada português lembrou, ainda, que o próprio Salazar, sob a pressão europeia para deixar as colônias de África, pensou em mudar a capital para Luanda, assim como a corte portuguesa esteve uns tempos no Brasil quando os franceses invadiram Portugal no início do século 19. Portugal sempre gostou dessa estratégia da mistura ou a cogitou em momentos críticos, ao contrário dos britânicos.

Ainda que no Brasil influam a miscigenação, o sincretismo, a ambiguidade étnica, a mistura e correlatos, tudo isso não quer dizer que não há, aqui, racismo, de preferência o racismo do colorismo, pois trata-se de país com exclusões sociais e sistemas de poder, com mais séculos de escravidão do que de abolição (feita tardiamente e nas coxas, sem socialização de terras); no entanto, o processo de miscigenação no Brasil — pelas circunstâncias da vida em meio às interrelacões entre diferentes povos e também pelo proposital embranquecimento classista de cima para baixo e historicamente comprovado como política eugenista desde a colônia, mas sobretudo de finais do século 19 até os anos 1930 — criou um gênero novo na história da humanidade, para usar insistente tese de Darcy Ribeiro em entrevistas e livros. Esse gênero não é branco nem negro. É já outra múltipla somatória de ambos — e dos vários outros.

Há militantes, porém, que consideram todos os pardos como negros, sem considerar os indígenas na discussão racial, e que simplesmente ignoram quando esses mesmos pardos têm suas cotas negadas em universidades e instituições públicas. Vimos, acima, que os pardos brasileiros possuem considerável percentual de DNA europeu também, não podendo ser considerados negros em stricto sensu.

Todavia, à guisa de considerarmos a teoria da gota única, muito defendida por alguns dos movimentos negros dos EUA mais elucidados, a reivindicar que não importa o fenótipo, se você tem apenas uma gota de sangue negro, você já pode ser considerado negro, assumo que, nesses casos, a (auto)designação negro/preto faria sentido, mas apenas em termos retóricos e simbólicos: em matéria de lógica básica, se temos algum laço negro em nosso sangue que não é total, é sinal que temos também de outras etnias que nos compõem, o que nos torna imediatamente miscigenados, escapados dum padrão inequívoco e limitado à univocidade; uma outra nova raça/etnia de somatórias e multiplicidades, sem que se exclua nenhuma. É que apenas alguns têm cor de pele mais clara e outros, mais escura, embora isso faça toda diferença na nossa sociedade geograficamente dividida em periferias e centros de acordo com o colorismo historicamente marcado… Bastaria essa conscientização da miscigenação para que arrefecesse a regra da violência lastreada em características da vítima, por exemplo, em raça.

A designação “pessoas de cor” não está equivocada e é mais abrangente, do ponto de vista antropológico e científico: lembro de Michael Jackson, que tinha vitiligo, numa de suas entrevistas, a explicar que “people of color” são assim chamadas, porque a cor de suas peles pode ir da cor da palma da mão até o ébano…

E, se os percucientes estudos sobre a Pangéia estão corretos, desmorona ainda todo um paradigma histórico e qualquer tentativa de pureza racial ou mesmo de linhagem diferencial. Ou seja, as cores de peles teriam se distinguido ao longo de séculos e milênios à medida que os diferentes grupos tenham tendido a regiões de climas diversos e aspectos geográficos impactantes na melanina mais desbotada ou tonalizada, bronzeada ou mais escurecida, não estando, porém, a humanidade, em seus primórdios, diferenciada em continentes separados.

Enfim, não esqueçamos do que houve aqui com a miscigenação, que traz consigo problemáticas, traumas e maravilhas. Esse novo gênero humano é, na realidade, o futuro do mundo, sobretudo neste século 21, estando o Brasil em posição avançada de vanguarda na miscigenação global dos povos. Como uma mácula na falsa pureza, isto apavora a direitalha, a extrema-direitalha cristofrênica, racista, branca ou que se acha branca ou que quer ser branca, assecla das explorações do capitalismo tardio, agarrando-se o quanto pode nos últimos resquícios insuportáveis e danosos da branquitude e da univocidade dominadora.

1 de fevereiro de 2022

Para Sérgio Sérvulo da Cunha (1935-2021)

Faleceu hoje o eminente professor, advogado e filósofo Sérgio Sérvulo da Cunha, meu conterrâneo (chegou a ser vice-prefeito de Santos), aos 86 anos. É, agora, homenageado e elogiado por nomes consideráveis de amplos setores públicos. Não bastasse ter presidido a Comissão pela Autonomia de Santos contra a ditadura civil-militar, ter atuado na Constituinte e, depois, ter sido advogado de acusação no processo de impeachment contra o então presidente Fernando Collor, continuou, nos últimos anos, conforme pode-se ver em textos seus no perfil do Facebook e em outros locais, de exercer a crítica a respeito do estado atual das coisas, sempre do lado certo da História. Também escrevia versos sobre seus passeios à nossa praia santista. Nunca o conheci pessoalmente; porém, há poucos meses, conhecendo sua biografia e sabendo de seus posicionamentos políticos corretos, condizentes com seu caráter, enviei para ele a seguinte mensagem, que, entanto, ele sequer deve ter visto:

Mensagem que enviei para Sérgio Sérvulo da Cunha em outubro de 2021.

12 de dezembro de 2021

Carpaccio versus Rafael, a partir de Tarkóvski: arte, panfletagem, tendência – marxismo e Renascença

“[…] Até mesmo Marx afirmou que, na arte, a tendência deve estar oculta, para que não fique à mostra como as molas que saltam de um sofá. […]”

– Andrei Tarkóvski, Esculpir o Tempo, São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 56.

Obs. por Fernando Graça: …Marx? Ou terá sido Engels, que, em suas correspondências a escritores (veremos trechos mais abaixo), as quais me valho vez ou outra como referência para marxismo e estética, tratou da tendência na arte?

Em cerca de 2016-2017, utilizando o extinto endereço eletrônico www.fernandograca.xyz, escrevi texto que não consigo encontrar em meus arquivos. Porém, o recordo quase inteiro.

Hoje mais amadurecido, volto ao seu pensamento aqui.

Tratava acerca de um valioso ensinamento artístico em Esculpir o Tempo (1985), livro do cineasta russo/soviético Andrei Tarkóvski (1932-1986), uma de minhas obsessões naquela fase adolescente e pós-adolescente. Nesse livro, que depois descobri estar disponível para alugar na Biblioteca Pública Municipal Sérgio Milliet do Centro Cultural São Paulo, Tarkóvski critica fortemente o famoso quadro Madona Sistina (1512), de Rafael Sanzio (1483-1520), embora não deixe de chamá-lo de “o gênio de Urbino”, e, em contraposição, apresentava-me um pintor extraordinário, o veneziano Vittore Carpaccio (1465-1525/1526), contemporâneo de Rafael, e que eu não conhecia (que, de fato, é pouco conhecido). Suponho, inclusive, que o cineasta provavelmente soube dele em seu triste período de exílio (por motivos sórdidos de sicofantas politiqueiros, entre os quais o de ser preterido por cineastas menores) da União Soviética na Itália. O meu texto referido aludia jocosamente ao fato de que de carpaccio eu conhecia apenas o prato culinário italiano…

Silhueta de Fernando Graça durante exposição sobre Rafael no Museu de Arte Brasileira da FAAP. Foto: Henrique Lima, 13 de novembro de 2021.

Este ensaio que ora escrevo se deve ao fato de, recentemente, eu ter espiado exposição multimídia no Museu de Arte Brasileira da FAAP, intitulada Magister Raffaello – “Uma viagem maravilhosa para o Renascimento italiano”. (Fui especialmente para ver outra exposição, brasileira, “Um Celereiro de Artistas“, em especial um quadro de tamanho grande que fotografei, Camisa Verde, do meu conterrâneo, o grandioso artista e comunista Mário Gruber, e não me arrependi de observar minuciosamente o seu talento em fazer lantejoulas tão realistas, mas isto e outras coisas mais são assunto para outro ensaio…)

A Madona Sistina, de Rafael: arte-síntese dos novos tempos da Renascença, mas panfletária, insípido cartaz? Os anjos do canto inferior estão cansados do velho e renitente tema em séculos e séculos de medievo. Clique na imagem para ampliar. Melhor visualização em computador/notebook.

A crítica de Tarkóvski, de adjetivos ásperos, é convincente, mesmo que só até certo ponto:

“[…] Quem ainda não escreveu sobre Rafael e a sua Madona Sistina? A idéia do homem, que finalmente conquistou sua própria personalidade, em carne e osso, que descobriu o mundo e Deus em si mesmo e ao seu redor depois de séculos de adoração do Deus medieval, cuja contemplação o privara da sua força moral — diz-se que tudo isso encontrou concretização perfeita, coerente e definitiva nessa tela do gênio de Urbino. De certo modo, é possível que assim tenha sido. Pois, a Virgem Maria, na configuração do artista é, de fato, uma cidadã comum, cujo estado psicológico, tal como o vemos refletido na tela, tem sua base na vida real: ela está temerosa pelo destino do filho, oferecido em sacrifício aos homens. Embora tudo se dê em nome da salvação destes últimos, ele próprio está capitulando na luta contra a tentação de defender-se deles.

“Tudo isso está, de fato, vivamente “escrito” no quadro — em minha opinião, com uma clareza excessiva, pois as idéias do artista oferecem-se ali à leitura: tudo por demais inequívoco e definido. Irrita-nos a tendenciosidade doentiamente alegórica do pintor, que paira sobre a forma e ofusca todas as qualidades puramente pictóricas do quadro. O artista concentrou sua vontade na clareza das idéias e na conceituação intelectual da obra; para isso, porém, pagou seu preço, pois a pintura é débil e insípida. […]” (ibidem, p. 54)

(Escrevi “até certo ponto”, porque é preciso considerar que todo movimento seminal possui a tendência inicial de estabelecer seus manifestos e intenções pela necessidade de anunciar-se e marcar presença… Neste aspecto, a Madona Sistina de Rafael, cuja protagonista, pobre, despojada e simples, que parece saltar dum filme de Pasolini, tem, sim, importante destaque histórico! Não se pode também esquecer que o próprio Tarkóvski, dentro da sua tentativa de transplantar o espírito observacional, gestáltico dos haicais para o cinema, tampouco escapou de forçar, em certas cenas, intenções explícitas, sobretudo as excessivamente religiosas-ortodoxas ou até misticistas, que representam enorme retrocesso com relação à história de seu país e o fazem hoje ser deturpado por conservalóides do cristianismo, outras intenções até pretenciosas demais e pseudointelectuais, quando bota frases supostamente filosóficas em certas personagens, que não convencem, contudo toda essa problemática seria tema para outro ensaio…)

Detalhe da Madona Sistina de Rafael: a mãe, uma cidadã comum, está temerosa pelo destino do bebê, oferecido aos homens em sacrifício – trata-se de um ponto de virada renascentista, se considerarmos toda a arte produzida no medievo. Segundo Tarkóvski, porém, tais elementos humanistas são apresentados nesse quadro de maneira “débil e insípida”, por estarem explícitos demais, quase escritos de maneira panfletária.

O zeitgeist do Renascimento, conforme Tarkóvski supracitado descreveu em linhas gerais, anunciou a imanência material no lugar da transcendência. Engels, em Dialética da Natureza (1883; cf. São Paulo: Boitempo, 2020, Introdução), um livro deixado por terminar e muito hesitante pelas polêmicas suscitadas entre sociedade e ciências naturais, mostrou que a Renascença — “a época que precisou de gigantes e produziu gigantes“, segundo ele — possibilitou polímatas admiráveis (como Leonardo da Vinci), porque, malgrado o feudalismo caduco de então (isto sou eu quem faço questão de frisar), o artista-cientista-erudito não havia ainda sido escravizado pela divisão capitalista do trabalho, uma vez que o capitalismo engatinhava e começava a ascender (recordo a frase de Marx no capítulo IV do primeiro livro de O Capital, que está aqui próximo de mim entre meus livros: “O comércio e o mercado mundiais inauguram no século XVI a moderna história do capital“); ou seja, com a hegemonia e a implementação em larga escala da divisão do trabalho, que serviram para otimizar a produção industrial e acelerar a moderna acumulação, os sucessores dos polímatas — incluindo nós — foram submetidos a um sistema limitante e unilateral. Essa importante tese estrutural de Engels será retomada por Lukács na década de 1930 para a seção “Tragédia e tragicomédia do artista no capitalismo” do ensaio “Tribuno do povo ou burocrata?” (presente nas edições brasileiras Marx e Engels como historiadores da literatura e também em Marxismo e teoria da literatura). Igualmente merece nota que, já em A Ideologia Alemã (cf. São Paulo: Boitempo, 2007, págs. 378-382, “Organização do trabalho”), série de escritos inovadores de 1845-1846, publicados só em 1932, Marx e Engels, em brainstorming mútuo, desmascaram os resquícios burgueses/individualistas da mentalidade de Stirner sobre a propriedade e o gênio (o “Único”, para se referir justamente a um Rafael), não só fazendo ver que tais indivíduos (da Vinci, Rafael, Mozart, que teve seu Réquiem terminado postumamente por outro músico, etc.) não criavam apenas solitariamente e distanciados da sociedade, dependiam, inclusive para os materiais concretos necessários às suas atividades práticas, da organização socioeconômica de sua época, do intercâmbio disponível e de muitos outros homens interligados à rede social produtiva, como também sugerem que, superada a divisão capitalista do trabalho, “Numa sociedade comunista não há nenhum pintor, mas no máximo, homens que, entre outras atividades, também pintam” (ibidem).

Voltemos ao nosso tema principal… Para reivindicar a “vontade e energia” duma “lei de intensidade que me parece constituir uma condição fundamental da pintura” (Esculpir o Tempo, ibidem, p. 54), Tarkóvski nos apresenta Carpaccio em contraposição a Rafael:

“Em sua pintura, [Carpaccio] resolve os problemas morais que assediavam o homem do Renascimento, fascinado por uma realidade repleta de objetos, pessoas e matéria. Ele os resolve através de meios verdadeiramente pictóricos, muito diversos daquele tratamento quase literário que confere à Madona Sistina seu tom de alegoria, de sermão. A nova relação entre o indivíduo e a realidade exterior é por ele expressa com coragem e nobreza — sem nunca cair no excesso de sentimentalismo, sabendo como ocultar as suas inclinações, a sua vibrante alegria frente à emancipação. […]” (ibidem, págs. 54-55)

Tarkóvski tem razão aqui. Em matéria de conjunto da obra (muito além da Madona Sistina, porém), Carpaccio espelha (para usar termo da estética lukácsiana) os novos tempos da Renascença de maneira mais fidedigna do que Rafael por pulverizar pelas telas os elementos modernos (ou proto-modernos) de seu tempo, quando a cidade ia sendo mais habitada do que o campo. São quadros (conferir as imagens que coloquei ao final deste texto com frases de Tarkóvski que pincei deliberadamente) de acontecimentos histórico-sociais (que dissipam o sagrado da religiosidade dos temas cristãos), viagens materiais (não à toa, época das grandes navegações), retomada integral e adaptação ao seu tempo de mitos pré-cristãos, pagãos, e inúmeras ações e relações humanas cotidianas em dezenas e centenas de tipos e classes sociais estratificadas em ampla composição. A sociedade em movimento e fluxo. Vontade e energia da tal “lei de intensidade” desejada! Ao sopesar as obras de ambos, não seria incorreto afirmar que Carpaccio é muito mais “materialista” e coletivista: está interessado e mergulhado nos assuntos terrenos, enquanto que em Rafael, em que pesem a Madona Sistina ou mesmo A Escola de Atenas, notamos os pés flutuando acima do chão, os resquícios transcendentais da religião, mesmo que sob novas formas e olhares mundanos. Além do mais, arrisco a dizer que Rafael, que tanto influenciou o século 18, é o clássico/classicista por excelência, a buscar o ideal harmônico da serenidade e da beleza, enquanto que em Carpaccio o moderno se antecipa diante de nossos olhos.

Guardadas as devidas diferenças, faz lembrar a crítica do amoroso modernista Mário de Andrade ao grande Machado de Assis, na ocasião do centenário de seu nascimento, comemorado em 1939 (v. Mário de Andrade, “Machado de Assis” In: Aspectos da literatura brasileira, São Paulo: Martins, 1974, p. 103). O autor de Macunaíma e pesquisador popular reconhece a  inquestionável grandeza de Machado em diversos níveis e sentidos (só faltaria aos modernistas de 1922, que nos levaram a uma “segunda independência”, estudo cavado do surpreendente pioneirismo experimental da prosa machadiana, conforme Décio Pignatari, Haroldo de Campos e outros fizeram décadas depois noutro grande momento cultural do Brasil…), e que escrevera “apaixonante obra e do mais alto valor artístico, prazer estético de magnífica intensidade que me apaixona e que cultuo sem cessar”, “deixou, em qualquer dos gêneros em que escreveu, obras-primas perfeitíssimas de forma e fundo”, porém argui que era escritor encastelado, que Lima Barreto, João do Rio, França Júnior conseguiram muito mais reter o burburinho da vida do Rio de Janeiro, tendo também falhado em captar a “alma brasileira” como o fizeram Gonçalves Dias, Castro Alves, Aleijadinho, Almeida Júnior, Farias Brito e outros. Isto tudo é fato,  ainda que Machado de Assis tenha sido cronista profícuo, e foram justamente o universal e a influência eurocentrista agentes de sua consagração estrangeira; por outro lado, ainda bem que nos deixou em literatura, sobretudo nos contos e romances, o retrato das nossas classes médias e dominantes indolentes, servindo para entendermos melhor (reforçados pelos estudos sociais machadianos de Alfredo Bosi, Roberto Schwarz, Antonio Candido, Helen Caldwell, John Gledson et al) as causas dos problemas do Brasil sob este ângulo alto e direto, mas jamais conivente, sempre crítico e mordaz, que nenhum outro autor do século 19 nos deixou.

Carpaccio captou o burburinho e a “alma” de seu tempo renascentista bem mais do que grande parte de seus contemporâneos. Embora Tarkóvski não cite qualquer exemplo de quadro do elogiado que possa nos fazer vislumbrar suas palavras, rápida pesquisa havia me levado, à época, a uma galeria de quadros citadinos com turbas, eventos e movimentações, construções, etc., que de fato fascinam qualquer cineasta autêntico diante de grandes cenários e elencos. De repente, um quadro em específico chamou minha atenção, e, desde então, logo converteu-se numa das minhas pinturas preferidas (impossível não citar, nesta lista em construção, também Ovídio entre os citas, de Delacroix, e vários outros, obviamente muitos brasileiros):

Preparação da Tumba de Cristo (c. 1505), de Vitore Carpaccio, têmpera sobre tela. Clique na imagem para ampliar. Melhor visualização em computador/notebook.

Não seria, também este quadro, um panfleto ou cartaz?!… O cadáver dessacralizado de um eurocêntrico Jesus (e sem auréola!), entre ossos e esqueletos, “espera” que os coveiros preparem sua tumba. Um velho, apoiando uma das mãos no rosto, o olha com indiferença (faz lembrar os anjos-crianças da Madona Sistina, que também direcionam nosso olhar à figura principal), afinal, é mais um que morre dentre tantos outros. A dor e a desolação das duas mulheres no canto, cenicamente unidas, uma de cabeça para cima, a outra com a cabeça para baixo, parecem ser o único eixo a lembrar da gravidade do ocorrido. Isto ocorre nos primeiros planos. No fundo, com exceção do caminho à esquerda que nosso olhar percorre até chegar às tortuosas cruzes de madeira na parte superior, a vida continua com variadas ações de variados tipos sociais em meio à despojada paisagem: alguém toca um instrumento de sopro, há outras tumbas, cenas pastorais, transeuntes, etc. Por fim, cabe dizer que esse quadro guarda cordão umbilical com outro quadro ainda mais impressionante, O Corpo do Cristo Morto na Tumba (1520-22), de Hans Holbein, o jovem, que, séculos depois, no século 19 foi gatilho para Doistoiévski, ex-revolucionário e cristofrênico convertido, ter sério ataque de epilepsia quando diante dele esteve… (Para uma próxima contraposição: Tchernichévski versus Dostoiévski, só que mais aprofundada.)

Entanto, pelas descrições oferecidas por Tarkóvski, é certo que este pensava em gama de outras pinturas, as quais reuni de acordo com meu gosto e agora elenco abaixo, após reproduzir suas argutas palavras finais acerca da obra de Carpaccio. Observem a variedade de acontecimentos e ações e figuras no primeiro e segundo e demais planos das pinturas do mestre veneziano. Será injusto não fazer o mesmo com Rafael, porém de outro modo penso que expor mais obras suas não advogaria em seu favor nesta contraposição, e comparações tendem à superficialidade e ao desrespeito à singularidade de um artista.

“[…] As composições cheias de figuras de Carpaccio têm uma beleza surpreendente e misteriosa. Talvez seja até mesmo possível chamá-la ‘a Beleza da Idéia’. Diante delas, tem-se a perturbadora sensação de que o inexplicável está prestes a ser explicado. Momentaneamente, é impossível compreender o que cria campo psicológico em que nos encontramos, ou fugir ao fascínio que se apodera de nós diante da pintura e nos põe num estado muito próximo do medo.

“[…] Podem se passar horas antes que comecemos a perceber o princípio da harmonia que rege a pintura de Carpaccio. No entanto, assim que o apreendemos, permanecemos para sempre sob o encanto da sua beleza e do nosso arrebatamento inicial.

“Quando o analisamos, descobrimos que o princípio é extraordinariamente simples e expressa, no mais alto sentido, a base essencialmente humana da arte renascentista, em minha opinião, com muito mais intensidade do que Rafael. A questão é que cada personagem é um centro na composição cheia de Carpaccio. Em qualquer figura que nos concentremos, começamos a perceber, com clareza inequívoca, que tudo o mais é mero contexto, segundo plano, construído como uma espécie de pedestal para esse personagem “incidental”. O círculo se fecha, e ao olharmos para a tela de Carpaccio, nossa vontade acompanha, dócil e involuntariamente, o fluxo lógico de sentimentos pretendido pelo artista, voltando-se primeiro para uma figura aparentemente perdida na multidão, e depois para outra. […]” (Esculpir o Tempo, ibidem, págs. 55-56)

Tarkóvski, recordando Marx (fica a dúvida se a afirmação não seria de Engels), fecha a contraposição ressaltando a cautela de suas posições:

“[…] Não tenho a menor intenção de convencer os leitores da superioridade dos meus pontos de vista sobre dois grandes artistas, nem de estimular a admiração por Carpaccio em detrimento de Rafael. Tudo o que pretendo dizer é que, embora em última instância toda arte seja tendenciosa, que até mesmo o estilo seja comprometido, uma mesma tendência tanto pode ser absorvida pelas camadas insondáveis das imagens artísticas que lhe dão forma, quanto pode ser exageradamente afirmada, corno num cartaz, como é o caso da Madona Sulina de Rafael. Até mesmo Marx afirmou que, na arte, a tendência deve estar oculta, para que não fique à mostra como as molas que saltam de um sofá. […]” (ibidem, p. 56)

Só mais um parágrafo final, que completa a questão da tendência na arte. Não se sabe até que ponto Tarkóvski era familiarizado com a obra marxiana, entretanto é possível que tenha havido um equívoco ao citar (sem rigor ou fonte) Marx, ao invés de Engels. Sabemos que a dupla não deixou um tratado estético, e sim escritos esparsos e laterais, formativos, mas, por exemplo, este último, em seus anos finais, já sem o companheiro de luta, ao estreitar correspondências com artistas, escritores socialistas e revolucionários, inclusive escritoras, cravou explicitamente: “Quanto mais permanecerem ocultas as opiniões do autor, melhor para a obra de arte. O realismo a que me refiro pode manifestar-se até mesmo a despeito das opiniões do autor” (trecho de carta a Margaret Harkness em abril de 1888, tradução minha). No seguinte trecho de outra carta, para Minna Kautsky, em 26 de novembro de 1885, colhida do Marx & Engels Collected Works Vol 47, Engels, comentando o romance Die Alten und die Neuen escrito pela destinatária, e que, a despeito de Balzac ser simpático à burguesia, confessando que o admirava como escritor pela criação realista de tipos sociais, explica melhor tal posicionamento: “[…] The source of this failing, however, may be discovered in the novel itself. In this book you obviously felt impelled to take sides openly, to testify to your convictions before the whole world. Now that you have done so, it is something you can put behind you and have no need to repeat again in the same form. I am not at all opposed to tendentious poetry as such. The father of tragedy, Aeschylus, and the father of comedy, Aristophanes, were both strongly tendentious poets, as were Dante and Cervantes, and the best thing about Schiller’s Kabale und Liebe is that it was the first politically tendentious drama in Germany. The Russians and Norwegians of today, who are producing first-rate novels, are all tendentious writers. But I believe that the tendency should spring from the situation and action as such, without its being expressly alluded to, nor is there any need for the writer to present the reader with the future historical solution to the social conflicts he describes. Furthermore, in present circumstances, the novel is mainly directed at readers in bourgeois — i.e. not our own immediate — circles and, such being the case, it is my belief that the novel of socialist tendency wholly fulfils its mission if, by providing a faithful account of actual conditions, it destroys the prevailing conventional illusions on the subject, shakes the optimism of the bourgeois world and inexorably calls in question the permanent validity of things as they are, even though it may not proffer a solution or, indeed, in certain circumstances, appear to take sides. Your detailed knowledge and your wonderfully true-to-life descriptions, both of the Austrian peasantry and of Viennese ‘society’, provide ample material for this, and you have already shown in Stefan that you are also capable of handling your protagonists with a nice irony which testifies to the command an author has over his creatures. But now I must desist, otherwise you’ll think me altogether too prolix. […]” Mas tal escolha artística delineada por Engels contra a tendência (que suscitará, no século posterior, outra contraposição, desta vez no interior do próprio marxismo: Brecht x Lukács), depende muito do público-alvo (da classe) a que o artista se dirige, conforme disse-me Mauricio Puls, certa vez, em longa troca de mensagens que tivemos: assim, neste complexo século 21, embora devamos abalar as certezas da axiomática capitalista sem necessariamente apresentarmos a solução inequívoca (ou até panfletária, portanto ingênua ou oportunista) dos conflitos histórico-sociais espelhados na arte, tomando lados tendenciosos que suplantam a força própria das situações, figuras e personagens, ainda que importantes aos escritos políticos de não-ficção, ainda que devamos frustrar o falso otimismo da ordem da manipulação e da alienação diárias, dos desvios de foco, e mostrar a decadência tardia da sociedade burguesa às classes dominantes e seus representantes, penso que um público consciente, despossuído da propriedade privada dos meios de produção, trabalhador e nada burguês demanda um Brecht, um Plínio Marcos (outro conterrâneo meu) e correlatos, sob pena da revolta transformadora vinda debaixo, do nosso caldo cultural à lá Gramsci, da agitação cultural, da ameaça ao status quo, da denúncia, da conscientização revolucionária e de outras categorias que nos são imprescindíveis à arte não serem potencializadas.

Degustemos Carpaccio!

Vittore Carpaccio – Recepção de um Legado, c. 1490, Museu Nacional de Belas Artes, Cuba. “Cada personagem é um centro na composição cheia de Carpaccio” – Tarkóvski.
Vittore Carpaccio, Milagre da Santa Cruz na Ponte Rialto, têmpera sobre tela, c. 1496, Gallerie dell’Accademia, Veneza. “Em sua pintura, [Carpaccio] resolve os problemas morais que assediavam o homem do Renascimento, fascinado por uma realidade repleta de objetos, pessoas e matéria.” – Tarkóvski.
Vittore Carpaccio, A Partida de Ceix, c. 1502-1507, Galeria Nacional de Londres. Carpaccio, assim como Shakespeare, cada um a seu modo, retomaram mitos da antiguidade pagã e pré-cristã para o seu tempo, baseando-se, por exemplo, nas Metamorfoses de Ovídio, como é o caso deste quadro.
Vittore Carpaccio – Visitação, entre 1504 e 1506, Galleria G. Franchetti alla Ca’ d’Oro. “O círculo se fecha, e ao olharmos para a tela de Carpaccio, nossa vontade acompanha, dócil e involuntariamente, o fluxo lógico de sentimentos pretendido pelo artista, voltando-se primeiro para uma figura aparentemente perdida na multidão, e depois para outra.” – Tarkóvski.
Vittore Carpaccio – Embaixadores retornam à corte inglesa, c. 1495-1500, Gallerie dell’Accademia. Época proto-moderna de viagens e navegações, que Carpaccio captou exemplarmente. “Quando o analisamos, descobrimos que o princípio é extraordinariamente simples e expressa, no mais alto sentido, a base essencialmente humana da arte renascentista, em minha opinião, com muito mais intensidade do que Rafael.” – Tarkóvski
Linhas de perspectiva do quadro Retorno dos embaixadores à corte inglesa, de Vittore Carpaccio.
Vittore Carpaccio – Crucificação e apoteose dos dez mil mártires do Monte Ararat, Accademia, Veneza. “Podem se passar horas antes que comecemos a perceber o princípio da harmonia que rege a pintura de Carpaccio. No entanto, assim que o apreendemos, permanecemos para sempre sob o encanto da sua beleza e do nosso arrebatamento inicial.” – Tarkóvski
Vittore Carpaccio – Ciclo de pinturas para a lenda de São Estêvão, cena: Consagração de São Estêvão, detalhe, óleo sobre tela, c. 1540. Gemäldegalerie, Berlim. “Diante [das composições cheias de figuras de Carpaccio], tem-se a perturbadora sensação de que o inexplicável está prestes a ser explicado” – Tarkóvski
Vittore Carpaccio – Encontro e Partida dos Noivos, têmpera sobre tela, entre 1495 e 1500, Gallerie dell’Accademia em Veneza. “As composições cheias de figuras de Carpaccio têm uma beleza surpreendente e misteriosa.” – Tarkóvski.
Vittore Carpaccio – O apedrejamento de Santo Estêvão, c. 1520. Staatsgalerie Stuttgart, Alemanha. “Momentaneamente, é impossível compreender o que cria campo psicológico em que nos encontramos, ou fugir ao fascínio que se apodera de nós diante da pintura e nos põe num estado muito próximo do medo.” – Tarkóvski
Vittore Carpaccio – São Jerônimo e o leão no convento, têmpera, 1502, exposto na Scuola di San Giorgio degli Schiavoni em Veneza. “A questão é que cada personagem é um centro na composição cheia de Carpaccio. Em qualquer figura que nos concentremos, começamos a perceber, com clareza inequívoca, que tudo o mais é mero contexto, segundo plano, construído como uma espécie de pedestal para esse personagem ‘incidental’.” – Tarkóvski
Vittore Carpaccio – O Triunfo de São Jorge, 1502. Da coleção da Scuola di San Giorgio degli Schiavoni. “A nova relação entre o indivíduo e a realidade exterior é por ele expressa com coragem e nobreza — sem nunca cair no excesso de sentimentalismo, sabendo como ocultar as suas inclinações, a sua vibrante alegria frente à emancipação.” – Tarkóvski
Vittore Carpaccio – Chegada dos Embaixadores Ingleses, c. 1495-1500, Gallerie dell’Accademia. “A questão é que cada personagem é um centro na composição cheia de Carpaccio. Em qualquer figura que nos concentremos, começamos a perceber, com clareza inequívoca, que tudo o mais é mero contexto, segundo plano, construído como uma espécie de pedestal para esse personagem ‘incidental’.” – Tarkóvski
Vittore Carpaccio – Martírio dos Peregrinos e o Funeral de Santa Úrsula, 1493. Accademia em Veneza. “A questão é que cada personagem é um centro na composição cheia de Carpaccio. Em qualquer figura que nos concentremos, começamos a perceber, com clareza inequívoca, que tudo o mais é mero contexto, segundo plano, construído como uma espécie de pedestal para esse personagem ‘incidental’.” – Tarkóvski
Detalhe ampliado de Martírio dos Peregrinos e o Funeral de Santa Úrsula.
Vittore Carpaccio – São Estêvão é Consagrado Diácono, 1511, Gemäldegalerie, Berlim. “Tudo o que pretendo dizer é que, embora em última instância toda arte seja tendenciosa, que até mesmo o estilo seja comprometido, uma mesma tendência tanto pode ser absorvida pelas camadas insondáveis das imagens artísticas que lhe dão forma, quanto pode ser exageradamente afirmada, corno num cartaz, como é o caso da Madona Sulina de Rafael.” – Tarkóvski
Vittore Carpaccio – Teseu recebe a embaixada de Hipólita, rainha das Amazonas, c. 1495, tendo como provável fonte a Teseida de Boccaccio, livro I, Musée Jacquemart André, Parigi, França.

5 de dezembro de 2021

A necessária Maria da Conceição Tavares incorre num erro sobre marxismo e comunismo… (ANOTAÇÃO)

(ANOTAÇÃO -) A necessária Maria da Conceição Tavares, cujo legado combatente ora se reacende entre jovens brasileiros contra os direitismos liberais, liberalóides e correlatos até piores ou travestidos disso, incorria em um equívoco constante em suas aulas no que se refere ao marxismo. Aliás, eu, que sou jovem, afirmo que seria mais efetivo a esses jovens (e ao próprio PT – Partido dos Trabalhadores) terem antes se aprofundado em Caio Prado Jr. e em Florestan Fernandes (que chegou a ser deputado pelo PT, enquanto o primeiro foi quadro heterodoxo do PCB), dois enormes e considerados marxistas de obra incontornável, do que somente em Tavares, cuja carga reformista leva a conhecidos impasses históricos no plano institucional insatisfatório e não permite espaço para a construção revolucionária estrutural e de massas entre o povo trabalhador. O marxismo sem dúvidas fez parte de sua formação econômica desde cedo — os principais matemáticos portugueses eram marxistas, sobretudo os exilados — junto a dois outros posteriores, os chamados “nacional-desenvolvimentismo” e “keynesianismo”. Tal equívoco — que parece ser a sua única ressalva ao marxismo junto a qualquer paixão revolucionária exacerbada e pouco realista dentro da luta política imediata — refere-se à afirmação de que o fim da sociedade baseada na exploração entre classes ou a abolição da divisão de classes seria idealismo ou utopia. (Quando, na realidade, aquele que só é reformista é ingênuo ou conivente, sobretudo no Brasil e neste continente, em que a revolução pode ser contingente, mas a contrarrevolução é sempre certa de vir, conforme a história ensina, mesmo contra meros reformistas!…) Bem, a própria Tavares, findo o dito “socialismo real”, autodenominou-se como socialista utópica em entrevistas, a “utopia” aqui em sentido positivo enquanto estímulo e horizonte. O equívoco apressado — e não basta exatamente a filosofia para tal estudo — está em caracterizar essa defesa ou vislumbre como idealismo, sendo que, antes de mais nada, seria preciso um aprofundamento antropológico específico (e materialista). Falo do comunismo primitivo, primeiramente, considerando o quanto as diferentes sociedades primitivas eram ou não estratificadas. Esta é uma questão científica ainda não totalmente detalhada. Em O Capital, Marx cita lateralmente comunidades peruanas antigas baseadas na propriedade comum, um exemplo de cordão umbilical com o comunismo a ser construído na sociedade pós-industrial e a partir dela, com características próprias e modernas, não significando um retorno histórico meio rousseauniano, mas avanço ao reino da liberdade. É certo que Engels, em seu A Origem da família, da propriedade privada e do Estado, parte dos estudos pioneiros de Morgan, que, no entanto, com o avanço mais moderno da antropologia, foram desmistificados em pontos que, justamente, não consideravam o quanto certas sociedades primitivas eram estratificadas de fato. De qualquer maneira, para variados estudos antropológicos marxistas sérios dos últimos dois séculos — de Gordon Childe a Sergio Lessa e outros –, vários povos e sociedades, por não apresentarem escravismo nem excedente (uma vez que consumiam o que eles próprios produziam) e tampouco ainda negociarem com outros povos, eram sociedades comunistas. Sem qualquer “romantismo” ou idealismo a respeito. Há quem não tenha cautela em citar também os exemplos quilombolas, comunitários, mesmo indígenas, etc., guardadas as enormes proporções, desigualdades e diferenças (inclusive tecnológicas) entre cidade e campo, que devem ser mitigadas (sobretudo as desigualdades socioeconômicas) na proposta comunista. Basta pensar, ainda, na harmonia democrática e coletivista das cooperativas trabalhistas de teor revolucionário sem a figura do patrão/capitalista, logo sem mais-valia, em que pese o fato de certas experiências validarem a contingência. A própria contingência não justifica pensamento contrário duma construção com base no real, e tampouco experiências do passado anulam a construção do presente e o futuro. Isto é, o fim da sociedade de classes não é mera utopia ou idealismo, necessita de estudos pretéritos, presentes e futuros que certamente não são fáceis. Marx (cf. a Crítica do Programa de Gotha, em que evoca o lema comunista A cada um conforme sua necessidade, de cada um conforme sua capacidade) e sobretudo Engels (em Anti-Dühring) engendram tais exemplos históricos para a sua teoria revolucionária seminal baseada no fato de que, conquistado pelos detentores das forças produtivas (classe trabalhadora) o poder e expropriados os expropriadores burgueses a fim de que a sociedade se apodere dos meios de produção antes concentrados e particularizados e monopolizados, o Estado-coerção (termo posterior de Gramsci), a mercadoria capitalista, a acumulação e a divisão de classes e seus resultantes perdem gradual sentido, caducam, tanto quanto outras formas políticas e socioeconômicas anteriores, bem estabelecidas por milênios, caducaram e mudaram (conclusão indiscutível), portanto isto é plenamente possível em termos históricos e materialistas, embora não de maneira simplista. Para citar um dos muitos obstáculos (neste caso, do maravilhoso apagamento comunista entre fronteiras sob o elo proletário e da humanidade, e decisivo para qualquer êxito socialista grandioso), está o fator global e axiomático de que revoluções nem sempre são mundiais, mas localizadas, além das diferenças entre os capitalismos “dependente” e “hegemônico” na correlação de forças entre os países, e as lutas de classes internacionais, além das nacionais. Daí a vigência atual para nós do único mandamento de Marx (presente no Manifesto Comunista): Trabalhadores do mundo, unam-se!

Sou privilegiado, entre Sampa e Santos…

Sou privilegiado: morar em Sampa megalópole, desfrutar de sua vida cultural invejável, trabalhos e possibilidades cosmopolitas, e em pouco tempo descer a serra e poder ser arrebatado pelo mar/pôr do sol da minha ilha de Santos natal…Sou privilegiado: morar em Sampa, megalópole industrializada de concreto, desfrutar de sua vida cultural invejável, trabalhos e possibilidades cosmopolitas, e em pouco tempo descer a serra da estrada em curvas e ser arrebatado pelo mar/pôr do sol litorâneo da minha ilha de Santos natal… Rara ambivalência geográfica em qualquer canto do mundo. Amores, memórias, experiências, problemas socioeconômicos a resolver, vislumbres. Poético, mas também cinematográfico, como tem sido o filme político que comecei a gravar em ambas as cidades que somente juntas completam-me.

Apontamentos estéticos para uma poesia/proesia do século 21 (esboço)

Texto em progresso…

 

  • Lukács (Conversando com Lukács, Instituto Lukács, São Paulo, 2014, p. 51), em seus anos finais, disse ser “apaixonante problema técnico de atelier investigar que coisa pode produzir um poeta de hoje com a linguagem de Gôngora”. Trocar por Sá de Miranda ou Camões.
  • Na propositiva acima, obviamente influem ressignificação e inovação, que se inserem numa tradição sem a ela obedecer integralmente ou fazer catequese: revolucionar.
  • …Descoberta que nas mãos de outro vira outra coisa, ambas originais em sua época, e de preferência “perenes”…
  • O “perene” na arte – lembrar dos apontamentos inconclusos de Marx (nos Grundrisse, escritos de gênio) sobre o fascínio “perene” da arte grega em nós e Shakespeare (até onde se sabe, infelizmente, ele não chegou a escrever essa parte ou se perdeu ou ainda não foi descoberta, apenas a anuncia, embora todo marxista saiba da sua paixão pela impactante peça Titus Andronicus e a cena sobre o poder do ouro/dinheiro, citada nos Manuscritos Econômico-Filosóficos e, décadas depois, no próprio livro primeiro de O Capital).
  • …Influi também o tema já superado entre forma e conteúdo (ou forma-conteúdo, ou ainda conteúdo-forma), que o próprio Lukács, admitindo que via o conteúdo como principal, em detrimento da técnica (quando seria mais correto encarar a dialética de ambos os termos), trata de tratar. Falsa dicotomia; relação dialética. Resgatar o que a semiótica (um dos capítulos de Semiótica e Literatura, de Décio Pignatari, exatamente acerca) pode contribuir para isso. E o pensamento certeiro de Maiakóvski a respeito.
  • O conflito entre Brecht e Lukács hoje, século 21, já que o segundo dos dois pensava numa continuação do realismo do século 19 para o 20, enquanto o primeiro enxergava defasagem no 19 e novas inserções no 20. A solução: diferentes públicos para diferentes apetites.
  • A contribuição dialética de Gramsci, a partir de Hegel (não sem Marx): dupla operação/estratégia: é preciso criar uma nova culturarte, seja como agitação ou antecipando a nova sociabilidade, e que só é plenamente possível a um status revolucionário se criticar a cultura vigente e extrair/conservar pontos positivos dela, por consequência, superando-a (= “síntese”).
  • Estética enquanto múltiplas determinações dos homens encarnados na arte…
  • Estética: menos legislação, mais observação/apresentação da estrutura interna duma obra artística…
  • Trata-se, antes, de decidir se é possível uma “estética” (ou Estética) hoje. E se o sinônimo de tal decisão/empreitada é legislar sobre arte. Não que não seja impossível, mas instigantes autores por vezes preferem outro termo — certamente mais aristotélico –, imediatamente ligado a uma ação ou relação bem mais concreta de fazer e práxis: ao invés de estética(s) — palavra de filósofos e não necessariamente de artistas –, poética(s)
  • Certa passagem de A Ideologia Alemã (Marx e Engels), refutando Max Stirner e seus equívocos acerca da propriedade privada, alerta sobre a mentalidade burguesa no tocante ao individualismo corriqueiro a respeito do artista criador (o exemplo dado é Rafael), costumeiramente tido como gênio solitário que leva todos os créditos, e lembra da enorme cadeia ou rede socioeconômica de pessoas — que antecede ou está presente no processo ou depois — de uma obra artística, sem a qual ela não existiria. Tal como a comida em nossa mesa, que não brotou do nada tampouco nela, muito menos no supermercado ou na feira. Outra passagem desse livro seminal, marxiano-engelsiano, trata, ainda que de maneira lateral, o fazer artístico por todos numa sociedade comunista em que a divisão/o antagonismo de classes foi devidamente abolida.
  • O ato de escrever e sua angústia, que não é de hoje, mas acrescenta-se à tal angústia-base a angústia da derrocada das ideologias (inclusive estéticas!) e a sensação (ao menos para aqueles que, como eu, seguem um percurso histórico) de que tudo já foi escrito (em forma-conteúdo): a insistência da inovação em face de um beco sem saída, e que tal inovação não vire solipsismo, mas, ao invés, arranque do branco do papel (ou de qualquer outra superfície) a exata palavra que possa nos “salvar” (?)…
  • A problemática do “romance” hoje, com ou sem proesia. Trata-se de decidir em minha obra se, neste caso, vale também a propositiva inicial do sangue novo introjetado num corpo (ou cadáver) antigo. (Sangue, ao invés de “roupagem nova”.)
  • Identificar, evitar, denunciar, extirpar, saber usar, pôr no lugar etc. os elementos fascistóides da linguagem. Ao contrário do que muito se pensa, o elemento fascistóide não é apenas militarismo, não são só palavras de ordem e comando, é, muitas vezes, bem mais sinuoso/ardiloso/corruptor do que isso. (E em que medida, na verdade, eram as simples palavras de ordem ou comando, bem antes disso, ancestrais?…) Diferenciação entre autoritarismo (que sabe onde pisa com o coturno) e fascismo (que, tal como disse Deleuze, é uma linha de morte de si e do outro).
  • Eu sou capaz de escrever linhas lindíssimas, de seivas que são entendidas antes de qualquer explicação junto ao pleno domínio da língua (eis o caráter significativo e enriquecedor duma proesia), porém os fantasmas vanguardistas me atordoam; súbito, no entanto, o treino em face de uma estética marxista exorciza de mim o abstracionismo (não é meio conservador?) ou a pura técnica (que não alcança o realismo), já datados também.
  • O realismo de cada tempo, inclusive deste, a partir do espelhamento do real através das obras de arte. Um pé atrás diante de tudo o que se afasta do real (irracionalismo).
  • Por que todo direitismo se afasta do real?!
  • Proesia não só em termos subjetivos, mas concretos – Galáxias, de Haroldo de Campos, teve “sacada” ainda hoje rara, já que escritores e poetas (não assim com os concretistas) geralmente nem preocupam com a materialidade da obra-livro: versos longos e edição com página obrigatoriamente pensada a partir do espaço de tais versos longos, de modo que quase pareçam, mesmo, linhas duma prosa (sem o ser).
  • A Poesia é resolvida com a inspiração, sobretudo quando se é poeta cultivado, e não qualquer escrivinhador; não assim com a prosa, que é como costurar (por isso devo muito à minha mãe costureira caseira meu ofício literário): na prosa, cose-se hoje e amanhã é preciso continuar de onde se parou, mesmo que não seja de onde se parou ontem.
  • Poetas são pest-sellers, enquanto há prosadores best-sellers, aliás, tais mais-vendidos são sempre em prosa. Entre outros motivos, porque a poesia corta o logos e não tem fim (quando se chega ao final, recomeça outra vez), enquanto a prosa, por sua própria estrutura interna, nos leva sempre a conclusões – assinale-se que a moldura ocidental não admite facilmente o que não tem explicação ou conclusão.
  • Proesia: poderosa indeterminação entre prosa e poesia, implosão de gêneros num jorro estilístico de signos carregados de significados ao máximo.
  • Proesia – que não seja mera masturbação, e sim sexo bom para as partes bissexuais homoeróticas.

Telenovela ‘Nos Tempos do Imperador’ mente sobre Pedro II, Princesa Isabel, escravidão e abolição no Brasil

Texto em construção?

“[…] Convencidos, finalmente, de que a libertação de nossa raça, foi unicamente devida ao esforço popular, sem influencia do governo nem do throno, que mandou espingardear os nossos irmãos que sahiam das fazendas […]” – Trecho (até então inédito, não fosse por mim?) de protesto de libertos e republicanos contra recrutamento para a Guarda Negra da suposta “Redentora”, Provincia de São Paulo, hoje O Estado de São Paulo, 30 de janeiro de 1889. Fonte: https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18890130-4149-nac-0002-999-2-not

Não tenho televisão e não assisto telenovelas, mas, na quarentena da sindemia ou em temporada em Santos, passando para lá e para cá no apartamento de minha mãe [P.s. de 2023: saudosa mãe, que já se foi], involuntariamente dou umas olhadelas na TV, e ela mesma me faz perguntas históricas de acordo com o que é apresentado, ainda que em ficção, mas tratando-se duma ficção histórica ou “de época”.

Há muito tempo, antes mesmo da telenovela, eu queria escrever sobre tais temas e figuras da história do Brasil, sobretudo neste momento de tanto revisionismo à solta, em que é preciso resgatar a veracidade dos fatos, desmistificar, refutar, clarificar. Aproveito o ensejo.

Sempre tive muita dificuldade em comprar a imagem de abolicionistas do d. Pedro II e da Princesa Isabel, em detrimento de eminentes vultos, heróis e personagens (sobretudo de cor de pele negra) do próprio movimento abolicionista e republicano, como Luís Gama, André Rebouças, Silva Jardim, José do Patrocínio (que traiu a própria etnia por causa da Guarda Negra e da defesa da monarquia, conforme veremos mais adiante) e outros fervorosos e verdadeiros combatentes da causa nas ruas, tribunas, conferências e imprensa… O senso comum ainda pensa que a Abolição se deu do dia para a noite pela “caridade” dos monarcas, do alto, quando, na realidade, o movimento abolicionista foi um processo de lutas de décadas e séculos, diário, sobretudo dos cativos e rebeldes. Muitas vezes, há quem tenha a audácia cínica de retratar a família real embolorada, dum sistema socioeconômico carcomido, odioso e podre, como desgostosa da permanência tardia da escravidão no Brasil, que envergonhava o mundo “civilizado” (não menos pérfido, e sim industrializado, portanto necessitado de nova massa internacional de trabalhadores assalariados e consumidores de bens, sobretudo a Inglaterra), retratando tal família como praticamente resignada e impotente diante dos latifundiários exploradores, que necessitavam do braço escravizado; ora, a esse reducionismo histórico, a essa inverdade de imprecisão históricas veremos, com provas e registros, que o movimento abolicionista e o republicano cresciam cada vez mais e ganhavam mais e mais adesões importantes nas décadas finais do Segundo Império, não só dos próprios negros e mestiços ativistas, dos filhos e netos do escravagismo obsceno, mas igualmente de setores da elite pelo país, de liberais no geral e fora da corte do Rio de Janeiro. A tais movimentos, a princesa regente, ou antes seu esposo estrangeiro conde d’Eu, tendo o então velho Pedro II impossibilitado de continuar no trono por debilidades (inclusive mentais), no afã de engatarem um terceiro reinado tirano (esta é a expressão dos jornais da época diante de milícias e repressão), a princesa e o esposo trataram de reprimir com violência, chegando ao limite de arregimentar ex-escravizados iludidos para isto (com a tal “Guarda Negra”, conforme veremos, embasados em documentos).

Lembremos, a priori, da Lei Aberdeen, aprovada na Inglaterra no ano de 1845 e declarando piratas os navios negreiros brasileiros. Há suficiente historiografia a respeito. Essa lei “para inglês ver” autorizava que britânicos — cuja classe dominante tanto faturou com mercado de escravizados e com as colônias — prendessem qualquer navio suspeito de transportes escravizados no oceano Atlântico. Tratou-se, portanto, de duro recado ao Brasil. Não fosse tal lei, os navios negreiros, cujos horrores aprendemos na escola por meio da poesia engajada de Castro Alves, persistiriam por mais e mais tempo! Em 1850, é assinada na legislação brasileira a Lei Eusébio de Queirós, proibindo o tráfico de escravizados para o Brasil, e todo historiador sabe que isso se deu não pela caridade de conservadores e monarquistas brasileiros, mas também sob pressão utilitarista da Inglaterra industrializando-se (inclusive com o ouro roubado do Brasil por meio da colonização portuguesa), isto é, duma burguesia ascendente, necessitada de nova massa assalariada e consumidora de bens de países de “capitalismo periférico” e que haviam sido colonizados. Não é fácil sopesar qual lado dominante foi pior, mas, ainda assim, o vil açoite resistindo a qualquer ideia de libertação dos negros carimba qual lado representava maior atraso, naquele momento específico, a ponto dos resquícios de tal atraso estarem visíveis ainda hoje em nossa sociedade. Ora, de 1845 ou 1850 a 1888 correram décadas, o que comprova o quanto as desprezíveis classes dominantes nacionais postergaram a abolição por anos, mesmo com a pressão capitalista externa e mesmo com a pressão do movimento abolicionista interno! Volto a repetir que isso se deu, entre outros motivos estruturais e conjunturais, porque a monarquia brasileira era sustentada pelo latifúndio espoliativo, que, por sua vez, dependia do trabalho escravizado, sendo conveniente para a monarquia brasileira, inclusive, minar projetos de industrialização (tais como o do Barão de Mauá, falido propositalmente), que criaram nos outros países o trabalho assalariado, ou seja, uma mudança econômica libertadora da escravatura levaria à derrocada de todo um sistema político que sequer enfrentara, aqui, revolução (como houvera na França em nome da República ou mesmo em países vizinhos, quando tornaram-se independentes) ou opulenta guerra civil (como nos EUA) para tal.

É verdade que no princípio de 1867 o imperador pede a seu gabinete proposta de discussão a ser enviada ao Legislativo para um prazo com relação ao fim da escravidão, porém isso ocorre num momento de crise internacional: com o fim da Guerra Civil Americana (1861-1865) e da servidão nos EUA, diversos registros e fatos comprovam que aumentaram as pressões internacionais para que o Brasil, como último país independente da América a mantê-la, pusesse fim à instituição. O próprio Pedro II abriu as portas do país para escravagistas dos EUA derrotados… Não nego que o movimento de D. Pedro II tenha recebido protestos lamentáveis ou chocantes, inclusive do escritor e político José de Alencar, então do Partido Conservador, que via utilidade na escravidão e que ela deveria ser superada “naturalmente” ao cabo de anos ou até séculos, conforme pesquisas e cartas só colhidas nas últimas décadas revelam.

Pesquisa rápida como esta que fiz, porém arrasadora e eficiente de notícias e registros da época (alguns inéditos, que historiador ou pesquisador nenhum colheu antes e trouxe à tona), portanto que destoa de qualquer revisionismo barato, atesta e fornece estofo para aquela relatada dificuldade, tal como mostrarei neste texto que merecerá maior aprofundamento em outra ocasião. Espero que ele forneça uma série de esclarecimentos fundamentais e destrua mitos.

Não posso deixar de notar, antes, que é de espantar que a emissora da Família Marinho, em pleno momento em que “neomonarquistas” anacrônicos pintam vez ou outra por aí, inclusive um dos descendentes parasitas na República ressuscitando enquanto deputado federal, queira retratar a família real como núcleo principal de uma telenovela. A troco de qual mensagem ou lição histórica ao público?! Assinala-se que a própria Rede Globo é “imperialista”, enquanto detentora de monopólio de TV, rádio e jornal impresso, ainda mais se pensarmos que o Rio de Janeiro, onde um dia fora a corte, é dominado pela Rede Globo dos quiosques da praia até à vida cultural e jornalismo. Aliás, o próprio patriarca da empresa, já falecido, foi ele mesmo, por décadas, sobretudo durante a ditadura empresarial-militar, uma espécie de “imperador” capitalista deste país…

Ainda hoje, em descompasso com a cultura deste século, perderam o bonde da história, mesmo da (tele)dramaturgia, que deveria seguir a corrente do retrato da luta raiz, para, ao invés, continuarem com um público fútil, obcecado por fofocas “reais” (tais como a dos tablóides britânicos), núcleos familistas à lá século 19, e tramas-clichês, bem compatíveis analogicamente com o modelo televisivo de “Hollywood” brasileira do brejo, que também já ficou para trás.

Justamente num momento em que é lançado no cinema, infelizmente sem a mesma projeção, filme sobre o grande Luís Gama, este, sim, um personagem inspirador!…

A verdadeira personalidade política de D. Pedro II e de Isabel I

Este tópico merece um tratado mais aprofundado com pesquisa histórica ampla, inclusive porque os livros históricos e as biografias mais conhecidas são omissos ou pouco cavados. Eu mesmo já pensei em escrever um livro a respeito, o que demanda cavucar demais. Dito isto, aqui teremos apenas resumo e esqueleto introdutório:

Dom Pedro II

“Pobre país! A corrupção alimenta a vaidade, para dar vida ao patriotismo!” – é a legenda desta charge de 1867 por Ângelo Agostini, publicada no periódico paulistano O Cabrião, em que retrata o corrupto comércio de comendas no Segundo Império sob a anuência do imperador. Um indígena, agachado, põe a mão no rosto. E Pedro II está de braços cruzados, cuidando das gavetas de títulos de nobreza. Fonte: https://ensinarhistoria.com.br/caricaturas-do-segundo-reinado-critica-com-humor-e-ironia/ – Ensinar História – Joelza Ester Domingues.

À esquerda e à direita, rememoram que a nossa República nasceu de um golpe, no sentido negativo do termo. Trata-se de uma noção simplista. Antes de mais nada, a título de teoria política, existem enormes diferenças entre a República militar e a República civil. De fato, houve um golpe do alto escalão militar, mas a queda do regime monárquico ocorreu por diversos fatores, que incluem interesses liberais, perda de legitimidade e a queda do regime escravocrata que o sustentava pelo latifúndio. A acuidade histórica, por sua vez, faz a devida divisão entre a República Velha (1889-1930) das oligarquias e a construção do que se pode chamar de Estado brasileiro tal como o é hoje, conjuminada a um processo gradual de lutas e conquistas por parte das parcelas organizadas do povo trabalhador inseridas em lutas de classes com a classe dominante.

No entanto, costumam esquecer ou omitem que o Império do Brasil surge também de um golpe, que eu recordo ter inscrito nos livros didáticos quando estudei história do ensino fundamental ou médio: o “golpe da maioridade” de Dom Pedro II. Há grande historiografia a respeito. Se, por um lado, tal golpe ajudou a unificar o Brasil, por outro isso se deu, por parte dos dirigentes e tutores do adolescente real, através de repressões e contenções de rebeliões e protestos vários, alguns dos quais em busca já do estabelecimento de uma república, o que só ocorreu tardiamente.

O sr. D. Pedro II parece evocar temperança, que logo cai em sonolência e monotonia, típicos da indolência elitista. Seria preciso, entanto, investigar com espírito desarmado o quanto essa personalidade fazia parte menos de sentimentos e intenções altas e mais da síntese da indolência da elite brasileira. Não há dúvidas de que tinha cultura, tanto quanto privilégios. Porém, mesmo quando tento considerar a hombridade pessoal de Pedro II e a estatura que a direita revisionista tenta lhe atribuir, seja como suposto “estadista” (do que, se não levou à frente sequer um projeto de industrialização, pois isto acabaria com a mão de obra escravagista, logo com a coroa?!) ou mesmo como “intelectual” (de obra intelectual nenhuma), sabendo, entretanto, de antemão (justiça seja feita) que ele passou muito, muito longe dum proto-nazista feito o Leopoldo II da Bélgica e sua devastação genocida no Congo, a tentativa é minimizada ao lembrar-me, indignado, da escravidão cotidiana no Brasil de então, mantida vergonhosamente até o quanto se pôde pelo sistema de um imperador rodeado de latifundiários escravagistas e, conforme veremos, nomeador direto de gabinetes não só conservadores como pró-escravidão; ao revigorar em mim o absoluto anticlericalismo; e, por tabela, também por minha postura antielitista e anti-monárquica, sistema de castas.

Como era o imperador retratado em seu próprio tempo? É isto o que deveria ser levado em conta, antes de tudo. Conforme caricaturas da época atestam (e os chargistas captam o momento na crista da onda, como nenhum outro artista ou intelectual, que necessitam o distanciamento histórico), Pedro II era um contumaz distribuidor de títulos de nobreza e de cargos, partícipe direto e intermediário de processos de corrupção, clientelismo, manipulação eleitoral, benesses, “toma-lá-dá-cá” e correlatos, junto aos parlamentares e outras figuras das franjas ou do centro da corte. (Há um cordão umbilical entre tais práticas e o famigerado “Centrão” do Congresso Federal contemporâneo.) Este o legado político da monarquia no Brasil, que se manteve na República, além da escravidão obscena de séculos, ainda que já extinta, mas com resquícios inegáveis e sem tempo cronológico equivalente de completa cicatrização e resolução, oriunda primeiramente dos processos desprezíveis e sanguinários da colonização europeia e suas navegações monumentais.

O comércio de comendas, corrupto, realizado sob anuência do imperador, era forma sabida de aumentar as receitas e de manipulação política do governo no Segundo Reinado. Não sei até que ponto a telenovela, formato muito aprisionado ainda a clichês de protagonistas bonzinhos (mas Pedro II destoa desse modelo) e, do outro lado, vilões (mesmo que tenha, em produções das últimas décadas, pulverizado tal maniqueísmo e atribuído maior complexidade às personagens), mostra este fato e conduta política do Segundo Império. Talvez os retratos cinematográficos do imperador tenham sido um tanto quanto mais fidedignos do que este da TV, mas isto é assunto para outro texto. Pela olhadela que dei em uma ou outra cena na TV, parece que retratam certos políticos como pérfidos antiabolicionistas (não sem humor), enquanto o imperador, cheio de intenções honestas, sobretudo quanto à abolição, cercado por torpes e aproveitadores, quedaria impotente e frustrado. Não deixam de retratar seus casos de infidelidade, mas isto é já corriqueiro em todas as cortes nobres, que fingiam se suceder honestamente por meio do sangue ou que fingem família “tradicional”, sempre de fachada… A realidade política foi bem diferente, no entanto: Pedro II era conivente e complacente, para dizer o mínimo, porque não consta que tenha tido ação enérgica ou mesmo de inegável reformista.

Foi conservador, nem sequer liberal, possivelmente até reacionário. O episódio em que demitiu, em 1868, o gabinete liberal de Zacarias de Góis, formado pela Liga Progressista, substituindo-o pelo Gabinete Itaboraí montado pelo Partido Conservador, rendeu-lhe a acusação de bonapartista por parte de grêmios e jornais mais liberais (cf. Alfredo Bosi, O teatro político nas crônicas de Machado de Assis, São Paulo, IEA/USP, Coleção Documentos, Série Literatura, 2004, p. 1).

Joaquim José Rodrigues Torres, visconde de Itaboraí, que chefiou o gabinete conservador, era contrário à Lei do Ventre Livre antes de sua promulgação!

Conforme escrevi — quando ainda era adolescente, anos e anos atrás — no verbete biográfico de Machado de Assis na Wikipédia, o notável escritor, atento a seu tempo, e que mais tarde em seus contos e romances da maturidade retratará o liberalismo que convivia com a exploração do regime escravocrata, testemunhou aquela situação com simpatia aos não-conservadores e contra o despotismo e o clero (ibidem, p. 2). Aliás, monarquia pressupõe clero e toda sorte de teocracia que lhe segue. Quanto a esse aspecto não quero me alongar, porque as críticas são vastas e mereciam rigor específico, não só nos costumes hipócritas, inclusive no âmbito educacional, que só começara a experimentar reivindicações decentes com a República civil e a sua (trepidante) participação popular. (Há uma charge na Revista Illustrada em que no quadro de uma lousa de sala de aula aparece, enquanto matérias de ensino, rezas e correlatos, ao invés de conteúdos formativos.)

Pedro II continuou com o sistema de trocas de favores e benesses e com a corrupção do comércio de comendas até o fim da vida, haja vista que esta seção inicia-se com charge de 1867 e, mais abaixo, temos a caricatura de 1885, em que, vestido de Papai Noel, Pedro II, já bem mais velho e de barba branca, distribui presentes ao Gabinete do Barão de Cotegipe do Partido Conservador.

Ora, João Maurício Wanderley, o Barão de Cotegipe, foi um dos cinco senadores desprezíveis a votar contra a aprovação da Lei Áurea! Não pelas insuficiências de tal lei, que veremos mais adiante, e não só por interesses socioeconômicos dos mais sórdidos e anacrônicos e atrasados, mas também porque sabia que a tal lei precipitaria o fim da monarquia caduca e calcada no latifúndio. (Afinal, ele teria dito à Isabel: “A senhora acabou de redimir uma raça e perder o trono!”. Fontes: Carlos Penna Brescianini, «Há 131 anos, senadores aprovavam o fim da escravidão no Brasil», Agência Senado, 13 de maio de 2019, Senado Federal do Brasil, consultado em 29/10/2021; Carlos Lopes, «A formação do abolicionista Rui Barbosa», Hora do Povo, consultado em 29/10/2021.)

À guisa de analogia com ícones atuais, que atravessa tempo-espaço para ajudar a compreensão, há distância entre Pedro II e um Temer ou um Sarney, guardadas as enormes diferenças de sistema e época, porém nos liames institucionais e postura política há alguma espécie de cordão umbilical oligárquico, é difícil ver grande distância entre o imperador e um dos dois citados…

Segundo minha mãe, a telenovela o pinta como um amigão dos escravizados… Isto o que mais me indignou. Não vemos embasamento concreto neste retrato de Pedro II, considerando que, segundo conta Décio Pignatari, para quem Pedro II seria um dos agentes do atraso do Brasil e especificadamente do Rio de Janeiro, o imperador ganhava percentual por cada peça de escravizado vendida, ou seja, ele engordou, junto com a classe dominante latifundiária que lhe rodeava, em cima do criminoso e indecente trabalho escravizado. Não temos notícias ou registros de grande convocação ou escusa ou pronunciamento de Pedro II contra a escravidão. Conforme escrito anteriormente, em 1867 o monarca pede ao gabinete que se discuta um prazo para o fim da escravidão junto ao Legislativo; não tratava-se de iniciativa originalmente própria, mas das pressões da burguesia internacional após a Guerra Civil Americana e com a industrialização acelerada na Inglaterra. E, mesmo assim, recebeu críticas e protestos de conservadores — um dos casos mais lamentáveis é o do escritor e político José de Alencar, conforme atesta sua correspondência.

Nunca é demais frisar, para além de críticas personalistas, que a monarquia no Brasil estava assentada sobre o latifúndio, que necessita do braço escravo, portanto sem o qual a coroa sucumbiria (como de fato veio a acontecer por este e diversos outros fatores durante a posterior e última regência de Isabel I e seu esposo estrangeiro e semi-ditador, o conde d’Eu); este sistema segregatório de classes e castas comprova que o imperador, representante máximo da superestrutura, indubitavelmente estava cercado e próximo dos agentes dominantes da estrutura, classe escravagista de proprietários de terras, latifúndios e fazendas, logo equidistante dos escravizados pela própria posição social e hereditária, ao contrário do que essa telenovela e outras representações ou opiniões possam fazer crer, e é simplesmente desprovido de convencimento representação de Pedro II íntimo de negros; é notório que o imperador Pedro II, junto aos escravagistas, contribuiu significativamente para a falência do barão de Mauá e seu arrojado projeto de industrialização do país, um dos motivos do nosso secular atraso e dependência — aqui, cabe rememorar o exemplo da Guerra Civil nos EUA (entre industrialistas do norte contra escravistas do sul, com a vitória de Lincoln, elogiado por Marx): a industrialização significará sempre o fim do trabalho escravizado em troca não da libertação total, mas do exploratório trabalho assalariado em face do desenvolvimento capitalista e o fim definitivo dos resquícios do feudalismo que caduca; além do mais, como pode ter maiores preocupações sociais um imperador que nomeava ele próprio os principais cargos políticos gabinetes pró-escravidão em sistema que, em seus finais, caminhando para um terrível e incerto terceiro reinado, já era menos monarquia constitucional e mais absoluta oligarquia, segundo palavras então contemporâneo Machado de Assis em crônica de 11 de maio de 1888?

A caricatura de Faria, aliás, já evidencia tal configuração de nomeações, benesses e correlatos entre o monarca e os parlamentares, estabelecida muito antes da República:

“Manipanso imperial”, charge de Cândido Aragonez de Faria publicada no jornal de teor republicano O Mequetrefe, 10/1/1878. Pedro II é retratado feito um deus hindu que distribui pastas (ou carteiras) ministeriais de maneira toda-poderosa, bajulado e cultuado por agentes de diversos setores.
Dom Pedro II como Papai Noel do Ministério do Barão de Cotegipe (membro do Partido Conservador, insignado numa das bandeiras no topo da árvore, e um dos cinco senadores a votar contra a Lei Áurea, obviamente não por suas deficiências), Revista Ilustrada, 1885. Outra caricatura que retrata a troca de favores e benesses evidente e contumaz durante a monarquia e o parlamentarismo.

Ora, a monarquia brasileira não só foi brutalmente estratificadora, tal qual a monarquia em qualquer canto do globo o é, já que é inerente a esse sistema uma sociedade de castas (não só de classes), como foi sustentada pelo escravismo, tanto que ela caducou no mundo inteiro quando a escravidão deixou de ser o modo de produção em larga escala. (As “realezas” de hoje em dia, diante da “democracia liberal”, presidentes e primeiros-ministros, são meros bibelôs turísticos, anacrônicos, de escanteio em vias de decomposição, já sem poderio ou significação efetiva como outrora. A aristocracia praticamente foi extinta enquanto classe dominante e perdeu os poderes político e econômico dominantes para a burguesia num longo processo que culminou de vez na Primeira Guerra Mundial, conforme mostram livros recentes de Thomas Piketty e outros.)

O considerado professor-historiador Fernando Novaes, cuja geração fez de fato história, em determinada passagem da aula gravada abaixo, fornece outros dados importantes: Pedro II escrevia, em suas cartas, inclusive para as mulheres próximas, meros relatórios maçantes, burocráticos e numéricos, o oposto da personalidade integralmente humanista que geralmente lhe é atribuída; a violência da estúpida e desprezível escravidão piorou no Segundo Reinado, já que no Primeiro os colonizadores enviavam livros e manuais sobre os “tratos” necessários aos escravizados. (Para detalhes iconográficos de tal violência, jamais esquecermos as tristes pinturas então contemporâneas de Debret et al…)

Nesta aula, Novaes ainda diz preferir — enquanto figura histórica — Pedro I, o pai, do que seu filho, porque aquele foi responsável pela proclamação da Independência do Brasil, maior país da América do Sul, mesmo tendo sido uma independência conservadora, mas importante ao país contra a tirania colonizatória, e depois também responsável pela implementação do liberalismo — que era, então, a vanguarda — em Portugal (contra o despotismo de seu irmão), país europeu. Em que pese o comentário de Machado de Assis em Esaú e Jacó na boca dos protagonistas — num dos raros momentos em que os irmãos concordam entre si! — de que Pedro de Alcântara fora mau pai (largou o filho pequeno aqui), mau irmão, mau esposo (muito adúltero e “galinha”), etc., eu subscrevo a visão de Novaes, ainda mais considerando que não sai de minha cabeça o ar “latino” de Pedro I em seu cavalo, de preferência junto ao meu conterrâneo José Bonifácio, o patriarca da Independência, porém igualmente maçom…

Selton Mello é, sem dúvida, ator de talento e carisma, o oposto de Pedro II. (Aliás, sua atuação, pelo que vi, deixa a desejar justamente por conta dos equívocos teledramatúrgicos e de direção, que criaram um Pedro II pouco verídico… Não vejo um Pedro II ali, e sim o próprio Selton Mello. Nem mesmo a voz ele trabalhou/criou! É somente a dele. Pode ser que Lincoln tenha sido completamente diferente de como Daniel Day Lewis brilhantemente o interpretou e o criou — uma das suas grandes dificuldades, conforme este contou à época do filme, foi criar ou “achar” a voz do lendário presidente que nunca se ouviu posteriormente –, mas a conjunção representativa na construção daquele personagem faz com que nos sintamos realisticamente no século 19.)

Pedro II, ao invés, sempre me pareceu a súmula da elite brasileira definida por Darcy Ribeiro em sua mítica entrevista no Roda Viva: indolente, ranzinza, inerte, de braços cruzados (como na caricatura mais acima de Agostini), incapaz de grandes feitos. Abaixo, eis outra boa representação de Agostini, que comprova e vem ao encontro desta minha impressão, já nos estertores da monarquia:

O detalhe-chave desta caricatura que chegou a figurar na capa da Revista Ilustrada está no título do jornal no colo do sonolento e desinteressado Pedro II…
Sempre me fascinou este estupendo desenho… Pedro II é finalmente derrubado do trono nesta charge satírica e provocativa de 1882 de Agostini na Revista Ilustrada, que antecipa a queda duma monarquia cada vez mais insustentável e atrasada. Assinala-se que a caricatura possui tons anticlericais e republicanos.

Princesa Isabel, o conde d’Eu e a Guarda Negra

São atribuídos à Princesa Isabel, enquanto regente, os “maiores” feitos para a abolição no Brasil. Atribuições apressadas e meramente repetitivas, sem apuração e crítica. Ainda hoje, sem qualquer juízo científico ou levantamento histórico, há quem incorra em idealismo ingênuo (ou má fé) para achar que tudo não passou de “ato caridoso” pessoal da princesa (demorou tal “ato caridoso”, não?), e assim descartam o cálculo utilitário diante de países mais avançados na industrialização, por exemplo.

Veremos, nas próximas seções, que a Lei do Ventre Livre, a Lei do Sexagenário e a Lei Áurea não passam de escárnio, utilitarismo, trapaça, etc.

Princesa Isabel e conde d’Eu: ambos prenunciaram um terceiro reinado tirano, intento que acelerou a proclamação da República.

Fiquemos, por enquanto, com o ponto de vista da personalidade. No jornal A Metralha, de 23 de novembro de 1888, a sra. Isabel I é chamada de “pobre burgueza, sabendo um pouco de piano e canto, muito carola, casada com um príncipe vencedor de asneiras bellicas. Roubou ao povo a iniciativa da abolição.

Pior do que isso, conforme atestam documentos da época, com seu esposo conde d’Eu prenunciava um terceiro reinado que seria tirano, sobretudo no que tange à tentativa de repressão aos republicanos reunidos em conferências pacíficas, com a sordidez de arregimentarem uma espécie de milícia com negros libertos para o intuito (a famigerada Guarda Negra). Se era “muito carola”, era de fato submissa ao príncipe estrangeiro, ambicioso e obtuso, e ao sistema patriarcal, conforme é por vezes retratada em estudos acadêmicos de fácil pesquisa.

Quanto ao Conde d’Eu, para começo de conversa, este homem europeu deveria ficar para sempre marcado pelo massacre terribilíssimo que promoveu de crianças paraguaias entre 9 e 15 anos na Batalha de Acosta Ñu ou Batalha de Campo Grande (1869), enquanto comandava o Exército do Brasil durante finais da Guerra do Paraguai… É certo que fora o próprio presidente paraguaio, o desprezível Solano López e seu entorno, que enviaram tais crianças disfarçadas ao campo sanguinário de batalha, mas isso não isenta o outro lado, que logo deve ter percebido o erro, a catástrofe, o crime… Não pretendo me aprofundar nesse triste episódio que avilta qualquer esperança na humanidade, pois os registros a respeito abundam. (É provável que a telenovela de plantão retrate o conde francês e o comandante paraguaio como tipos mais pífios do que os nobres brasileiros, e de fato eles eram, porém o parentesco com a nobreza europeia também liga Pedro II, Isabel et al ao lastro histórico da dominação e do imperialismo.)

No Paraguai, a data de 16 de agosto é o Dia da Criança, porque nesse dia, em 1869, durante a Guerra do Paraguai,
cerca de 20 mil soldados comandados pela monarquia e sobretudo pelo Conde d’Eu, marido da princesa Isabel, massacraram um “exército” de cerca de 3,5 mil “soldados” paraguaios que tinham entre 9 e 15 anos, disfarçados e enviados ao campo de batalha pelos próprios comandantes paraguaios, incluindo o presidente Solano López.

Voltando ao aspecto acerca do perigo antidemocrático que um terceiro reinado de Conde d’Eu e Isabel representaria ao Brasil nos estertores da monarquia, importa o manifesto de 10 de fevereiro de 1889 (fonte: https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18890210-4158-nac-0001-999-1-not/busca/Pedro+II) do Boletim Republicano, que recebia importantes adesões, publicado no  jornal A Provincia de São Paulo, hoje O Estado de São Paulo (a título de nota, no Rio de Janeiro surgiu imediatamente a República militar, enquanto que foi em São Paulo que surgiu primeiro a República civil e a industrialização acelerada — sem ingenuidades, porém, com tais marcas paulistas e paulistanas, pois o descortinar do século posterior mostraria os interesses da oligarquia da política do café-com-leite de SP e Minas):

“Arredado da direcção politica do imperio o sr. d. Pedro II, o governo da regente ou antes o do sr. conde d’Eu iniciou uma politica de corrupção e violencia, que não póde e não deve ser tolerada por um povo educado na escola da Democracia”

“Precauções que aconselhamos à Sua Alteza, o Sr. Conde D’Eu, quando tiver de visitar escolas. Se Sua Alteza imitasse o seu augusto sogro, Dom Pedro II, não teria nunca Ocasião de contestar fatos históricos”. Outra caricatura de Agostini na Revista Ilustrada, n. 309, 29 jul. 1882.

Note-se que o mesmo Boletim Republicano supracitado afirmara que o sr d. Pedro II “sempre se inspirou nos sentimentos de justiça, que sempre respeitou, mais ou menos, a livre manifestação da vontade nacional”, mas, por problemas de saúde (inclusive mental), encontrava-se “inutilizado para reger os destinos do paiz” (ibidem). Em seu lugar, o príncipe estrangeiro (esse fato tocava fundo na questão de soberania nacional, tal como mostra literalmente o jornal) e sua filha regente cerceavam a livre defesa da República.

O boletim cita uma série de nomes de políticos e cidadãos, parte deles provavelmente da oligarquia paulista/paulistana, mesmo de certos fazendeiros, mas não são os interesses dessa classe que são expostos aqui, e sim dos cidadãos brasileiros como um todo no que tange a um avanço de conquistas civis. A necessidade da República é colocada em compasso com a nomeada Democracia. Esses valores, fossem liberais ou não, encontrariam impasses enormes décadas depois, já no século seguinte, em que presidentes da oligarquia se revesaram com o voto direto até o chamado Estado Novo, porém, num retrospecto, as reivindicações populares, aqui e ali pelo país, ansiavam pela derrubada duma corte emborolada, tendendo à tirania, e pelo avanço irrevogável.

O manifesto, assinado por políticos, vereadores e juízes-de-paz e outros, queria a República para que os brasileiros pudessem escolher seu governo e impedir um terceiro reinado tirano. E relata que, contra os defensores da oportunidade da República em livre manifestação do pensamento, o governo monárquico,

“em vez de oppôr a tribuna e a imprensa, unicas armas possíveis em um paiz livre, arregimentou a escória das ruas da capital — que, sob a denominação de Guarda Negra, foi investida pelo presidente do conselho da alta missão de defender e guardar o throno do Brazil.”

No mês anterior, em 5 de janeiro de 1889, denuncia-se que o órgão conservador de São Paulo estaria com a Guarda Negra e sob a influência de José do Patrocínio; indaga se os conservadores de São Paulo entendem que

“os capoeiras, os secretas e alguns libertos illudidos e mal aconselhados podem atacar os cidadãos que se reunem em um edificio particular, para ouvir um orador republicano e, porque atacam dando vivas à monarchia, devem levar a efeito o seu plano, sendo obedecidos, respeitados?!”

Fica explícita a indagação de que os republicanos deveriam saber se eram fora da lei, se não podiam se reunir, fazer conferências nas garantias de ordem e liberdade:

“[…] não são os republicanos os ameaçados, é a sociedade brazileira […]”.

Estes registros históricos sobre a Guarda Negra são de grande validade de resgate, porque, vez ou outra, tanto neomonarquistas toscos (perdoem o pleonasmo) quanto sujeitos mais à esquerda, só que sem maior embasamento, atribuem à Guarda Negra caráter totalmente positivo, usando-a como suposta prova de como a princesa regente,”Redentora”, fosse próxima dos libertos e a eles caridosa. (Conferir, por exemplo, este post no Twitter de um neomonarquista ridículo — perdoem a redundância.) Não. Em verdade, eram libertos iludidos, mal aconselhados, catequisados para defender a branquitude e a monarquia.

Já é de espantar, por si só, que monarquistas e seus correligionários tenham, mesmo após a Abolição, arregimentado negros para lhe servir como cães-de-guarda, mas isso servia ao propósito da direitalha do tipo mais torpe para fingir que haviam negros do seu lado; logo, para que os racistas fingissem-se de não-racistas (como vemos ainda hoje com a extrema-direitalha politiqueira). Noutras palavras, em português claro, guardadas as diferenças, há histórico cordão umbilical entre José do Patrocínio e um Sérgio Camargo ou Hélio Lopes, esquecíveis e em breve esquecidos. Tais fileiras são sempre perdedoras e fracassadas diante do avanço de conquistas socioeconômicas, intelectuais, humanistas e civis de massas mais esclarecidas de sua posição.

A situação era iminentemente ainda mais grave e assassina. O retrato revelador que se tem aqui, de que a tal Guarda Negra tenha sido criada contra os militantes e propagandistas pacíficos da República, é totalmente diverso e oposto ao que muitas vezes se pensa:

“A’s victimas do punhal e da navalha, sacrificadas no dia 30 de Dezembro pela Guarda Negra, com a acquiessencia da policia, respondeu o governo com a publicação de um inquerito immoral e monstruoso onde toda a criminalidade dos sicarios é imputada aos que foram cruel e miseravelmente massacrados.”

Houve um conluio entre os chefes da Guarda Negra com a polícia contra uma conferência republicana. O inquérito policial, forjado, cairia sobretudo contra Antônio da Silva Jardim, mestiço e conhecido ativista republicano. (Fonte: https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18890227-4172-nac-0002-999-2-not/busca/negra+guarda.)

Em 12 de janeiro de 1889 (fonte: https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18890112-4135-nac-0001-999-1-not/busca/guarda+negra), o mesmo jornal dizia que para a Guarda Negra existir bastou “mudarem o nome aos capoeiras e dirigerem os instinctos ferozes destes contra os republicanos” (recorde-se que os capoeiras formavam grupos conhecidos como maltas, que andavam com navalhas e sofriam muitos estigmas, servindo, neste caso, como grupos de manobra contra a própria classe e etnia); também se afirma que

“a crença, a fé na monarchia tenha, ha muito, desapparecido”

E arremata, já no proto-ranço moderno entre SP e RJ, que tal guarda só medra na corte do Rio de Janeiro, não fora dela:

“Fóra da côrte, se quizerem impedir aos republicanos o sagrado direito de propaganda, será preciso que os monarchistas commettam o crime por si, e não por mandatarios assalariados e illudidos.

“Si a monarchia para viver mais algum tempo precisa de apoiar-se na guarda negra, então reconhece e confessa que já perdeu todo o apoio na consciencia do povo, e deve desapparecer quanto antes.”

Na mesma página, lemos na última coluna sábias e emocionantes frases intituladas “Actos e Palavras”, dum pseudônimo sugestivo, Proudhon, que alerta para a raça negra não ser confundida com a guarda negra:

[…] Afinal a guarda-negra não deve inspirar odio, nem medo – inspira compaixão.

“Deve-se ver nella a parcella mais infeliz de sua raça.

“Liberta de uma exploração odiosa, pelo decreto de 13 de maio, cahiu pelo mesmo decreto noutra exploração. […]

Ocorre, então, importante protesto de negros libertos contra recrutamento para a Guarda Negra em outras cidades além da corte, conforme noticia em detalhes o mesmo jornal em 30 de janeiro de 1889 (fonte: https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18890130-4149-nac-0001-999-1-not/busca/Guarda+Negra, págs. 1 e 2). Este protesto recebe ajuda e divulgação de variados republicanos, sejam morenos ou mestiços e negros (como Silva Jardim), certamente alguns brancos e alfabetizados e de acesso (intermediário?) ao jornal, mas que em momento algum, neste caso, se utilizam dos libertos para expor qualquer interesse escuso ou ganhar louros e créditos próprios, ao contrário, falam sempre no coletivo, na primeira pessoa do plural, e no texto colhido — de alto valor histórico — atribuem corretamente a libertação ao esforço popular, expondo a chocante e violenta reação monárquica durante a Lei Áurea, pouco divulgada e ensinada:

“[…] Convencidos, finalmente, de que a libertação de nossa raça, foi unicamente devida ao esforço popular, sem influencia do governo nem do throno, que mandou espingardear os nossos irmãos que sahiam das fazendas […]”

Há certamente muitas outras figuras e personagens de importância dentro e no entorno da corte, incluindo a medíocre elite militar que a derrubará de vez e todos os agentes das classes dominantes nesta transição, mas cessamos aqui, por enquanto.

A escravidão e a abolição no Brasil diante da industrialização internacional

Tirinha de Junião, 2015. Fonte: http://www.juniao.com.br/princesa-isabel-nao-me-representa/.

Durante décadas e décadas e provavelmente por mais de um século, nas escolas brasileiras das gerações do século 20, dizia-se que a Abolição fora um ato caridoso da Princesa … e desprezou-se o cálculo utilitário. Salvo engano, em meus livros didáticos e pedagógicos de escola pública, o quadro da situação era apresentado de forma mais balanceada e mais ou menos crítica.

Nada mais anti-histórico… Jamais esquecer — para a enorme vergonha humanista ou “patriótica” — que este país foi o último a abolir a escravidão, justamente por conta de sua corte embolorada unida a latifundiários parasitários. Até mesmo um escritor de episódios marcadamente racistas (tanto em cartas quanto aqui e ali na obra ficcional) feito Monteiro Lobato escrevera, indignado, em diálogo entre D. Benta (cor de pele branca) e seus netos em Geografia de D. Benta (São Paulo: Brasiliense, 1960, págs. 213-215), sobre tal acinte nacional. Faltou vontade. Sobraram interesses.

Dando a César o que é de César: não foi um assomo de bondade que conduziu a Princesa Isabel a sancionar a Lei Áurea, já que se tornava insustentável para as relações com países industrializados um contingente grande de indivíduos que não recebessem salários para adquirirem bens de consumo. Este fator é fundamental e, em alguma medida, foi central para a Lei.

Entretanto, Carlos Maximiliano (1873-1960) a criticou porque não houve “nenhuma providência para compensar os agricultores” que eram seus “donos”. Este teve a audácia de se condoer dos escravocratas, e calar-se diante da massa de ex-escravizados despossuídos de terras e do que produziram na base do chicote entre os matos, do pelourinho ou da ameaça urbana! Detalhe: Carlos Maximiliano tinha quinze anos quando da abolição da escravatura em 1888 e escreveu essas supostas críticas nos comentários à Constituição de…1946. A assertiva está no primeiro volume dos Comentários à Constituição de 1946, publicados pela Freitas Bastos.

Machado de Assis, grandioso, e então contemporâneo, que posteriormente relataria (A Semana, 14 de maio, 1893) ter celebrado na rua a Lei Áurea votada pelo Senado e sancionada pela princesa regente, em outra crônica ácida, notável, de inestimável valor histórico (datada de 19 de maio de 1888 na Gazeta de Notícias, portanto apenas seis dias depois da Abolição), utiliza-se da narrativa em primeira pessoa do singular para se passar por um senhor de escravizados que, em nome de ser cristão, gaba-se de, antes mesmo da lei ser promulgada, ter emancipado um criado “molecote”. Este, porém, como todos os escravizados (descendentes de sequestrados internacionais e despossuídos dos meios de produção e quase até do próprio corpo físico, lhes restando quilombos e proto-favelas), não tem para onde ir, portanto continua amarrado ao “dono”, que, entre petelecos, pontapés, puxões de orelhas, xingamentos e insultos, lhe promete um “ordenado pequeno”, já que “de grão em grão que a galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha“… Não faltarão, anos depois, crônicas do Machado, já na República transcorrida, e que me servirão de baseamento para ficção, a relatar um ou outro caso de escravizado ou escravizada achados pela polícia sem saber que já estavam livres, ou sabendo-se e sem condições de ter emancipação real. (Vide, por exemplo, o caso da preta Ana numa casa de S. Paulo em A Semana, 15 de maio de 1892, que “produziu imenso abalo”, e de um preto de Uberaba em 1º de janeiro de 1893, que envolveu prisão dos capangas do ex-senhor.) Resquícios do horror da escravidão e mesmo de sua alienação. São casos que espantosamente tornam-se avatares noticiados ainda hoje.

A Princesa Isabel tinha 42 anos quando sancionou a Lei Áurea (Lei 3.353, de 13 de maio de 1888), em sua terceira e última regência. A maioridade de seu pai, o Imperador Pedro II, ocorrera 48 anos antes. Os motivos de foro privado da Princesa, que somente governava quando os respectivos pais saíam em viagem, seriam totalmente irrelevantes, sob o ponto de vista da condução dos negócios de Estado, que são governados por lógica distinta, como já nos ensinou, de um modo nada agradável, Nicolau Maquiavel.

A monarquia baseava-se, em muito, nos latifundiários, e o latifúndio necessitava do braço escravo. No entanto, os países industrializados com que o Brasil mantinha relações não admitiam mais a escravidão. Basta ver a diferença entre John Locke, que sem dúvidas merece um espaço na lata de lixo da História, já que seu liberalismo clássico é antes uma defesa da expropriação para fins particulares e da escravidão do que uma doutrina de liberdade, mas chegou a elaborar documentos jurídicos disciplinando o comércio de escravos, e Adam Smith e Jean-Baptiste Say, que escreveram passagens condenando a escravidão, o primeiro, na Riqueza das Nações, o segundo, no seu Tratado de Economia Política.

A sórdida enganação da Lei do Ventre Livre e da Lei do Sexagenário

Ilustração sobre o projeto da Lei do Ventre (nem tão) Livre. Revista Semana Ilustrada, 21 de maio de 1871.

Recentemente, fez 150 anos a Lei do Ventre Livre, também assinada em 28/09/1871 por Isabel I em sua primeira regência.

Muitos aprenderam na escola que foi um passo importante na emancipação dos escravos. Afinal, quem nascesse a partir daquela data estaria livre!

Fui ler a lei com mais afinco. Pois bem, até os 21 anos o nascido livre teria que prestar serviços ao “dono” da mãe.

Continuei, e vi que o “acoutamento” de escravos tornava-se crime.

Não pensem que tratava-se duma forma arcaica de dizer açoitamento, isto é, que seria proibido chicoteá-los. Não! O artigo referido do Código Criminal do Império punia furto!

Acoutar era dar couto, dar abrigo, acolher escravos fugidos! Virava furto.

Mais este dado, que liquida ou ao menos pulveriza a tentativa de aceitar a imagem de abolicionistas de Pedro II e da princesa Isabel…

Quem quiser ver o horror, abaixo está o link da lei. Curiosamente, não consta sua revogação…

LEI Nº 3.270, DE 28 DE SETEMBRO DE 1885

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM3270.htm

Resumindo a lei do Ventre Livre: o filho de escrava que nascesse de 1871 em diante serviria como se escravo fosse até os 21 anos de idade. Portanto, pelo menos até 1892.

1892!

Antes disso, em 1888, a luta dos cativos aboliu a escravidão.

A tal lei não libertou ninguém, se entendi direito.

Nem devemos nos estender a respeito da “Lei do Sexagenário”, quando os escravizados, dada sua condição socioeconômica mais precária e humilhante, nem sempre chegavam aos 60 anos… E para onde iria essa massa, o que teriam construído, depois de seis décadas pessoais de total entrega e submissão de seu corpo e força de trabalho (sem contar os séculos precedentes que atingiram seus descendentes)? Lei para inglês ver.

Conclusão preliminar

Historiadores mais recentes têm sugerido que a Lei Áurea só foi promulgada para estancar a torrente imprevisível do movimento abolicionista e impedir reforma agrária e expropriação dos latifundiários. Vide a matéria abaixo:

Abolição da escravidão em 1888 foi votada pela elite evitando a reforma agrária, diz historiador

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44091474

Enfim, nada a comemorar, ou melhor: coloquemos toda a ênfase nos quilombos e rebeliões, conforme relato já supracitado e iniciatório:

“[…] Convencidos, finalmente, de que a libertação de nossa raça, foi unicamente devida ao esforço popular, sem influência do governo nem do trono, que mandou espingardear os nossos irmãos que saíam das fazendas […]”

E ênfase em todos aqueles que estiveram social e verdadeiramente entre e por baixo do movimento abolicionista, enquanto este avançava rumo a uma libertação total e ainda hoje em plena construção…

28 de outubro de 2021

Quando ruíram as pseudoteses do “direito divino”…

Quando ruíram as pseudoteses do “direito divino”, a ampla participação no exercício do poder se pôs como fundamento da legitimidade deste. Por isto, também se entende por que não se admite, mais, que funcionem como fatores de EXCLUSÃO DE CONQUISTAS gênero, “raça”, religião, posição social e outros. Também por isto, ações e mesmo propostas de redução da democracia a um CLUBE PLUTOCRÁTICO merecem ser fortemente rechaçadas em nome de um horizonte comum que possa primeiro mitigar e com o tempo abolir a divisão e o antagonismo da sociedade de classes.

26 de outubro de 2021

Como o desenvolvimento de habilidades socioemocionais impactam no futuro dos alunos?

O principal papel da escola é a socialização formadora, isto é, formar pessoas e ensinar a viver em sociedade. É claro que os professores, na escola, ensinam conteúdos intelectuais (ou competências, segundo nomenclatura mais recente), mas o pilar da escola é a socialização.

Deu-se quase sempre enfoque nas capacidades cognitivas, mas se esqueceu das capacidades emocionais. Não se percebia que ambas andam juntas, e o mal desenvolvimento de uma capacidade compromete a outra.

Lidar com emoções, saber se relacionar com o próximo e haver conscientização na tomada de decisões fazem parte do nosso dia a dia – e da capacidade socioemocional.

Hoje, com a formação integral, puxada dos gregos antigos e sua Paideia, o desenvolvimento das competências socioemocionais é até exigência legal, de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Conforme estabelece o BNCC, o aspecto social e emocional envolve empatia, diálogo, responsabilidade, resolução de conflitos, cooperação.

Portanto, veremos, neste presente texto, sugestões e breve descrição de algumas técnicas reconhecidas internacionalmente e pensadas por (e para) profissionais da área da educação e alunos.

DESENVOLVIMENTO SOCIOEMOCIONAL E SOCIOECONOMIA

Grande parte de certos males emocionais, tais como ansiedade, solidão, depressão e estresse, que acometem cada vez mais jovens, anda ao lado da falta de projetos sociais e coletivos. O ser social que não está inserido nem incluído tende a achar que está sozinho. O sistema de ensino deve nos tirar da dependência, do subdesenvolvimento e dos atrasos.

Assim, o desenvolvimento socioemocional é incompatível com um ensino totalmente técnico, que geralmente põe no horizonte do ser social um trabalho desqualificado, sem valores, mecânico, repetitivo e sem criatividade.

A CRIATIVIDADE

Qualquer exercício que vise, antes, inspirar e, depois, deixar livre a criatividade é, por si só, quando desempenhado com qualidade e propósito, um propulsor de desenvolvimento socioemocional.

Simplesmente porque, através da criatividade, é possível expressar emoções.

A criatividade é ferramenta sobre a qual se desenvolve o florescimento humano.

TRABALHOS EM EQUIPE

Trabalhos em equipe são fundamentais para o relacionamento interpessoal, cooperação, respeito, resolução de conflitos, escuta e fala, empatia e exercício da responsabilidade.

ARTES

As grandes artes, um quadro, filme, uma música ou a literatura, são impregnadas de valores, pensamento crítico e são portas para se debater sobre preconceitos, bullying, retratos sociais, etc.

PEDAGOGIA AFETIVA

Durante muito tempo, a relação professor-aluno e o próprio ambiente escolar foram encarados de maneira absolutamente formal e até hierárquico.

Esse tipo de abordagem está cada vez mais defasado nas escolas-modelo para o desenvolvimento intelectual e também emocional.

É preciso se pensar numa pedagogia afetiva construída diariamente, que faça com que as capacidades cognitivas sejam trabalhadas em conjunto com as capacidades emocionais.

PANDEMIA

A volta às aulas no contexto da pandemia – e mesmo as aulas momentaneamente à distância – precisa falar francamente sobre traumas, impressões, limpar o horror, recriar os laços para que, juntos, possamos superar. Aliás, isto vale para qualquer outro espaço adulto além da escola.

Um dos marcos do desenvolvimento socioemocional reside na identificação ou comunhão com o(s) outro(s). Dessa forma, a escola é espaço formador das capacidades cognitivas, como levar em conta os fatos e considerar evidências científicas, e também das capacidades emocionais, tal como mostrar compaixão, etc.

SUGESTÃO DE DINÂMICA

Se o intuito é começar a falar sobre problemas e traumas, há uma boa dinâmica para “quebrar o gelo” e criar ambiente de acolhimento.

Alguém – pode ser a própria professora – faz algum relato ou fala sobre alguma angústia ou tristeza que sente. Quem se identificar, fala “eu também”, e assim por diante.

Qualquer preconceito ou julgamento é suspendido quando há profunda compreensão das condições do(s) outro(s).

Quanto mais íntimo e pessoal é um caso, mais geral, coletivo e até universal ele é.

A TEORIA/METODOLOGIA DOS “BIG FIVE” (CINCO GRANDES FATORES)

Utilizada muitas vezes no setor de RH, a metodologia dos Cinco Grandes Fatores considera variados traços de personalidade das pessoas e tem sido aplicada para o desenvolvimento das habilidades socioemocionais de alunos.

Os tais cinco fatores são: abertura a novas experiências; conscienciosidade; extroversão; neuroticismo; simpatia ou agradabilidade.

Como aplicar os cinco fatores? A metodologia tem sido eficaz para avaliar por competência, descobrir desenvolvimento de talentos, selecionar para determinadas tarefas, etc. A compreensão desses cinco fatores pode potencializar a junção entre habilidades técnicas e habilidades emocionais.

É de suma importância que o professor conheça seus alunos e os inspire a desenvolver seus lados fracos e fortes.

O SOCIODRAMA

O sociodrama, variação do psicodrama, é outra técnica bem aplicada, pois tem se mostrado eficaz para o desenvolvimento da habilidade socioemocional “conscienciosidade”.

Trata-se duma peça dramática em que todos desempenham papéis para estudar melhor e remediar problemas em grupos ou relações coletivas.

O sociodrama pode ser aplicado a muitas situações: traumas coletivos, eventos atuais, problemas sociais, desintegração, preconceito, tensão interpessoal, reabilitação, etc.

Define-se um tema preemente a todos; a decisão sobre os papéis precisa ser sociométrica; abre-se, antes, durante e depois, o tema à discussão do grupo, se possível junto aos pais e outros agentes da sociedade; anotar e discutir conclusões, conquistas, passos alcançados, etc.

6 de outubro de 2021

REFERÊNCIAS

Antonia Benedita Teixeira, ‘Habilidades Socioemocionais na Educação’. Editora Appris, 2020.

The International Criminal Court and the US war crimes, crimes against humanity by Israel State and Bolsonaro…

The International Criminal Court, which can be likened to the “conscience” of the international community, has opted not to investigate US war crimes during its 20-year military adventure in Afghanistan.

This is the same ICC that will not prosecute Israel for it’s crimes against humanity.

And what about Bolsonaro?…

10/2021

Vicente Cascione virou baba ovo do genocida Jair Bolsonaro

Em 11 de setembro de 2013, Vicente Cascione, defendendo o Mais Médicos, programa extraordinário que foi alvo de ataques baixos de estratos médios e da extrema-direitalha, rasgou muitos elogios e enalteceu Cuba e seus índices sociais, educacionais e de saúde no seguinte texto em perfil de sua rede social:

É de espantar que, recentemente, tenha criado vídeo em seu canal no YouTube e página no Facebook em que fala da “cubanização” (sic) do Brasil. Engana-se quem pensa que ele estivesse se referindo aos arroubos ditatoriais do amigão do Queiroz, conforme liberalóides incorrem com a pseudoteoria anticomunista da ferradura. Na verdade, para ele, seriam os tribunais superiores como o STF e o TSE a impedir o amigão do Queiroz — e seus cupinchas que faturam com monetização de fakenews — de desgovernar ainda mais.

Não irei divulgar nem compartilhar tal disparate, que inclusive o coloca em situação de vergonha alheia… Aliás, não pretendo, aqui, divulgar vídeos das sandices deste outro Cascione torpe, apenas denunciá-las textualmente.

Há ainda postagem de 2012, que redirecionaria para um texto em seu site, já retirado do ar por conta do tempo, em que defende Chávez da Venezuela de comentaristas e jornalistas obtusos e repetitivos, “canarinhos Psitacideos”, que o chamam de ditador:

(O mais surpreendente, e que tem a ver com a virada e mudança que ocorre no Brasil nestes últimos 10 anos: na área de comentários dessa mesma postagem supracitada, uma usuária emula a falácia direitista de que, se a Venezuela é tão boa assim, porque há tantos venezuelanos fugindo, sem considerar os embargos.  No entanto, se entrarmos em seu perfil, veremos fotos com estampas Mulheres Contra Bolsonaro, e a favor da ciência, do SUS, etc. Ou seja, de 2012 a 2021, ela deve ter mudado de ponto de vista sobre diversos assuntos, mas definitivamente não é uma fascistóide ou direitista. Ela respondia a outro usuário, que concorda piamente com o texto de Cascione, ainda que deixe claro que o texto, porém, não defende o chavismo, comentando que o povo venezuelano adora Chávez e que a Venezuela tem bons índices de IDH; este mesmo sujeito traz em seu perfil, anos depois, foto ao lado do próprio amigão do Queiroz…)

Viralizou, há poucos anos, vídeo em que o mesmo Cascione defende Lula contra os abusos de Sergio Moro. Ali, encarnara espírito crítico, mas técnico, lúcido.

 

Agora, o quase octogenário vira piada nas redes ao defender o indefensável.

É certo que o mesmo Cascione aceitou, anos atrás, ser advogado do coronel Ubiratan, partícipe do massacre do Carandiru, tendo escrito e pronunciado que não havia se tratado de um “massacre”, e sim de “ação inevitável”.

Acrescenta-se a este “ovo da serpente” outro: numa de suas lives, Cascione desconversou sobre o racismo diante de notícia chocante do assassinato de um negro num supermercado…

O que faz, ainda assim, um sujeito trabalhar e estudar a vida toda, construir alguma trajetória para, no fim da vida, já idoso e indo embora, arriscar a própria reputação ou até jogá-la no lixo em nome de um perverso como Jair Bolsonaro, cujos crimes antes e durante a pandemia chegam até mesmo ao Tribunal Penal Internacional em Haia e que acumula recorde de pedidos de impeachment no Congresso Federal?! (Vale lembrar que seus cúmplices e cupinchas inconsequentes e toscos também entram nesse enquadramento.)

É o que se deve perguntar diante de figuras como Sérgio Reis (pseudocantor agropecuarista), o sinistro da Saúde Marcelo Queiroga, até então médico cardiologista mais ou menos respeitado, etc. Quais os interesses sórdidos desses “tiozões” de estratos médios e de vida resolvida, a ponto de caírem no ridículo e nem sequer se importarem?

Na verdade, conforme muitos sabem, havia já sempre uma semente de preconceito, sordidez e de interesses de classe.

Nos perguntamos se tudo não passa também de oportunismo.

Tendo perdido feio eleições recentes para prefeito (contou com apoio do senador morto de COVID-19 Major Olímpio, ex-aliado de Bolsonaro!) e até para vereador (tamanha a sua incapacidade de agregar prestígio), além do espaço que tinha em A Tribuna, em que escrevia croniquetas inexpressivas, vazias, que não fediam nem cheiravam, há meses se debandou para a defesa da bandidagem de Bolsonaro e caterva, deixando incrédulos aqueles que o viam como um eixo de racionalidade básica.

É o dinheiro que compra a honra para se fazer propaganda ridícula nas redes de um sujeito como o amigão do Queiroz? Pois nem mesmo veio a público explicar sua guinada ou identificação, que o fez perder seguidores e dizimar a própria reputação, aproximando-se de um grupelho que a cada dia fica menor, como toda a extrema-direita. Qualquer nome considerável que um dia sequer tenha apoiado algo do DESgoverno atual já rompeu há tempos, sobretudo diante das crueldades na pandemia..

Profunda afinidade ideológica e índole criminosa explicam. Pois nem mesmo se trata de um presidente com ampla aprovação popular, com reeleição garantida ou que esteja em bom momento político, ao contrário: acuado por seus crimes comuns e de responsabilidade, insistente na sanha pessoal farsesca e incompetente, tendo que recuar de maneira humilhante dos seus arroubos, para não minar investigações graves contra si e seus filhos bandidos, lhe restou fazer hora extra liberando verbas fartas e muita corrupção para o Centrão oportunista. Todo brasileiro de bem sabe que, se não fosse isso, já estaria no chão.

Não é, portanto, um bom capital político para se apostar. Qualquer sujeito inteligente sabe que o momento é de falar em avanço da vacinação, gasolina cara, gás de cozinha em preço absurdo, volta da fome, da inflação, saídas e soluções para as reais urgências socioeconômicas do país, etc., não choramingos de quem está acuado pela justiça.

No entanto, Vicente Cascione, que sempre fez campanhas nebulosas sem projeto e muita empáfia, de cara sempre amarrada e carisma zero, se agarra agora no que há de pior na política, que é a familícia Bolsonaro, o bandido preso Roberto Jefferson e caterva, em ataques não ao que a grande imprensa faz de criticável, mas o que faz em seu dever, que é noticiar as bandidagens da quadrilha, além de ataques aos pontos positivos das instituições jurídicas conservadoras, que é o de garantir que a extrema-direita e seus sicofantas não façam do Brasil um país tiranizado por defensores de torturadores.

Em seu perfil no Facebook, em que é zombado, ou no YouTube, Vicente Cascione exibe um fim melancólico. Basta muita paciência para atravessar seu caótico raciocínio, em que mistura, como um senil, fatos históricos díspares (por exemplo, chegou ao ápice ridículo de equiparar o golpismo do grupelho do amigão do Queiroz com a Revolução Constitucionalista!), sua deficiência cognitiva e muita falastronice para, então, testemunhar o negacionismo antivacina, o racismo, ataques a quem noticia a bandidagem do DESgoverno, a defesa de um golpinho militaresco, tudo isso de uma figura que sempre se pôs como defensor do Direito.

Deveria rasgar seu diploma.

Que ele também seja, agora, investigado e denunciado, pois não se tolera mais conteúdos desse tipo e causa estranhamento tal comportamento, cujos partidários ou foram derrubados, desmascarados ou até foram parar na cadeia. Quais os interesses por trás de insistir, a essa altura do campeonato, na defesa de uma quadrilha minúscula, mas que provocou tantos crimes?

Trata-se de um irrelevante em termos políticos, um fracasso eleitoral e de público, mas fica o registro para detonar qualquer tentativa de encará-lo como sério, honrável ou respeitável no presente e no futuro.

Pressão das ruas precisa ser pela cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, ao invés de impeachment

…Ao invés de impeachment, processo mais difícil e demorado, sobretudo porque o perturbado(r) da República, desprovido de ética, não mede escrúpulos para liberar verbas em troca de apoio no Congresso. Esse processo também esfriou após a carta humilhante escrita por Temer para apaziguar os arroubos golpistas de Bolsonaro no 7 de setembro junto ao que há de pior no agronegócio…

Já há inquéritos a respeito da cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, inclusive a pedido de partidos de centro-esquerda, e relatório praticamente pronto a respeito. (Ver a reportagem mais abaixo.) O processo estava maturando em 2019, mas surgiram muitos outros inquéritos sobre gabinete do ódio, fakenews, quadrilha antidemocrática, etc.

Precisamos de pressão social, mas as pautas das manifestações de massa de rua contra a falta de governo e de presidente não parecem ainda especificar isso. Especificam pautas muito importantes e um “Fora, Bolsonaro” – quando muito, “Fora, Bolsonaro e Mourão”, mas não se dá o tom específico decisivo: cassação da chapa.

Uma vez que a justiça eleitoral costuma depender de ampla repercussão, gravidade considerada e provas robustas, o enfoque das manifestações precisam ser a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão.

Não se trata de ingenuidade com relação à dita justiça burguesa, mas Bolsonaro desvia e confunde todas as lutas, sendo, portanto, alívio conjuntural retirá-lo, inclusive das eleições (inelegível), por um lado, e justo dentro da própria ordem, considerando os crimes (neste caso) de abuso econômico com empresas financiadoras de campanha suja, compra irregular de base de usuários e outros.

É preciso lembrar que a CPI da Pandemia entregará, nos próximos dias, seu relatório final, e, segundo os jornais, uma equipe de juristas já elencou diversos crimes de Bolsonaro: crime de responsabilidade, corrupção passiva, charlatanismo, estelionato, crime contra a humanidade e outros a serem enviados à Procuradoria Geral da República, ao Ministério Público, ao Tribunal de Contas da União e até ao Tribunal Penal Internacional.

Esta configuração, no entanto, concentra-se em Bolsonaro e, francamente, pode se arrastar, não indicando necessariamente que a situação mude a curto prazo. Discute-se também no Senado alteração da Lei do Impeachment, uma vez da demora dos pedidos na Câmara dos Deputados – porém, insisto que o impeachment não é o caminho mais adequado no momento.

O problema da cassação da chapa: a priori, após um tempo do mandato/governo, as eleições tornam-se indiretas quando efetivada a cassação. Porém, isso pode constituir outro julgamento, outra discussão.

Compartilho, abaixo, ofício recente, de poucos dias atrás, que pede compartilhamento de provas do inquérito no âmbito do TSE:

https://www.conjur.com.br/dl/tse-compartilhamento-provas-inquerito.pdf

Atenção para o último parágrafo desta reportagem https://outline.com/nBuHLT abaixo :

Na Corte [do STF] tramitam quatro inquéritos contra Bolsonaro e a Segunda Turma do Supremo decidirá em breve o futuro do senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ) no caso das rachadinhas. Além disso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem em mãos um relatório praticamente pronto que pode levar à cassação da chapa Bolsonaro-Mourão por supostos crimes cometidos na campanha de 2018. Outro fator é o peso que os ministros teriam em apoiar a deflagração de um processo de impeachment, que ganhou corpo nos últimos dias em negociações da oposição com o Centrão.”

Abaixo, uma outra notícia (https://outline.com/TyfMdV), desta vez a respeito do ofício que pede compartilhamento de provas e que contextualiza a questão:

Corregedor do TSE pede ao Supremo compartilhamento de provas para investigação da chapa Bolsonaro e Mourão

O corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Luis Felipe Salomão, encaminhou nesta quarta-feira, 4, um ofício ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), solicitando o compartilhamento de provas coletadas em inquéritos da corte que podem abastecer duas ações no Tribunal Superior Eleitoral contra a chapa do presidente Jair Bolsonaro e pelo vice Hamilton Mourão por disparos em massa durante as eleições 2018.

No ofício encaminhado ao STF, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral cita a investigação que mira sobre suposta organização criminosa ‘de forte atuação digital, com a nítida finalidade de atentar contra a Democracia e o Estado de Direito’. A apuração é um desdobramento do inquérito dos atos antidemocráticos arquivado por Alexandre a pedido da Procuradoria-Geral da República.

“Com a instauração de novo procedimento investigativo, que poderá conter elementos para a instauração deste feito, renove-se o pedido de informações e de compartilhamento de provas que possam vir a interessar à solução das lides postas no autos Aijes (ações de investigação judicial eleitoral)”, escreveu Salomão.

No texto do ofício, Salomão afirma já ter recebido de Alexandre de Moraes cópias do “Relatório de Análise de Material Apreendido” em que constam informações sobre os investigados. O corregedor-geral, no entanto, solicitou o acesso às demais provas colhidas pela investigação que apura possíveis crimes praticados por aliados de Bolsonaro que integram o chamado “gabinete do ódio”. Bolsonaro e Mourão são investigados por supostamente terem contratado serviços irregulares de disparo em massa de mensagens nas redes sociais durante a campanha eleitoral de 2018.

As ações foram movidas pela chapa “O povo feliz de novo”, formada por PT, PCdoB e PROS, que concorreu contra Bolsonaro no segundo turno daquele ano, e pede a cassação da chapa por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social.

O teor das apurações que correm em paralelo no TSE e no STF se aproximam, pois os alvos investigados, apesar de distintos, podem integrar a mesma “organização criminosa, de forte atuação digital, dotada de núcleos políticos, de produção, de publicação e de financiamento, cujas atividades teriam se desenvolvido após o pleito de 2018 (2020 em diante”.

Na segunda-feira, 2, os ministros do TSE aprovaram por unanimidade a abertura de inquérito administrativo para apurar se, ao promover uma série de ataques infundados às urnas eletrônicas, Bolsonaro praticou “abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea”.

O desfecho das investigações em andamento no TSE pode atrapalhar os planos políticos de Bolsonaro, que se cercou de parlamentares do Centrão em busca de angariar forças que dêem sustentação ao governo ao custo de cifras milionárias em emendas parlamentares, conforme revelou o Estadão . Juristas ouvidos pela reportagem dizem que o resultado do inquérito pode levar à impugnação do registro de candidatura do atual presidente pela Justiça Eleitoral, caso ele deseje concorrer à reeleição no ano que vem.

10 de setembro de 2021

A verdadeira “terceira via”: NÃO às privatizações e contrarreformas neoliberais, mas crítica à mera estatização corporativista – defesa de cooperativas

Eduardo Leite, que se assumiu gay só agora, diz não se arrepender de ter apoiado Bolsonaro e defende agenda neoliberal de Paulo Guedes

Leite diz que não se arrepende de ter votado em Bolsonaro e defende agenda de Paulo Guedes

https://www.youtube.com/watch?v=fC-hJ6VyjGA
Eduardo Leite, que se assumiu gay só agora, mesmo apoiando, de quebra, a homofobia de Bolsonaro, é exemplo máximo do que venho alertando a respeito do identitarismo (que, em seu caso, sequer é pauta que agregue algo) sem centralidade na categoria de classe social! Colegas gaúchos me disseram que ele está vendendo tudo para o setor privado e arrasando com professores (conforme é típico dos tucanos).
Tudo indica, então, que a Globo finalmente encontrou seu candidato de direita para a Presidência, num rompante de marketing eleitoreiro para fazer o inexpressivo ser conhecido pelo resto do país no programa do decadente Pedro Bial (e o Jornal Nacional noticiou novamente o fato dele ter se assumido gay), um típico representante de um “Quebrando o Tabu” e afins: um tucano neoliberal que engana identitários, incautos, distraídos e despolitizados com afirmação de sexualidade que nem sequer é pauta sua de movimento social, como se LGBTs não tivéssemos classe social, para tentar seguir com as privatizações e contrarreformas que atacam a classe trabalhadora e a população no geral.
Não foi isso também que a Rede Globo, ou seja, a família Marinha com os chefes executivos – e eu avisei desde o início diante de parte da esquerda superficial, deslumbrada, meramente arrivista e sem teoria – elaboraram com uma Maju Coutinho, colocando-a como vitrine para um jornalismo que defende há anos as privatizações e as contrarreformas que, no fundo, perpetuam o racismo?

O que o impeachment de Collor pode nos ensinar sobre o (im)provável impeachment de Bolsonaro diante de escabrosa corrupção e manifestações?

Clique na seta para ver as outras imagens do álbum da postagem abaixo.

Ps.: O Prof. Brasilio Sallum Jr. (USP e UNIFESP), embora faça mais jus à sociologia paulista, sabe muito de marxismo, teoria marxiana, método marxista e merece ser lido quando trata disso. Recomendo seu texto abaixo (“Marxismo, sistema e ação transformadora“), em que cita Gramsci (o “site” reúne textos gramscianos e sobre Gramsci) e uma renovação coerente de Marx e Engels, e é justamente uma tentativa de propor caminhos teórico-práticos para marxistas superarem não só o dito “dogmatismo”, mas também o limbo de um tempo contra- ou antirrevolucionário:

https://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=1577

Fotos: Estudos de cinema – classe social, marxismo, Cinema Novo, montagem soviética, realismo, modernismo, pós-modernismo em ‘Cinema Studies: The Key Concepts’, de Susan Hayward, e ‘Engaging Cinema’, de Bill Nichols

Clique nas setas para ver as outras imagens do álbum.

O sucessor do bandido Ricardo Salles prova mais uma vez que é preciso tirar Jair Bolsonaro

Ricardo Salles, que pediu demissão hoje do Ministério do Meio Ambiente do DESgoverno Bolsonaro senão iria preso pelo escândalo de madeiras, é um serviçal de desmatadores, grileiros, empresários do agronegócio, proprietários fundiários, fazendeiros e latifundiários. Não é outra a função da direitalha senão servir ao poder econômico da burguesia destrutiva.

Não me recordo se já contei, mas, quando fazia um curso de arte e política no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, em 2019, ouvi de um dos participantes que, quando Salles ainda era secretário do governo Alckmin em SP, ao saber que ele havia ocultado área geográfica da bacia do rio Tietê para favorecer capitalistas predadores, o rapaz – que nos mostrou seus belos desenhos de fauna e flora – o denunciou e, ameaçado de morte, teve de deixar o país… (Sim, isto ocorreu antes de Bolsonaro!)

Salles seria condenado em dezembro de 2018 por esse crime – mesmo assim, o sacripanta Bolsonaro, antes e depois da posse, o manteve nomeado.

No seu lugar, entra agora Joaquim Álvaro Pereira Leite, que já era próximo do sacripanta que não pode continuar no Palácio do Planalto. Haja vista que, tão logo seu nome foi anunciado, já pululam boas matérias a seu respeito:

Família de novo ministro do Meio Ambiente disputa posse em terra indígena em SP (23/06/2021):

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57590288

Ricardo Salles: saída tardia de ministro não mudará política pró-desmatamento de Bolsonaro, dizem ONGs (24/06/2021):

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57595804

Homenagem-síntese ao aniversariante Chico Buarque

E para a alegria de milhares nas redes, Chico Buarque passou pelas manifestações do #19JForaBolsonaroeMourão justamente no dia de seu aniversário (ver vídeo e fotos mais abaixo)!

Vídeo: Mais de 500 mil óbitos na pandemia e manifestações do #19J pelo Fora, Bolsonaro e Mourão!

Abaixo, vídeo amador que fiz para meu canal no YouTube em que coletei, primeiro, as declarações absurdas desse sujeito do início da pandemia em março de 2020 até agora, e depois fotos e vídeos das manifestações nacionais exigindo o fim do DESgoverno:

 

Marxismo e LGBT+: um esboço de alguns apontamentos centrais

<blockquote class=”instagram-media” data-instgrm-captioned data-instgrm-permalink=”https://www.instagram.com/p/CO_r20PDfRm/?utm_source=ig_embed&amp;utm_campaign=loading” data-instgrm-version=”13″ style=” background:#FFF; border:0; border-radius:3px; box-shadow:0 0 1px 0 rgba(0,0,0,0.5),0 1px 10px 0 rgba(0,0,0,0.15); margin: 1px; max-width:540px; min-width:326px; padding:0; width:99.375%; width:-webkit-calc(100% – 2px); width:calc(100% – 2px);”><div style=”padding:16px;”> <a href=”https://www.instagram.com/p/CO_r20PDfRm/?utm_source=ig_embed&amp;utm_campaign=loading” style=” background:#FFFFFF; line-height:0; padding:0 0; text-align:center; text-decoration:none; width:100%;” target=”_blank”> <div style=” display: flex; flex-direction: row; align-items: center;”> <div style=”background-color: #F4F4F4; border-radius: 50%; flex-grow: 0; height: 40px; margin-right: 14px; width: 40px;”></div> <div style=”display: flex; flex-direction: column; flex-grow: 1; justify-content: center;”> <div style=” background-color: #F4F4F4; 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overflow:hidden; padding:8px 0 7px; text-align:center; text-overflow:ellipsis; white-space:nowrap;”><a href=”https://www.instagram.com/p/CO_r20PDfRm/?utm_source=ig_embed&amp;utm_campaign=loading” style=” color:#c9c8cd; font-family:Arial,sans-serif; font-size:14px; font-style:normal; font-weight:normal; line-height:17px; text-decoration:none;” target=”_blank”>Uma publicação compartilhada por Fernando Graça (@f.e.r.n.a.n.d.o.g.r.a.c.a)</a></p></div></blockquote> <script async src=”//www.instagram.com/embed.js”></script>

A CPI da COVID, a eleição de 2022 e o objetivo da direita

Informações dos bastidores da política!

Está prevista para amanhã, dia 27, a abertura da “CPI da Covid” no Senado Federal para investigar e avaliar a omissão criminosa, a sabotagem explícita e a responsabilização do governo Bolsonaro (com e sem o sinistro Eduardo Pazuello, general incompetente que aceitou a conivência mortífera e a humilhação dum ex-capitão expulso) com relação à pandemia. Todo brasileiro sabe – mas especialistas endossam – que bastariam as falas e atitudes de Bolsonaro esse tempo todo para a responsabilização criminal, portanto a CPI serve para confirmar, trazer mais dados concretos e de transparência pública.

No entanto, podemos dizer que a CPI não é nem de longe formada majoritariamente por membros da esquerda, o único espectro político realmente lúcido durante toda a pandemia, mesmo não sendo monolítico e mesmo com momentos de concessões, equívocos liberalóides, utopias (ou peleguice) em relação à burguesia, pragmatismo.

Vejamos – os integrantes plenos da CPI são: Eduardo Braga (MDB-AM), Renan Calheiros (MDB-AL e relator), Ciro Nogueira (PP-PI), Otto Alencar (PSD-BA), Omar Aziz (PSD-AM e presidente da comissão), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Eduardo Girão (Podemos-CE), Humberto Costa (PT-CE), Randolfe Rodrigues (Rede-AP, criador da CPI e vice-presidente), Jorginho Mello (PL-SC) e Marcos Rogério (DEM-RO). Há ainda membros suplentes, praticamente dos mesmos partidos direitistas. PT é centro-esquerda, conta com um membro só, a Rede é oposição ferrenha entre a centro-direita e a centro-esquerda, mas trata-se dum partido errático, que há poucos anos defendia a Farsa Jato. E só. Os outros são de direita, a maioria com um pé no “Centrão” (direita sem ideologia).

Porém, o desenho supracitado é pouco favorável ao presiDEMENTE – não há nenhum nome totalmente fiel a ele e seus crimes. É por isso que o DESgoverno está desesperado, empenhando-se como nunca para se defender, e até mesmo tentando tirar Renan Calheiros da relatoria. Ele respondeu: “Por que tanto medo?”. Não falta quem tenha já dito e escrito que se os sicofantas que hoje possuem o governo federal em mãos tivessem tido o mesmo empenho para combater a pandemia, não estaríamos diante de quase – quase – 400 mil óbitos de brasileiros (e subindo).

Estivéssemos com um mínimo de poder popular, a CPI seria formada por conselhos nacionais de amplos setores da população, incluindo enfermeiros, juristas populares, cientistas e médicos. Como está, no entanto, promete ser uma pedra no sapato da extrema-direitalha. Explico:

Um dos acontecimentos políticos mais importantes da semana passada, que não pode deixar de ser desapercebido a respeito deste assunto, foi a entrevista de Gilberto Kassab, que manda no PSD, afirmando que Bolsonaro não irá para o segundo turno da eleição presidencial de 2022. (O PSD eventualmente faz parte, assim como o DEM, ora sim, ora não, do fisiologista “Centrão”, direita sem ideologia.)

Ao dar a entrevista, sinaliza para os atores políticos que começa-se a atuar com essa hipótese. O objetivo de setores da direita e da “centro-direita” é utilizar a CPI da COVID para desgastar ainda mais a imagem de Bolsonaro (ele tem uma reprovação enorme, sobretudo se considerarmos primeiro mandato) de tal modo que chegue combalido no ano de 2022 e não vá para o segundo turno.

Este também é um dos motivos pelo qual Arthur Lira (presidente da Câmara dos Deputados através de conchavos e negociatas), assim como o anterior Rodrigo Maia, ainda não tirou da gaveta um dos mais de 100 (cem!) pedidos de impeachment. (E Mourão, grau 33 da maçonaria, dum partido pérfido e fraco, tampouco interessa à oposição e à situação.)

Por que a direita quer isso? Primeiramente, porque é mais vantajoso um nome que não seja, de cara, de extrema-direita, “independente”,  terrivelmente ruim, deteriorável, a isolar o país numa geopolítica já totalmente transformada (em português claro, estamos na contramão do mundo), e para continuar as contrarreformas neoliberais, apregoadas pela mídia hegemônica monodiscursiva, com visual low profile, enganoso, já que são os mesmos que apoiaram Bolsonaro antes; segundo, porque a direitalha (que nunca se assumiu como de direita, senão perde voto) está tão prejudicada por conta de Bolsonaro, assumidamente de direita, que eles sabem o que vão enfrentar.

Assim, abre-se espaço para outro candidato da direita, ou seja, esses setores direitisitas e até oligárquicos, representantes do pior empresariado, consideram (e os institutos de pesquisa atestam previamente) que Lula/PT, como sempre, por ter base social sólida e legado, está inevitavelmente no segundo turno e que ele vencerá se enfrentar Bolsonaro (tal como venceria em 2018 não tivesse sido preso indevidamente), daí a preocupação desses setores de emplacar outro nome (que ainda não têm), já que Bolsonaro, além de enfraquecido e encurralado, atuando apenas para se safar de tantos crimes seus e de sua familícia, não dá espaço para Kassab e afins.

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Quando eu tinha 12 anos de idade e já queria ser escritor, fiz uma pergunta a Giba Assis Brasil!…

Para a minha grata surpresa e até emoção, justo nesta fase de minha vida em que estou às avessas com uma crise pessoal e bloqueio criativo, ao pesquisar o meu nome completo no Google, descobri uma pergunta que escrevi quando tinha 12 anos de idade (!) para o roteirista, diretor e montador Giba Assis Brasil, e a sua respectiva resposta (que não poderia ter sido melhor!), publicada abaixo em 2016:

Para um escritor de 12 anos” (no caso, eu ou era/fui eu, embora algo, não tudo, daquele menino de 12 anos ainda esteja em mim, mesmo tendo eu mudado tanto já nestes suicidários 27 anos)

http://www.casacinepoa.com.br/o-blog/giba-assis-brasil/para-um-escritor-de-12-anos

Obs.: Eu não preferia literatura infanto-juvenil, conforme supôs Giba em sua bela resposta. Ao contrário, eu justamente já pendia para as referências literárias que ele sabiamente aconselhou! Não muito tempo depois, ainda na adolescência, eu nunca mais fui o mesmo quando Ficções de Borges veio parar em minha mão por conta dos livros que minha prima-tia dava a partir das sobrinhas dela, estudantes de vestibulares, e também tornei-me especialista em Machado de Assis.

Lula readquire os direitos políticos e está elegível para 2022: vamos pensar?

Não existe “polarização” (farsa da ideologia liberal): existem lutas de classes, ora veladas, ora abertas, como já afirmava o Manifesto Comunista, e com seus respectivos representantes ou lideranças…

Escrevi, há poucas semanas, um texto crítico com relação a Lula, intitulado “Lula e a utopia da conciliação de classes“, mas nunca deixei de considerar o fato inconteste de ser ele a maior liderança orgânica do país e uma das maiores do mundo – em determinados momentos, um protagonista do movimento progressista.

Agora, a reabilitação dos direitos políticos de Lula com a anulação dos processos dos lesa-pátria lavajateiros de Curitiba – por um Edson Fachin que, com toda certeza, quis com sua manobra livrar Sérgio Moro, agradar a gregs e troianos – e, já no dia seguinte, o início do julgamento da suspeição de Moro pelo Supremo Tribunal Federal (que Faschin quis interromper, revelando sua intenção) certamente restauraram a cidadania e provocaram uma onda de alegria, entusiasmo, fôlego e alívio em milhões de brasileiros num momento terrível e cinzento de DESgoverno, falta de liderança, desmobilização, isolamento geopolítico, distanciamento sanitário, crise capitalista, sufoco, descrédito, nenhuma perspectiva, ataques direitistas e pandemia mortífera. Tento não me deixar levar e ter os pés calcados na crítica.

O momento talvez lembre, guardadas as enormes diferenças contextuais e até de estatura das figuras, a ditadura de Vargas I e a promessa de um Prestes Cavaleiro da Esperança redentor, que não se cumpriu. Aliás, ambos – na verdade, Vargas II – subiram juntos em palanque anos depois…

Agora, pensem bem. Se a grande mídia hegemônica – Globo, Folha, Estadão – está fula com Lula  (chamando-o de “monstrengo”, mais uma vez investindo no terrorismo da época da Guerra Fria ao dizer que ele joga o Brasil “num turbilhão de incertezas”, sendo que governou também para eles e para o empresariado por 8 anos, estupidamente nivelando-o com Bolsonaro, já que o plano seria emplacar um direitista que continuasse com as contrarreformas antipopulares, o que eles não têm, etc.), Lula, um utópico da conciliação de classes, imaginem o que os capitalistas e seus capangas fariam contra um comunista, um marxista realmente calcado na teoria e na práxis que fosse intelectual/líder orgânico e tivesse enorme organização popular consigo!

Isto é para vocês verem o quão ignóbil e desprezível é a nossa elite econômica, o quão a centro-esquerda apenas ocupa posições que deveriam ser de uma direita minimamente sensata, o quão irracional é a direitalha, que só ganha com marionetes toscas não-orgânicas, bizarras e exóticas sem projeto sério – Jânio, Collor, Bolsonaro, etc. Diante dessa miséria ideopolítica, resta à doutrina marxista ser ainda minoritária na esquerda – mas sua força é explosiva!

Os destinos de Marighella, Che Guevara, Allende (um médico equilibrado, que disputou eleição nos conformes da regra eleitoral da farsa burguesa, porém autoproclamado comunista e suicidado por Pinochet e EUA!), personagens da Intentona Comunista e muitos outros nomes deste continente e alhures (praticamente todo marxista e comunista) que o digam, a própria História mostra o que acabo de afirmar sobre o elitismo anticomunista…

Para terminar, cabe uma palavra filosófica. Obviamente, não se trata apenas da situação de que uma transformação radical exige uma reação radical, de que um processo revolucionário justificaria a contrarrevolução (fórmula nazifascista em favor dos capitalistas e proprietários fundiários), mas o inverso, a transformação é radical justamente pelas próprias condições dadas no jogo de tabuleiro após a acumulação primitiva e a concentração da posse, porque os oponentes de tal transformação já estão fortemente armados contra a melhoria da humanidade e da socioeconomia para perpetuar seus sórdidos interesses e privilégios de classe dominante, que queremos abolir e socializar a todos e todas.

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CPI da COVID já para enquadrar os crimes do presiDEMENTE Jair Bolsonaro!

Ter, em plena crise e pandemia, cancelado o auxílio emergencial, fechado e cortado o financiamento de mais de 8.000 leitos de UTI, promovido aglomeração praticamente semanal, combatido o uso de máscaras de proteção, desdenhado das vacinas, atrasado a aquisição, propalado negacionismo corrupto da perigosa e ineficaz cloroquina, atrasado oxigênio para Manaus e outras cidades, omitido a própria (ir)responsabilidade, isolado o Brasil – que sempre fora referência mundial em Saúde Pública e em vacinação em massa – do resto do mundo, destruído o ministério da Saúde, calado sem nenhuma palavra de solidariedade a tantos óbitos diários de brasileiros etc. são motivos mais do que suficientes para uma CPI da COVID, de preferência com ampla participação popular, ao invés de ser joguete para a direita desidratá-lo e tentar emplacar outro nome para chamar de seu.

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Ciro Gomes, falastrão do degenerado PDT, agora busca aliança com a direitalha do DEM e do PSD!

Ciro Gomes, falastrão do degenerado PDT, agora se aproxima da direitalha do DEM e do PSD!

Nunca passou do primeiro turno. E é desequilibrado emocionalmente para ser líder ou presidente.

PDT (“Cavalo de Tróia” para a esquerda) está cada vez mais votando com Guedes, assim como o PSB (que deveria retirar o “Socialista” da sigla).

O pior é a mídia hegemônica, monomaníaca quanto às contrarreformas neoliberais, chamando esses partidos de “centro”. No máximo, Centrão (direita sem ideologia, como tenho insistido).

https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/02/27/ciro-busca-aliancas-para-2022-e-diz-que-tarefa-e-tirar-pt-do-2o-turno-contra-bolsonaro.ghtml

Ciro Gomes afirma na entrevista acima de hoje que “a tarefa é tirar o PT em 2022 contra Bolsonaro”. Ora, sou marxista e comunista. Nenhum problema em tirar o PT, APENAS E DESDE QUE FOSSE um grupo com uma organização popular ainda mais à esquerda do que os petistas, que, no entanto, ao contrário do PDT, têm integralmente votado contra os absurdos de Bolsonaro e Guedes. Um grupo contra a peleguice e o pragmatismo.

Não é o caso. Tirar PT com o PDT degenerado junto à direitalha do DEM e do PSD É ENORME ATRASO…

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A bilionária Luiza Trajano, assim como todo capitalista…

Esses dias, saiu pelos jornais a informação de que Fernando Haddad cogita chamar Luiza Trajano, dona do Magazine Luiza, como sua vice para a eleição presidencial de 2022. Assim, o PT – “Partido dos Trabalhadores” repetiria a dupla Lula-José de Alencar (que também era empresário).

A bilionária Luiza Trajano, assim como todo capitalista “bem intencionado”, fala de variadas pautas e temas com a centro-esquerda e direita: ecologia, educação, inclusão social, vacina, direitos, etc. Tal qual a ruralista Kátia Abreu…

Agora, convidem-na para falar sobre mais-valor (a exploração do capital) ou para criticar e superar a sociedade de classes, de preferência na presença de trabalhadores e trabalhadoras do Magazine Luiza. Nenhum burguês se sustenta. Capitalista tem interesses de classe.

A utopia pelega da conciliação de classes foi o que nos atirou no cenário atual de devastação e ataques elitistas e de falta de mobilização popular imbatível. O jogo precisa se inverter.

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Outro livro não-marxista e contra a revolução socialista: refutando Branko Milanović e seu ‘Capitalismo Sem Rivais’

Capitalismo Sem Rivais – O Futuro do Sistema Que Domina o Mundo, lançado em 2020 (ano passado), é outro livro antirrevolucionário (no texto anterior, que merece ser lido, demoli Hayek), e este tem a decência ética de reconhecer a desigualdade no capitalismo. É fraquinho, mas devemos saber o que não-marxistas tentam pensar, e é fácil provar que não é nada de fecundo.

Duas ideias são oferecidas: “capitalismo meritocrático e liberal” (que nomezinho!) e “capitalismo político” (?!). O primeiro pretende se referir aos EUA; o segundo, à China. Não me aprofundarei no papel do complexo industrial-militar nem no fato de que o Estado capitalista dos EUA subsidia as empresas tal como o apoio do governo chinês às empresas da China. E lhe falta o básico sobre a teoria do Estado e sua história superestrutural a partir da estrutura!

O central está no último capítulo, denominado “Futuro do capitalismo global”. Após apresentar o capitalismo contemporâneo como “amoral” por impor a forma mercadoria a quase tudo (ao menos isto!), Branko Milanović (que já deu entrevista ao programa brasileiro Roda Viva da TV Cultura) pergunta se há um sistema que possa substituí-lo. A sua resposta é thatcherista: “o problema com tal avaliação sensata é que não há uma alternativa viável para o capitalismo hiper mercantilizado”. Sua justificação: a) “as alternativas criadas no mundo se mostraram piores – algumas delas muito piores”; b) “não se pode ter a esperança de manter tudo isso” – ou seja, os “bens e serviços que se tornaram parte integral de nossas vidas” – “destruindo o espírito aquisitivo ou eliminando a acumulação de riqueza como a única forma de sucesso”.

No primeiro pseudoargumento, toma as experiências dos “socialismos reais” como definitivas, sendo que no mesmo livro as considera infiéis ao pensamento de Marx! E lhe falta antropologia política para afirmar categoricamente que são “piores”! Acertadamente, viu que não alcançaram o socialismo – eram sociedades atrasadas que alçaram-se no caminho do desenvolvimento capitalista. (Para este aspecto, é importante conferir a teoria do elo mais fraco, elaborada por Lênin.) Porém, é falácia (i)lógica presumir que eventos de ontem eliminam eventos de amanhã.

A segunda conclusão requenta a perversa pseudotese de Fukuyama com utilitarismo e pragmatismo ainda mais burgueses. O próprio Fukuyama já se desfez dela, conforme lemos na imprensa! O cínico Milanović saúda o egoísmo como um traço desejável da “natureza humana”. Puro idealismo. Deve ter achado isso depois de liderar pesquisa no Banco Mundial…

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O melhor argumento contra o socialismo ainda é ruim: refutando Hayek e ‘O Caminho da Servidão’

O melhor argumento contra o socialismo ainda é muito ruim. Está em Friedrich August von Hayek (1899-1992), opositor impenitente de qualquer forma de socialismo e até de qualquer social-democracia; anticomunista, antimarxista, aquele que afirmou preferir uma ditadura sanguinária como a de Pinochet com mercado autorregulado (neoliberalismo) do que “democracia” com regulação. O Estado vira pura coerção; o mercado, pura tirania. Fome e repressão. Basta isto para qualquer ser lúcido manter-se distante desse perverso. Mil vezes melhor um Polanyi, na mesma época pós-guerra, contra a forma mercadoria: a autorregulação do mercado é que levou ao nazifascismo, porque, ao ver-se ameaçada, a classe trabalhadora faz movimento brusco para proteger-se (infelizmente, tal movimento, a priori revolucionário, é cooptado pelos nazifascistas reacionários)!

É preciso, porém, encará-lo para desmontá-lo:

A pseudotese deste autor da “escola austríaca” vê o mercado como um sistema descentralizado e “insuperável” por promover o encontro de ofertantes e demandantes de mercadorias. Nada sobre classes sociais! Contra qualquer intervenção socialista, Hayek o define como uma “auto-organização insubstituível” (pérfida metafísica!) que reproduziria a sua própria estrutura. Ora, um sistema autônomo e livre de liames sociais não existe, e ninguém jamais conseguiu provar sua existência! (Cf. Lukács, Conversando Com Lukács, São Paulo: Instituto Lukács, 2014, p. 54.) É ficção. Nem mesmo admite a intervenção do Estado burguês pela legislação e na segurança coercitiva da propriedade… Para Hayek, a relação sob o capitalismo seria espontânea – mas, na vida real, constatamos que o mercado é, na sociedade de classes burguesa, seletivo e hierarquizado, sem contar o papel da mídia e da propaganda, que servem à classe dominante!

A economia mundial, para Hayek, não opera com a razão. A razão pode arruiná-la. Ora, estamos diante dum irracional confesso! A justiça social destruiria “uma civilização que nenhuma mente planejou, pois ela cresceu a partir dos esforços livres de milhões de indivíduos”. Podemos notar, assim, que Hayek, como todo direitista, não sabe de História (sobretudo a história da acumulação primitiva mostrada por Marx em O Capital). Hayek diminui a construção humana para elevar e santificar um sistema abstrato.

Fácil desmontar o cerne da pseudotese: basta apontar sua defasagem quanto à teoria do valor e mostrar que, seguindo o erro do liberalismo e da economia vulgar desde o século XIX, Hayek apreende o capitalismo apenas na aparência (a circulação de mercadorias), sem alcançar ou até escamoteando a relação de produção que é sua essência: a contradição entre capital de um lado e trabalho assalariado do outro, comprovada pelo mais-valor (ou mais-valia, na tradição tradutória brasileira) e que revela a exploração classista e a dominação política.

Por que é o melhor (pseudo)”argumento” contra o socialismo, então? Porque o socialismo, para ter sucesso, não pode ser governado por um “sujeito automático” e “acumulativo”, e sim por um télos associado às necessidades humanas e ao enriquecimento cultural de todos. É famoso o lema comunista por excelência lançado por Marx na Crítica do Programa de Gotha para a transição socialista: “De cada um conforme suas capacidades; a cada um conforme suas necessidades!”

E por que é ruim, além dos equívocos já apontados? Porque não passa duma apologia barata (apologia do mercado capitalista tirano) com pitadas de charlatanismo, exacerbação idealista do individualismo e até bandidagem fascistóide e burguesa, que só serve à matriz da corrupção, que certamente advém do próprio mercado: um sistema baseado na concentração dos meios de produção e no lucro acima de tudo só pode ser corrupto e, hoje em dia, cada vez mais autocrático com seus bilionários, monopólios, conglomerados, OMCs, FMIs, FIESP, CIESP, etc. etc. etc. a decidir tudo de cima para baixo a despeito do povo, dos trabalhadores e mesmo dos partidos ou organizações democráticas.

Na construção da sociedade comunista (abolição do capital, fim da divisão e antagonismo de classes, abolição do sistema de trabalho assalariado em nome do trabalho fundante, dissolução do Estado-coerção, meios de produção socializados para a sociedade, propriedade comunitária, etc. etc. etc.), o mercado sem dúvidas terá de ser mitigado ou até destruído, conservando dialeticamente o que possa haver nele de de positivo para a humanidade.

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‘Big Brother’: parece que só no Brasil a esquerda morde a iscarmadilha da Globo capitalista e golpista…

O ‘Big Brother’ (produto-entretenimento superficial e importado com marketing, propaganda, clichês e diálogos e cenas manipulados em que subcelebridades egoístas e malévolas se devoram para ganhar dinheiro) faz sucesso no mundo todo, mas não sei se a esquerda dos respectivos países morde a isca tão fácil assim como a esquerda brasileira, partidos, movimentos sociais, que se envolvem a tal ponto no ibope lucrativo, mordem a isca do marketing de identitarismo da Globo capitalista, emissora hegemônica que defende diariamente as contrarreformas neoliberais e o mercado. Preferem ser aceitos, empregados, cooptados pelo capitalista branco e hetenormativo do que realmente destruir a estrutura capitalista! É degradante.
Basta dar uma olhada nas redes antissociais.
A esquerda brasileira (aqui, sim, igual à do resto do mundo em retaguarda pós-moderna), contaminada de identitarismo, de arrivismo, em falta de construção revolucionária e lutas de classes, morde a isca da Globo, porta-voz de banqueiros e elite econômica. A Globo – progressista e liberal nos costumes, mas conservadora na economia – “sacou” isso e se dá bem jogando com o identitarismo. Não é à toa que a extrema-direitalha à lá Bolsonaro (mas também no resto do mundo) acaba agregando e enganando setores populares da classe trabalhadora, que identificam a esquerda lato sensu com esse “lixo cultural” importado, transbordando ideologia pequeno-burguesa e individualismo. Precisamos de Arte (e o Brasil a tem de sobra), da criação de uma nova cultura crítica e popular, de Economia Política, de Filosofia da práxis, de jornalismo e debates públicos que conscientizem o que acontece no país, não disto, muito menos da Record charlatã, retrógrada e evangelofundamentalista.
7 de fevereiro de 2021

Lula e a utopia da conciliação de classes

“Você está lembrado qual foi a atitude que eu tomei quando eu ganhei as eleições? Você está lembrado que eu coloquei todo ministério em um avião e levei todos os ministros para os quatro lugares mais pobres do Brasil? O que que eu queria com aquilo? Eu queria que um Meirelles, que era banqueiro, eu queria que um Palocci, que era médico, eu queria que um Furlan, que era empresário, conhecesse uma palafita, que vissem o homem e a mulher [que] no mesmo lugar que eles defecavam eles comiam, eu queria que eles vissem a quantidade de meninas com dois ou três filhos com pai desaparecido, eu queria que eles vissem o vale do Jequitinhonha, queria que eles conhecessem o mundo tal como ele é, não o mundo de Brasília. Então a esquerda tem que assumir compromisso”. – Luís Inácio Lula da Silva, entrevista a Glenn Greenwald no cárcere, 21 de maio de 2019 (vídeo completo; transcrição em texto)

“Twitte” oficial de Luís Inácio Lula da Silva a partir de entrevista sua em fevereiro de 2021.

Jamais me esquecerei – e quero ainda pôr isto em cena teatral tragicômica – de Lula, a maior liderança popular e orgânica de centro-esquerda do mundo contemporâneo, o único a encher de gente tanto o Nordeste quanto a Avenida Paulista, partícipe das maiores greves do país, ex-metalúrgico de base, co-fundador de um Partido dos Trabalhadores, Presidente do Brasil duas vezes em eleições históricas e de massas, na cadeia, em entrevista a Glenn Greenwald (em que, inclusive, lembra enfático que nunca declarou que faria um governo socialista), ORGULHOSO em contar que seu ato primeiro de governo foi reunir seus ministros, o banqueiro Meirelles, o empresário Furlan, o médico Palocci e levá-los para ver como vivem os brasileiros nas palafitas (ele mesmo viveu em uma, sabe na pele como é!), metro cúbico em que onde se come é também onde se faz as necessidades fisiológicas. Se eu fosse pintor, já teria pintado a cena memorada em estilo portinaresco.

Este episódio factual é o suprassumo da utopia da conciliação de classes, que se tornará visivelmente insustável com a Presidenta Dilma Roussef! Utopia na acepção negativa da palavra. É o cúmulo da ingenuidade! Ou talvez não seja ingenuidade: “Vim mais à FIESP do que à CUT“, declarou o Presidente Lula em 2010, já deixando o segundo governo, a empresários de São Paulo, e não em tom de arrependimento, e sim para mostrar ao empresariado capitalista que eles “nunca ganharam tanto dinheiro” quanto no seu governo, que esteve mais ao lado deles do que da Central Única dos Trabalhadores… De qualquer forma, trata-se de um dos piores e melhores momentos da História do Brasil! Quem quer entender o que vivemos hoje precisa mergulha na reflexão daquele acontecimento. É exemplo do que a esquerda não deve fazer, é exemplo tácito de que devemos lutar para fazer o oposto! Um ex-metalúrgico (profissão extinta, aliás), com a máquina do Estado brasileiro nas mãos, servindo de mediador político entre subproletariado e apáticas burguesia e pequena-burguesia, que odiarão a mínima ascensão social promovida, no momento mesmo em que o capital hegemônico estrangeiro, especialmente da reação dita imperialista dos EUA, tampouco admitirá o protagonismo brasileiro! As lutas de classes são um dado científico, e as primeiras linhas do Manifesto Comunista de 1848, o qual o ex-deputado federal petista José Genoíno (partícipe na Guerrilha do Araguaia e de reputação destruída após o famigerado “mensalão”) cita no final de entrevista de 4 dias atrás como norte da fileira pela qual ele luta, mostrou que “opressores e oprimidos sempre estiveram em oposição, travando luta ininterrupta, ora velada, ora aberta, uma luta que sempre terminou ou com a reconfiguração revolucionária de toda a sociedade ou com o ocaso conjunto das classes em luta”. (Resta saber, tendo como base de discussão a argumentação lançada pelo grande filósofo Álvaro Vieira Pinto em Consciência e Realidade Nacional, o momento em que as lutas de classes nacionais, internas, seriam menos importantes e mais secundárias do que as lutas de classes entre o país subdesenvolvido e as forças externas hegemônicas, mas Vieira Pinto defende essa tese antes do golpe de 64, pensando em ampla integração desenvolvimentista nacional e com boas reformas estruturais em torno de João  Goulart… A revolução pode ser incerta, mas a contrarrevolução, neste continente que luta há séculos por sua emancipação, é sempre certa, daí a necessidade da construção revolucionária e da luta pela hegemonia antes da conquista do poder governamental, tal como propõe Antonio Gramsci.)

Mas não poderia ser mais tragicômico o episódio referido: Henrique Meirelles (24° Presidente do Banco Central do Brasil sob o governo Lula) depois foi ser ministro da Fazenda do governo ilegítimo de Michel Temer pós-golpeachment, depois Secretário da Fazenda e Planejamento do governo estadual austero do tucano João Doria, ou seja, nem quis saber da prisão de Lula, retirado propositalmente da eleição, e de seu impacto ao país, enfim, tem cabeça de banqueiro (salvo engano, a sua candidatura à presidência em 2018 foi a mais cara de todas, talvez mais cara do que a do tosco Amoedo do Partido “Novo”: Meirelles, o gorduroso indolente, se deu ao luxo de tirar milhões do bolso, mesmo sabendo que perderia!), assim como Luiz Fernando Furlan (ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior no governo Lula) tem cabeça de empresário, e ambos devem embarcar nos últimos anos – ou desde já aquela época da coalização entre PMDB e PT – na monomania midiática desprezível e renitente de contrarreformas neoliberais (defendidas agora por Lira e Pacheco no DESgoverno Bolsonaro, que já em campanha em 2017 e antes da posse, em 2018, primou pelo ódio racista às classes subalternas e defesa vocal do patronato), contrarreformas que nos atiram no atraso e atacam a classe trabalhadora, que dirá os brasileiros quase sem classe que vivem em palafitas, já que, de lá para cá, também aumentou o número de seres sociais e até famílias nas ruas, pivetes nos sinais – doenças que tinham acabado, assim como o Brasil retorna ao Mapa da Fome do qual tinha se livrado pelo projeto petista (Fome Zero e outros); Antonio Palocci (ex-ministro da Fazenda no governo Lula, tendo renunciado) talvez seja caso ainda pior, pois, como todos sabem, voltou-se direta e pessoalmente contra Lula (que o rebateu e o justificou chamando-o de “médico, frio” diante do juizeco-asset Sérgio Moro), acusando Lula em processo de corrupção para se safar em delação premiada (a Polícia Federal acabou concluindo que a delação de Palocci não se sustenta).

Eis a índole bandida da burguesia e da pequena-burguesia, e toda política conciliatória pragmatista significa nos colocar nas mãos dessa gente cujo rosto sem máscaras é Bolsonaro, porta-voz de todos os vícios, esculhambações, incompetências, crueldades e pensamentos mais secretos e sinceros da educada e bem asseada burguesia, tal como o fenômeno que ocorre no romance O Retrato de Dorian Gray, do socialista Oscar Wilde, e tal como Hitler em 1932 em discurso num clube de industriais alemães, afirmando que para a classe dominante perpetuar seus privilégios, seria preciso sacrificar as outras classes, porque a crise havia mostrado que “não há o suficiente para todos” (como se vê, o nazifascismo, surgido do capitalismo, é o extremo-oposto do generoso e justo comunismo, cuja fórmula Marx inscreve na Crítica do Programa de Gotha: “de cada um conforme a sua capacidade, a cada um conforme a sua necessidade“)…

O próprio sociologóide weberiano FHC, muitas vezes visto como o contraposto de Lula (adversários clássicos e representantes políticos de classes em conflito entre si), denominado “príncipe dos tucanos”, incólume pela justiça elitista, que surge sempre na mídia grande como se tivesse sido exemplo de presidente (na verdade, seu governo fraco e pró-FMI testemunhou significativas greves, fome, desleixo social), disse, anos atrás (cerca de 2008) em entrevista ao Canal Livre, que Lula, apesar de ter sido metalúrgico, surgido das Grandes Greves do ABC Paulista, nunca viu o mundo sob o prisma das lutas de classes, e sim da conciliação, de uma democracia cristã ou algo do tipo. Quão certo ele está! Sentando-se com o empresariado da FIESP de um lado e sindicatos e organizações de trabalhadores do outro, esse intruso (para as elites) vindo num pau-de-arara do sertão pernambucano, mas ingênuo “antileninista”, não duvido que com a melhor das intenções e em busca do bem comum (o qual será sempre superficial na sociedade de classes, a menos que vire bem comunista, isto é, tomada, expropriação, distribuição e socialização da propriedade privada dos meios de produção), julgava encontrar para ambas as partes luz no fim do túnel. A luz era um trem.

Na verdade, foi pior do que isto, foi pior do que ingenuidade. “Vim mais à FIESP do que à CUT“, declarou Lula em 2010 a empresários em São Paulo, no ano em que deixava seu segundo governo. E tal frase não era em tom de arrependimento, e sim para mostrar ao empresariado capitalista que eles “nunca ganharam tanto dinheiro” quanto no seu governo, que esteve mais ao lado desses do que da Central Única dos Trabalhadores.

O “cavalheiro da esperança” vã, Prestes, nos anos 1980, já tinha um pé atrás e insistia em entrevistas que Lula deveria ler teoria, ser marxista, uma vez que era quadro orgânico advindo da classe trabalhadora e da base da pirâmide social. Não basta sentir na pele, se não se assimila no cérebro. Aqui, há toda a problemática da Crítica (da teoria) e da prática a ser resolvida dialeticamente em unidade (muito bem formulada por Gramsci), jamais com dualismo. Mas o PT possui ojeriza da teoria e nem mesmo a sua Fundação Perseu Abramo estimula a práxis a partir de uma teoria minimamente marxista. As escolas do MST, que possuem como guia Paulo Freire, vão até onde? Quem poderia suprir essa defasagem em Lula, a “cabeça” de Lula para finalmente chegar à vitória federal após quatro derrotas (ainda que tenha chegado sempre no segundo turno) foi José Dirceu, que era comunista na juventude, mas não mais na maturidade sob o marqueteiro eleitoreiro Duda Mendonça e a Carta ao Povo Brasileiro para acalmar o mercado com a vitória em 2002. Hoje, sim, com a reputação destruída, Dirceu retorna ao discurso socialista (basta assistir o final de sua entrevista com o liberal social Fernando Haddad), assim como José Genoíno, ambos tentando recuperar o tempo perdido… Este último assumiu, na entrevista já referida de 4 dias atrás, que o “PT teve ilusões com o compromisso democrático da burguesia”. Estranho que tenha sido preciso um trauma tão grande, que fez até mesmo camadas populares, não só a pequena-burguesia, ter ressalvas a um partido que se chama dos trabalhadores após a intensa campanha midiática de demonização com táticas da Guerra Fria, financiada pelos capitalistas com o dinheiro da classe trabalhadora, para surgir a consciência do óbvio.

De fato, mesmo nos estertores recentes, quando as instituições burguesas mostram-se falidas, quando a Constituição de 1988 demonstra suas fragilidades sociais e políticas e uma franja pilantra e alucinada chamada extrema-direita irrompe com discurso radical, não cabe à esquerda ser conservadora e defender as intuições que só prejudicam a classe trabalhadora, e sim ser ainda mais radical e mostrar a farsa do outro lado. Não cabe falar em “democracia em vertigem”, pois esta democracia é a ditadura do capital, e há uma outra democracia possível, popular, direta, de conselhos a ser defendida, não a “democracia” das instituições conservadoras na economia. (Aliás, o documentário de Petra Costa é crítico, ao contrário do que muitos dizem, porque não só registra o fato do partido ter se distanciado das bases em nome do pragmatismo, como também mostra o Lula que confrontava os bancos nas campanhas em que perdeu, até investir na ampla agregação nacional, quando ganhou.)

O máximo que Lula conseguiu chegar foi em histórico vídeo do tradicional dia 7 de setembro de 2020 (Dia da Independência do Brasil), ainda que com trilha de fundo forçada, já liberto, em que destoa muito acima do discursesco deplorável e esquecível do medíocre, limitado, tacanho, tartamudo Jair Bolsonaro e critica o capital (fez quase lembrar o célebre discurso de Lincoln, que distinguia o capital do trabalho, assim como Marx, que lhe escreveu efusiva carta na Associação Internacional dos Trabalhadores) e mostra-se um verdadeiro líder protagonista e calejado, mas isto não passa de retórica, pois as pautas petistas são as mesmas, agora sem boom dos commodities, e há mesmo socialistas, comunistas, marxistas já se perguntando se o discurso anticapitalista do PT não serve para conquistar eleitoralmente as esquerdas sem entregar realmente pautas compatíveis com a fala… Só haverá transformação real nesse partido (e sua renovação para transformar o Brasil, já que é o maior do chamado “campo progressista”) quando a Juventude Socialista do PT deixar de ser agremiação de militontos, virar realmente socialista e expulsar, junto à classe trabalhadora, a cúpula jurídico-pelega, ou então é melhor disputar a teoria revolucionária num partido dito comunista ou apostar as fichas e a energia na criação dum novo partido…

O fato é que a centro-esquerda petista, cada vez mais burocrática (ou pelega, se quiserem, mas sem surpresas, pois o PT nasce não do marxismo e sim do sindicalismo que já acabou enquanto espaço amplamente agregador das lutas e que se limitava a melhores condições de trabalho e a melhores salários, sem nada falar de mais-valia ou mais-valor), surfando com extrema competência administrativa e sensibilidade social no boom dos commodities, desconsiderando até mesmo reformas em troca de programas sociais, entre o pragmatismo, o assistencialismo, o consumismo, o eleitorismo e outros ismos, fortalecendo a carteira assinada, mas sem consciência revolucionária (foi fácil a direitalha surgir e destruir tudo, pois não havia estofo construído por baixo), pintou de lindos esmaltes as unhas da elite capitalista, até o esmalte se desgastar e revelar as garras dos monstros…

7 de fevereiro de 2021

Estado e sociedade em Gramsci

Texto integral

Resumo

No artigo disponível acima, em profundo contato com os Cadernos do Cárcere e outros textos gramscianos e marxistas fundamentais, praticamente a cada parágrafo, eu mostro que, para o líder dirigente do PCI, militante da Internacional, deputado preso pelos fascistas e grande intelectual marxista Antonio Gramsci, Estado e sociedade estão em relação dialética, não dualista.

A separação entre ambos só interessa à ideologia direitista-burguesa, que demoniza o público, torna o Estado pura coerção, reivindica a tirana autorregulação do mercado (neoliberalismo e correlatos) e camufla a dominação de classes na sociedade civil (tida como espaço da “livre iniciativa”), seja sob a dominação da fábrica/empresa capitalista ou do consenso em escolas, mídia, jornais etc. Há, por outro lado, ingênua fenomenologia pós-moderna, sobretudo anarquista, pior ainda quando cita Gramsci (sem o estudar), que cai na armadilha liberal e, ao invés de lutar pela hegemonia da classe subalterna para esta tornar-se dominante (isto, sim, é Gramsci puro!), rejeita a luta política, reafirma a sua subalternidade.

Ao separar a superestrutura marxiana e engelsiana em dois níveis (“sociedade civil” e “sociedade política”), Gramsci une os dois níveis em teoria inovadora e fatídica sobre o Estado através do termo indissociável estrutura-superestrutura. (Basta citar o poder do lobby nas decisões dos parlamentos, o vínculo podre entre empresariado e políticos profissionais, a legislação burguesa que molda as ações da sociedade sob a forma mercadoria ou o notório fato de que as forças militares do Estado servem à defesa da propriedade privada dos meios de produção da burguesia…)

Gramsci, enfim, mostra que a sociedade civil é um momento do que ele chama de Estado integral ou ampliado e uma arena das lutas de classes. “Todo Estado é uma ditadura.” Esta teoria sustenta as estratégias práticas gramscianas da revolução no Ocidente (“guerra de posição”, “guerra de movimento” etc.) e a tese da “sociedade regulada” (comunismo), que é construída à medida que o Estado-coerção esgota-se e dissolve-se na sociedade civil para o fim da divisão de classes após a conquista do poder por trabalhadores revolucionários, de forma organizada e gradativa (tal como em Marx, Engels et al., com a diferença de que G. inova ao defender a conquista da hegemonia antes da conquista do poder governamental).

Leia o texto integral:

Dia péssimo – Arthur Lira eleito presidente da Câmara dos Deputados com apoio corrupto de Jair Bolsonaro

Jair Bolsonaro e Arthur Lira (Progressistas-AL): clientelismo, corrupção – direitalha mamateira e extrema-direitalha.

Dia triste. Abre-se um novo capítulo, com certezas e incertezas. Se ontem sentia-se o cheiro de impeachment por tantos crimes, hoje tudo se torna mais complicado.

Bolsonaro fará uma “reforma ministerial” para acomodar o Centrão em cargos fartos da alta burocracia federal, depois de torrar nosso dinheiro com emendas parlamentares bilionárias (cerca de R$3 bilhões, mais meio milhão de reais a véspera da eleição, em plena crise e pandemia) para comprar a velharia do Congresso. O Centrão lhe dará ainda mais musculatura, mesmo sendo este o DESgoverno mais inepto e tendo já nos isolado do resto do mundo. Quem quer mudar o Brasil, precisa entender que Lula (que também teve de fazer uma reforma ministerial para se sustentar mais, embora tivesse equipe competente e amplo apoio popular), Dilma e qualquer outro ficou nas mãos do Centrão, portanto é preciso investigar a base social e eleitoral na sociedade brasileira desse Centrão (uma direita sem ideologia, apenas fisiologista e mamateira). Só “paredão” (Paredón) não adianta, porque esses canalhas não brotam do “nada” nem vêm de Marte. Também é preciso insistir que a direitalha, incluindo PSDB, mídia e demais partidos de centro-direita, têm um enorme dedo de responsabilidade no que estamos vivendo, porque a direita no Brasil só ganha eleição apelando (Jânio Quadros, Collor, Bolsonaro – e basta lembrar da compra de votos pela reeleição de FHC), ou seja, não teve a mínima vontade de atacar a extrema-direitalha como se deve. À esquerda, nossa crítica se deve à falta de radicalidade nas pautas, à falta de estudo da teoria marxiana e de estratégicas socialistas que contribuam para uma construção revolucionária entre o povo, que prepare a sociedade civil pela disputa da hegemonia e eventual tomada de poder. Para ajudar na investigação desse obstáculo aos avanços sociais que é o Centrão, cumpre começar o básico, ou seja, a sua faceta institucional. O Centrão, hoje, é constituído pelos seguintes partidos: PP (40 deputados), Republicanos (31), Solidariedade (14) e PTB (12), mas, dependendo da situação e de quem der mais, juntam-se a estes o PSD (36 deputados), o MDB (34), o DEM (28), o PROS (10), o Partido Social Cristão (9), o Avante (7) e o Patriota (6).

O importante é que vocês entendam que, na hora do pragmatismo, nosso problema não é porra de fascismo nenhum. É direitalha e Centrão. Esquerda que fizer pesquisa a respeito disso terá caminho para começar a mudar o cenário a médio e longo prazo.

E, por trás da direitalha e do Centrão, o capital, a estrutura. Não seriam quem são não fosse a defesa do lucro, de setores fundamentais do empresariado brasileiro, etc.

Mas o mais importante é entender o papel da classe trabalhadora e do povo-nação nisto.

Agora, vamos a uma crítica ao tal “centro democrático”, que inexiste, apesar da ingenuidade da esquerda não-revolucionária, que parece adorar ser eternamente resistente e sadomasoquista, ao invés de usar sua plataforma mais bem estruturada e solidificada para trabalhar para governar e ensinar trabalhadores a governar:

O tragicômico da situação: PT, parte do PSOL (que depois foram vencidos e tiveram de votar em Erundina), PelegodoB, PDT e PSB (o menos de esquerda de todos), ou seja, partidos de centro-esquerda ou ditos de esquerda (138 deputados) apoiaram Rossi (crítico de Bolsonaro, apoiador das contrarreformas neoliberais), crentes de que o “habilidoso” Rodrigo Maia (DEM-RJ), que não passa dum banana e conivente, conseguiria elegê-lo contra Arthur Lira (Progressistas-AL). São uns ingênuos, para dizer o mínimo e no eufemismo… A direitalha só estava fechada com Rossi para chanteagar Bolsonaro a lhes dar mais. Tão logo isso ocorreu às vésperas da eleição, eles debandaram do lado de Maia para o lado de Lira. Não há ética nenhuma, nada importa a não ser dinheiro para seus redutos eleitoreiros e cargos fartos. Basta ver quantos votos Rossi recebeu, e de quem foi… Rs… A esquerda se presta a este papel ridículo! E, se parece sonhadora demais quando se desgarra desse pragmatismo da democracia liberal burguesa, deve procurar saber por que não tem força, para além de eleições, e sim em termos de construção social gradativa e estável (tal como propõe Gramsci).

Teria sido mais digno lutarem e votarem na Erundina ou num nome próprio, forte, ainda que mediador para além da esquerda, se é que há algum.

Faz lembrar de um episódio típico que eu ainda quero escrever para uma peça, colocar em cena! É como Lula, em seu primeiro ano de governo, levando seus ministros, o banqueiro Meirelles, o empresário Furlan e o médico Palocci para irem ver como o brasileiro vive em palafitas. E daí?! Não existe conciliação de classes, sobretudo quando já nada tem a ver com nazifascismo. Meirelles fez parte do governo ilegítimo do Temer, depois do Doria, é banqueiro, enfim; Furlani, cabeça de empresário, e Palocci (homem “frio”, segundo o próprio Lula diante do juizeco Moro) voltou-se contra Lula, invenntando mentiras contra ele em delação premiada para se safar. Essa ingenuidade na esquerda só é justificável por sua fraqueza, mas deve-se justamente buscar a força popular (não a força da velharia oligárquica e burguesa) para não se incorrer mais nesses episódios ridículos, que só levam a derrotas degradantes e vexatórias !

Com Arthur Lira, que ontem tinha discurso de paz e harmonia e hoje, mesmo dizendo que governará com direita, centro e esquerda, o tom será revanchista, com mais retrocessos à vista. Com ele, como com praticamente todos os antecessores, a Câmara Federal, antes de ser a Casa do Povo, é uma câmara anecoica, surda aos verdadeiros anseios da maioria.

Quanto a Bolsonaro (enfraquecido, apesar da maior musculatura  do seu DESgoverno) e seus milicos, não terão vida fácil: mês a mês o governo abrirá os cofres para saciar o Centrão, nosso dinheiro esfolado sem dó, sobretudo o dinheiro suado de milhares de brasileiros que trabalham na base da pirâmide social e que nada recebem em troca, nem sequer administram o que produzem ou lhes é ensinado a tomar os meios de produção. A tal da direita rachou. O Brasil ainda está sem projeto, sem futuro, sem emancipação, sem liderança.

Ps.: Rodrigo Pacheco (DEM-MG), apoiado por Bolsonaro e pelo PT, foi eleito no Senado Federal.

Ps.: A bandida Bia Kicis, investigada por disseminar fakenews criminosas e defender atrocidades direitistas, das poucas ferrenhas apoiadoras do DESgoverno Bolsonaro (junto à pilantra Carla Zambelli), presidirá a Comissão de Constituição e Justiça, a mais importante da Casa, pois é ali que se decide se passa ou não um projeto de lei. Eis um dos frutos abomináveis do “toma-lá-dá-cá”.

Ps.: Li nos jornais que há imensa expectativa da bancada ruralista em passar todo tipo de retrocesso e regressão: liberação de mais agrotóxicos, revisão dos processos de demarcação de terras indígenas, flexibilização do licenciamento ambiental e a regularização fundiária na Amazônia, etc. O que é o inferno de Dante perto disto?!

É degradante ser apenas resistente pelos tempos que virão. É preciso mais, é preciso pôr tudo isso abaixo! Não tenho carro nem sei andar de bicicletas para participar das carreatas em pandemia (as quais apoio e incentivo), mas tão logo houver imunização geral, é rua para mobilização popular, no mínimo.

Sobre o tripé marxiano ou marxista – a tese das “três fontes” em Engels, Kautsky, Lênin, Gramsci, Chasin, etc.

Texto em construção

Após muitas perguntas sobre esse termo que eu devo ter inventado, cumpre-me apresentá-lo, sobretudo neste momento de tantos desvios e deturpações com relação à teoria revolucionária. O termo é meu, mas não é nada de original ou de novo; trata-se da tese das “três fontes” e “três partes” do marxismo, ora criticada, ora reivindicada.

O marxismo não é monolítico; é, muitas vezes, oscilante, até contraditório e com divergências ferrenhas na própria luta ideopolítica. Porém, a teoria marxiana revolucionária é constituída por alguns princípios socioeconômicos, científicos, filosóficos e políticos básicos sem os quais não há marxismo de fato, porque tratam-se de descobertas seminais e próprias. (Por exemplo, sem a teoria do valor não se identifica a exploração do capitalismo; sem a concepção materialista da história, não se explica a estrutura e a superestrutura, etc.)

Engels

Exposição mais ou menos coerente do método dialético e da ideologia comunista defendida por Marx e por mim, numa série de domínios bastante vastos“, segundo escreve o próprio Friedrich Engels, a obra Anti-Dühring (1877 – recomendo a edição da Boitempo), que formou a primeira geração de “marxistas”, já visava se opor às deturpações do que seria o socialismo; livro “contemporâneo” a Marx, que, mesmo estando ocupado com O Capital, revisou e ajudou sobretudo a parte de Economia Política. A ideologia marxiana é dividida por Engels (ainda que interdependentes entre si) em Filosofia, Economia Política e Socialismo. Abaixo, o índice do livro (a parte da Filosofia será posteriormente criticada por Lukács, na medida em que a dialética engelsiana, com enfoque demasiado na natureza, desconsideraria o homem, o que compromete a práxis revolucionária):

Seção I – Filosofia

111. Subdivisão. Apriorismo
IV. Esquematismo do mundo
V. Filosofia da natureza: tempo e espaço
VI. Filosofia da natureza: cosmogonia, física, química
VII. Filosofia da natureza: mundo orgânico
VIII. Filosofia da natureza: mundo orgânico. Conclusão
IX. Moral e direito: verdades eternas
X. Moral e direito: igualdade
XI. Moral e direito: liberdade e necessidade
XII. Dialética: quantidade e qualidade
XIII. Dialética: negação da negação
XIV. Conclusão

Seção II – Economia política

111. Teoria do poder. Continuação
IV. Teoria do poder. Conclusão
V. Teoria do valor
VI. Trabalho simples e trabalho composto
VII. Capital e mais-valor
VIII. Capital e mais-valor. Conclusão
IX. Leis naturais da economia. Renda fundiária
X. Da História crítica

Seção III – Socialismo

Seção 111 – Socialismo
I. Aspectos históricos
11. Aspectos teóricos
111. Produção
IV. Distribuição
V. Estado, família, educação

Kautsky

As três fontes do marxismo (1908), livrinho de Karl Kautsky, teórico importante para o marxismo e que tivera contato com Marx e Engels no século 19, mas que logo no século 20 será chamado por Lênin de “o renegado Kautsky” por lamentavelmente ter apoiado a guerra imperialista de 1914, já expunha as três fontes a partir do que fora organizado por Engels em Anti-Dühring, porém de maneira mais acessível. Kautsky expõe as três explícitas influências: a economia política inglesa (Adam Smith e David Ricardo), a filosofia alemã (sobretudo Hegel e Feuerbach) e o socialismo francês (que Engels, em seu célebre ensaio Do socialismo utópico ao socialismo científico, opúsculo retirado do Anti-Dühring, chamará de “utópico”, isto é, o socialismo de Saint Simon, Charlie Fourier, Robert Owen, mas no qual Marx, antes de fundar o socialismo científico, entra em contato teórico-prático em sua experiência com a classe trabalhadora francesa revolucionária).

Lênin

As Três Fontes e as Três Partes Constitutivas do Marxismo (março de 1913), de Lênin, além do “Karl Marx (Breve Esboço Biográfico Seguido de uma Exposição do Marxismo)” de novembro 1914 são dois textos que estão nos meus 3 tomos calhamaços das Obras Escolhidas de Lênin, que, ao menos em termos teóricos, foi fiel a Marx, embora de maneira apressada e, portanto, um tanto quanto reducionista, mas trata-se do beabá: Lênin divide seu breve texto em materialismo e dialética (a partir de Hegel e Feuerbach), economia (Smith e Ricardo, mas sobretudo a teoria da mais-valia de Marx) e o socialismo enquanto lutas de classes. Para Lênin, enfim, há a concepção materialista da história, a teoria da mais-valia e as lutas de classes. Lênin cita duas obras importantes de Engels, Anti-Dühring e Ludwig Feuerbach, afirmando que são livros de cabeceira de “todo operário consciente”. O seu esboço biográfico de Marx seguido de uma exposição do marxismo é um tanto mais explicativo, inclusive sobre o valor.

Gramsci

(Aqui, temos um dos pontos em que Gramsci supera Lênin; há outros, e pretendo enumerar todos ou os principais em outro ensaio.)

Antonio Gramsci, que, nos Cadernos do Cárcere, dispõe de um laboratório terminológico e criptográfico original, refere-se (em parte para escapar da censura fascista, em parte para dialogar com outros autores que usavam tal termo) ao marxismo como filosofia da práxis. Defensor de uma filosofia de base historicista, Gramsci refutou todo e qualquer vestígio de metafísica, mecanicismo, economicismo vulgar e idealismo no tratamento do pensamento de Marx.

No § 33 (“Questões gerais”) e no § 46 do Caderno 11, Gramsci se contrapõe ao ensaio supracitado de Lênin (com quem militou enquanto membro do comitê executivo da Internacional Comunista e a quem define, nos Cadernos, como o “maior teórico moderno da filosofia da práxis”). Ele não descaracteriza as formulações expostas ali por Lênin, mas em Gramsci o tratamento do marxismo surge de maneira bem mais crítica, problematizada e complexa, porque suas condições são outras, enquanto que as preposições leninianas reforçaram a vulgata russa (promovendo parte considerável da vulgata marxista ocidental). Para Gramsci:

“Um estudo acurado da cultura filosófica de Marx […] é certamente necessário, mas como premissa ao estudo bem mais importante de sua própria e ‘original’ filosofia que não pode ser esgotada em algumas ‘fontes’” (Q 11, 70, 1.508 [CC, 1, 223]).

Gramsci parece se referir diretamente ao opúsculo de Lênin:

“Uma concepção muito difundida é a de que a filosofia da práxis é uma
pura filosofia, a ciência da dialética, e as outras partes são a economia e a política; daí se afirmar que a doutrina é formada por três partes constitutivas, que são ao mesmo tempo o coroamento e a superação do mais elevado nível que, por volta de 1848 [data das revoluções de 1848 e do Manifesto Comunista], tinha atingido a ciência das nações mais desenvolvidas da Europa: a filosofia clássica alemã, a economia clássica inglesa e a atividade e a ciência política francesa. Essa concepção – que é mais uma investigação genérica das fontes históricas do que uma classificação nascida do interior da doutrina – não pode se contrapor, como esquema definitivo, a qualquer outra organização da doutrina que seja mais adequada à realidade” (Q 11, 33, 1.448)

Essa “outra organização” é exatamente a filosofia da práxis.

Voltando à “cultura filosófica de Marx” citada por Gramsci, (Caderno 11, § 25):

“A filosofia da práxis nasceu sob a forma de aforismos e de critérios práticos por um mero acaso, a saber, porque o seu fundador dedicou
sistematicamente as suas forças intelectuais a outros problemas, notadamente econômicos; nestes critérios práticos e nestes aforismos,
contudo, está implícita toda uma concepção do mundo, uma filosofia.”

Segundo a filosofia da práxis, política, filosofia e economia são reciprocamente traduzíveis (Q 4, 46, 472-3). Além disso, para Gramsci, não se pode deixar de tratar dos aspectos pertinentes à arte, economia, ética e até mesmo das teorias das ciências naturais, elementos que não aparecem nem de modo implícito no texto de Lênin.

No Caderno 11, Gramsci pergunta-se várias vezes sobre a tradutibilidade recíproca de várias linguagens filosóficas e científicas; a indagação tem como objetivo compreender a “integração” entre filosofia clássica alemã, literatura e prática política francesa e economia clássica inglesa na filosofia da práxis. Para Gramsci, a vulgata russa exposta por Lênin e que remontava a Plekhanov do materialismo marxismo promovia uma justaposição das três fontes, mas a justaposição dos três grandes movimentos culturais do século 19 foi fruto, na crítica de Gramsci e até em estudos de Labriola, da sociologia positivista (v. Giuseppe Vacca, Vida e pensamento de Antonio Gramsci  (1926-1937), tradução de Luiz Sérgio Henriques, Brasília: Fundação Astrojildo Pereira: Rio de Janeiro: Contraponto, 2012; cf. Paolo Nosella, A escola de Gramsci, São Paulo: Cortez Editora, 2018).

Para resolver a problemática da “integração” que preserve a originalidade da filosofia da práxis, Gramsci aposta no conceito de imanência (Caderno 10 § 9):

“O momento sintético unitário, creio, deve ser identificado no novo conceito de imanência, que da sua forma especulativa, tal como era apresentada pela filosofia clássica alemã, foi traduzido em forma historicista graças à ajuda da política francesa e da economia clássica inglesa”

Giancarlo Schirru, em “La categoria di hegemonia e il pensiero linguístico di Antonio Gramsci” (In: Egemonie, coordenador Angelo d’Orsi com a colaboração de Francesca Chiarotto, Ed. Libreria Dante & Descartes, Napoli. 2008, pp. 397-444, 2008), observa que as notas dos Cadernos detêm-se longamente, e não sem oscilações, sobre as modalidades de como descrever essa conexão [entre filosofia, política e economia], ou seja, de “como a filosofia da práxis chegou à síntese dessas três correntes vivas na nova concepção de imanência, depurada de qualquer vestígio de transcendência e de teologia” (p. 421). Vale dizer que para Gramsci a filosofia da práxis deve criticar e superar a religião – “ópio do povo” para o Marx  da Crítica da Filosofia do Direito de Hegel – para um progresso intelectual  da massa e da classe trabalhadora!

Gramsci, que havia entrado no curso de Letras da melhor universidade de seu país através de uma bolsa (era pobre), ainda que não o tenha concluído devido a vida política atribulada, sabia por meio da Ciência Linguística o reconhecimento da autonomia de cada linguagem. Segundo Paolo Nosella (A escola de Gramsci, 2018), quando esboça o conceito de “tradutibilidade”, Gramsci “rechaça as tentativas do bolchevismo de reduzir o marxismo a instrumento político contingencialmente útil que identificava, mecânica e interesseiramente, política, filosofia e economia, e, até mesmo poesia, música e arte em geral“.

A “unidade” pode ser entendida e até praticada dialeticamente se (Caderno 11, 22)

“[…] a filosofia da práxis for concebida como uma filosofia integral e
original, que inicia uma nova fase na história e no desenvolvimento mundial do pensamento, na medida em que supera (e, superando, integra em si os seus elementos vitais) tanto o idealismo quanto o materialismo tradicional, expressões das velhas sociedades. Se a filosofia da práxis é pensada apenas como subordinada a uma outra filosofia, é impossível conceber a nova dialética, na qual, precisamente, aquela superação se efetua e se expressa.”

Portanto, Gramsci posiciona-se como contrário a reducionismos explicativos do “marxismo vulgar”. Atenta que o tratamento sistemático da filosofia da práxis não pode se dar de maneira reducionista para não se negligenciar nenhuma das partes constitutivas, caso contrário as explicações fáceis levam a noções mecânicas e até idealistas no interior do próprio marxismo, sobretudo quando este penetra no seio da classe trabalhadora.

Gramsci rascunha (Caderno 7, § 18; 1, 236-237):

“A unidade [do marxismo] é dada pelo desenvolvimento dialético das contradições entre o homem e a matéria (natureza – forças materiais de produção). Na economia, o centro unitário é o valor, ou seja, a relação entre o trabalhador e as forças industriais de produção (os que negam a teoria do valor caem no crasso materialismo vulgar, colocando as máquinas em si – como capital constante e técnico – como produtoras do valor, independentemente do homem que as manipula). Na filosofia, é a práxis, isto é, a relação entre a vontade humana (superestrutura) e a estrutura econômica. Na política, é a relação entre o Estado e a sociedade civil, isto é, intervenção do Estado (vontade centralizada) para educar o educador, o ambiente social em geral. (Deve ser aprofundado e posto em termos mais exatos.)”

Ainda sobre o materialismo vulgar, Gramsci atesta no § 16 do Caderno 11:

“[…] É notório, por outro lado, que o fundador da filosofia da práxis [Marx] jamais chamou sua concepção de ‘materialismo’ e que, falando do materialismo francês, criticou-o, afirmando que a crítica deveria ser mais exaustiva. Assim, jamais usou a fórmula ‘dialética materialista’, mas sim ‘racional’, em contraposição a ‘mística’, o que dá ao termo racional uma significação bastante precisa”

Gramsci, acima, me parece se referir ao posfácio à segunda edição de O Capital, em que Marx explica como seu método dialético é oposto ao de Hegel – pondo este “de pé”, mitiga seu invólucro místico e procura o que há ali de racional.

Para Gramsci, a influência de David Ricardo é particularmente significativa tanto na economia quanto na filosofia, porque a teoria do valor e a lei da tendência em Marx deriva dele (Q 7, 42 e Q 10 II, 31, 1.275), além da noção de homo oeconomicus, uma descoberta a que também se deve a Ricardo, implicando no marxismo “uma nova ‘imanência’, uma nova concepção da ‘necessidade’ e da liberdade etc.” (Q 10 II, 9, 1.247) que levou Marx e Engels à superação da filosofia hegeliana e à construção dum novo historicismo sem traços de lógica especulativa (Cartas, II, 205).

Por fim, é impossível compreender totalmente Gramsci se não se compreender outras fontes e autores extrínsicos ao marxismo nos quais ele se debruçou, como Benedetto Croce, George Sorel (e seu neoidealismo e bergsonismo), Giovanni Gentile, depois, Maquiavel (para Gramsci, o “Príncipe moderno” é o Partido Comunista). Ou seja, assim como Marx teria procedido com Hegel, Smith, Ricardo, Gramsci empreende uma assimilação-superação, uma fusão de socialismo deglutindo outras correntes intelectuais para uma formulação revolucionária marxista original. É de Sorel, por exemplo, que Gramsci tomará emprestado o termo “bloco histórico”, mas sob outro ponto de vista, marxista, gramsciano, ou seja, “bloco histórico” enquanto a unidade dialética entre a superestrutura e a estrutura e, a partir de tal superação, o estímulo à criação revolucionária de um novo bloco histórico.

Contudo, se as fontes são discutíveis, constituem para G. três caracteres inseparáveis do marxismo: filosofia, economia e política“, escreve Giuseppe Prestipino no Dicionário Gramsciano.

Chasin

Investigando os textos marxianos, o Prof. brasileiro José Chasin concluiu que neles não haveria comprovação textual da ideia do “tríplice amálgama” ou da incorporação da herança hegeliana e que a própria colocação da questão em termos de três fontes seria enviesada, porque toma elementos alheios ao novo padrão reflexivo instituído por Marx. (Cf. Chasin, “Ad Hominem – Rota e prospectiva de um projeto marxista”, Revista Ensaios Ad Hominem, São Paulo, n. 1, t. I pp. 37-40.) É o caso de sopesar o quanto tal argumentação é pertinente em termos de práxis e de renovação do marxismo, o quanto é ou não academicista, como encarar as citações explícitas nos textos marxianos a partir de tal afirmação polêmica, etc.

Dois parágrafos sobre Aristóteles e Adam Smith em Marx

Aristóteles opunha economia (valores de uso indispensáveis à vida) à crematística (ligada à incessante produção e busca pela riqueza) e já condenava, em sua Política, o dinheiro que é usado para um fim em si mesmo, para a acumulação, ao invés de ser a justa medida na sociedade para que não haja carência de um lado nem excesso do outro. “A troca não pode existir sem a igualdade, nem a igualdade, sem a comensurabilidade”, escreveu Aristóteles citado por Marx em O Capital. O legado de Adam Smith em Marx é bastante “simples”: o autor de Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, mais conhecida simplesmente como A Riqueza das Nações (1776), trabalha a partir das ideias de Aristóteles em sua Política (que já distinguia duas dimensões da mercadoria: o valor de uso e o valor de troca) e na Ética a Nicômaco (que lega à época moderna a compreensão da teoria do valor-trabalho e do valor-utilidade), assim como Marx fará no século posterior (Aristóteles é citado várias vezes no primeiro livro de O Capital); desde a economia mercantil a que se referia Aristóteles, já que as mercadorias devem ser equiparadas ao serem trocadas umas pelas outras, devem conter algo igual quantitativa e qualitativamente, e este “algo igual” é o valor.

Em finais do capitalismo manufatureiro e nos primórdios do capitalismo industrial do século 18, Smith procura explicar o valor de troca pelo trabalho empregado na produção da mercadoria (Marx partirá deste ponto), não pela utilidade, argumentando que coisas vitais como água possuem valor baixo de troca, enquanto coisas menos úteis como jóias têm alto valor de troca. Mas o que é o valor? Há dois significados da palavra valor para Smith – valor enquanto utilidade de um determinado objeto e valor enquanto poder de compra que o referido objeto possui em relação a outras mercadorias. “O primeiro”, conclui Smith, “pode se chamar valor de uso e o segundo, valor de troca”. Eis precisamente o ponto de partida de Marx para O Capital, além de muitos outros autores e até mesmo Shakespeare.

25 de janeiro de 2021

Resposta contra Jones Manoel e sobre a Coréia do Norte

Eu já vinha fazendo críticas à “nova linha” do PCB, conforme pode ser lido aqui, mas o motivo deste texto começou com meu “story” acima, compartilhado no Instagram.

Fiquei sabendo da resposta de Jones Manoel acima em parte por camaradas próximos, em parte porque militantes ferrenhos e seus fãs  vieram me linchar após sua resposta, já que eu não o acompanho.

Minha tréplica abaixo estendeu-se muito mais do que deveria, porque precisei fazer apontamentos teóricos fundamentais a militantes, alunos, estudantes, seguidores e camaradas próximos e vindouros, que vão me ler e que me pedem explicações que de nenhuma outra forma podem ser dadas senão com base em economia, história, filosofia, etc. Já que se estendeu, fica sendo o meu ponto final sobre a questão. Além do mais, abaixo, faço também inédita análise econômica revolucionária sobre a Coréia do Norte, que eu não vejo ninguém fazendo.

A Guerra das Coréias e contra os EUA é a “Guerra Fria” de muitos camaradas das novas gerações, o Paralelo 38 é o seu “Muro de Berlim”, a Coréia do Norte, a sua “União Soviética”. É degradante ter de escrever o óbvio, que a Coréia do Norte é também uma sociedade de classes e que, portanto, há uma sociedade dominante que explora economicamente as outras, a trabalhadora. Ou seja, trata-se dum novo fenômeno interimperialista (termo leniniano), só que, hoje, sem o “socialismo real”, num caráter ainda mais desvantajoso e claustrofóbico. As analogias históricas generalizam condições especiais, mas fatos conhecidos se repetem em certas situações. Já vimos como tudo isso termina, em desilusões, em crises, e sabemos de suas consequências para o fôlego de qualquer movimento comunista, restando ao marxismo fazer antecipadamente uma crítica radical (“Ser radical é agarrar as coisas pela raiz, e a raiz para o homem é o próprio homem“) e de baixo com relação ao monopólio do poder, em favor da teoria revolucionária original do valor e pela tomada do Estado e dos meios de produção pela classe trabalhadora.

Comunismo sem marxismo (sem o tripé marxiano) é manco, apologético e não tange a resolução dos problemas sociais na prática.

A diferença entre opinião e burrice.

Não trata-se de “opinião”. Trata-se de Crítica, como é de praxe no marxismo. “Opinião” reside no senso comum. Essa tentativa de desqualificação serve somente para uma militância acrítica e pouco letrada, não acostumada a debate de alto nível, que, infelizmente, está trocando o “conhecimento mais profundo […] em função da tática do agir” (eis a definição de Lukács para o “stalinismo”, como veremos mais adiante). Defesa apologética que sacrifica a construção revolucionária, e que espero que seja conscientizada a tempo. Me admira que Jones Manoel não tenha dito que sou um “propagandista do imperialismo” ou “Quinta Coluna”, como outros da gangue, ou seja, ao menos reconhece que sou marxista.

Esse sujeito, meio famoso em redes sociais, publicou esse comentário fazendo referência a uma publicação da UJC.

Aqui, cabe uma recapitulação. Há poucas semanas, a mesma UJC – União da Juventude Comunista publicou o mesmo tipo de homenagem a Josef Stálin, mas logo apagou. Foi muito criticada. Militantes da UJC aplaudiram. Eu soube disso através de um camarada que chegou a ser da UJC, mas que justamente se afastou devido ao incômodo diante da apologia de caracteres estranhos ao marxismo estimulada por certos quadros. Minha posição torna-se ainda mais necessária para mim porque toda a querela envolve jovens em formação uma base de militância crítica que precisa ser constituída para, digamos, 2030!

Stálin lendo! Só poderia, mesmo, ser um desenho. E é um livro com imagem de Lênin! Aquele que, um ano antes de morrer, chamo Stálin de “rude […] intolerável no cargo de secretário-geral” e que nesse cargo tinha “um poder imenso, e não estou certo de que saiba usar esse poder com suficiente prudência”, pedindo que outro o substituísse (“Carta ao Congresso”, em ‘Obras Escolhidas’, tomo III, páginas 640-641). Obs.: Também no mesmo trecho Lênin não diz maravilhas sobre Trótski.
Não pretendo fazer de Stálin ou de Kim Jon Un espantalhos para liberalóides (são muito mais representações de construções histórico-sociais complexas), mas é fundamental voltarmos, durante todo este texto, a Stálin, pois, primeiro, a ideologia apologética da qual critico e desmistifico foi urdida durante o período de Stálin (não à toa, os mesmos o resgatam com revisionismo idealista) e, segundo, sem ele, em sua postura interimperialista junto aos Aliados liberais e anticomunistas, talvez nem mesmo a Coréia do Norte existisse.

Cumpre informar apenas que Mauro Iasi, figura importante do PCB e que faz parte dos melhores quadros do partido, teve de intervir, após a atitude da UJC, com um texto contra o stalinismo intitulado “Dois métodos e uma decisão: a poesia do futuro ou os fantasmas do passado?”. (Podemos observar o termômetro desse velho racha sempre iminente no PCB aqui, na área de comentários deste post, em que Iasi conclama “Stalinismo nunca mais”.) A gangue fanática e aborrecente, movida pelo revisionismo histórico de Jones Manoel (Domenico Losurdo é bom autor, mas não para tratar de Stálin) e outros marmanjos, chegou a pedir a expulsão de Iasi (um homem que chegou a ser candidato à presidência da República pelo PCB!), quando, na verdade, falta pulso firme e um núcleo duro de intelectuais orgânicos (José Paulo Netto e Marcos del Roio não são mais orgânicos no partido, e muitos inteligentes já se afastaram) para expulsar a gangue anacrônica de Jones Manoel, porque não adianta simplesmente mostrar teoria a quem é basista, a quem apenas pretende aquecer e cultivar as bases.

Poderíamos colocar boa parte da responsabilidade desse conteúdo e forma no capitalismo financeiro e seus correlatos, “de vigilância”, do Vale do Silício, isto é, nas redes antissociais, que tomam de assalto a atenção e superficializam o debate, mas não se pode eximir da responsabilidade aqueles que pretendem usar para si os termos “comunismo”, “comunista”, “marxismo”, “marxista”, e essa querela já é velha no marxismo e no comunismo antes mesmo da Internet.

A linha desse setor do PCB e da UCJ é muito clara: qualquer “socialismo real” foi/é melhor do que o capitalismo, estimulando uma defesa intransigente dos modelos do “socialismo real”; serve para o embate ideológico e só, porque a prática é morta, já que as condições hoje não são mais as mesmas; assim, olham para o passado e muitos deles pretendem copiar modelo – quem copia modelo é conservador; essa visão é particularmente falsa, porque, embora eu concorde em parte com a afirmação de que o “socialismo real” teve fins mais grandiosos e, em diversos momentos, humanitários do que o capitalismo, que hoje se reduz à barbárie e números financeiros, uma crítica marxista revolucionária ao “socialismo real” não significa adesão ou defesa do capitalismo, ao contrário, significa uma dialética do continuum histórico da luta e aponta para o futuro na superação do passado pela transformação do presente.

Noto uma defasagem com relação ao que eu chamo de “tripé marxista” (no Anti-Dühring, ainda que de maneira demasiadamente sistemática, é dividido em Economia Política, sobretudo a teoria do valor, Filosofia, que envolve a dialética, e Socialismo, que abarca as lutas de classes, a distribuição e a perspectiva revolucionária). Jones Manoel e outros desconsideram a teoria do valor (já não é marxismo, então, porque sem compreender a lei do valor não se identifica a exploração capitalista e da apropriação do trabalho alheio), usam as lutas de classes com excelência na agitação, mas ainda de modo afunilado (não sei como ficará após a aproximação eleitoral do PCB com o PSOL pequeno-burguês) e nem passa pela cabeça deles o que seja dialética. “Concepção materialista da História” (frase frequente em Engels, nas obras e em cartas), então, é pretexto para revisionismo histórico. Nada de estrutura e superestrutura. De fato, para uma militância acrítica ou para um projetinho de poderio (não de poder), não se precisa da dialética, da teoria do valor, da visão abrangente das lutas de classes nem da concepção materialista da história. É importante deixar claro que não sou acadêmico, nem estou vinculado a qualquer academia neste momento, aliás, academia não possui práxis nem ensina marxismo a vero; marxismo aprende-se na marra, na luta, na teoria, na prática, de forma autodidática mas dialógica, e nunca antes a bibliografia clássica e contemporânea foi tão acessível.

No âmbito da filosofia da práxis, estamos diante de um grupo que, ao entrar na luta anti-colonial, anti-imperialista e anticapitalista, troca a teoria revolucionária pela prática propagandista do agir, privilegiando a tática em detrimento da teoria, que apenas é usada em suas generalizações a partir da tática; um grupo de comunistas que, mergulhado na categoria da universalidade vazia (interesse como universal), esquece-se da categoria da particularidade (interesses de classe). Essa inversão que não aprofunda o conhecimento histórico – certamente um legado do período stalinista -, provoca muitos desastres, ainda que as intenções sejam boas ou até sinceras (excluindo os oportunistas e arrivistas). Todo o problema entre os apologéticos e os verdadeiros marxistas se encontra no fato de que os primeiros perdem-se na categoria vazia do universal, e não consideram a categoria da particularidade. Para explicar melhor essa questão, é necessário um aprofundamento teórico e filosófico, no qual me é impossível neste momento, porque, para isso, seria preciso voltar (com o Marx da Crítica da Filosofia do Direito de Hegel e da Ideologia Alemã) a Hegel, mas exerço esta tarefa em outras oportunidades. 

Todo o meu incômodo reside no fato de que a UJC não está ensinando à juventude em formação – cuja militância deve ser decisiva para a construção revolucionária internacionalista no Brasil – as teorias marxiana e engelsiana do poder e do Estado. (Tampouco a teoria do valor – sem a qual não se identifica a exploração no capitalismo -, no caso das empresas da China, que está voltando a ter o maior PIB do mundo, como teve no século XVIII.) Resultado: análise rasa de conjuntura, defesa meramente apologética do poder e do Estado, caráter “basista” e idólatra, nenhuma construção realmente revolucionária debaixo, nenhuma apuração classista.  A síntese de tais teorias encontra-se sobretudo no Anti-Dühring de Engels, que formou a primeira geração de marxistas. Sem esse leque de teorias, indissociáveis da prática revolucionária, não teremos excelentes quadros e lideranças. Estes se afastam. Os que ficam, estão apostando todas as fichas no fracasso de formas mais ou menos reacionárias e conservadoras.  Vez ou outra, temos de agitar a proposta revolucionária original, que ainda está em processo de construção, junto à proposta de Antonio Gramsci de formação de intelectuais orgânicos que sejam soldados junto à direção partidária e da vanguarda.

A grandiosa obra ‘Anti-Dühring’, de Engels, que formou a primeira geração de marxistas, já combatia falsos socialismos.

Antes de tudo, meu incômodo tático com relação à China e à Coréia do Norte reside em perguntas fundamentais para uma pedagogia revolucionária, já lançadas no texto “Os verdadeiros marxistas e comunistas e seus quatro principais adversários internos“:

(A) O que a China e suas empresas e o que a Coréia do Norte e seu aparato militar farão diante de um processo revolucionário brasileiro e latino-americano? Como ajudarão? Quais serão suas condições? Lembrem-se que a União Soviética respeitou diplomaticamente as delimitações terríveis dos EUA nas ditaduras militares-empresariais que ajudaram a implantar em nosso continente. Lembrem-se que, quando Angola quis se emancipar pela via do socialismo, Cuba foi ajudá-la, não a União Soviética, que já havia deixado de ser uma superestrutura revolucionária há tempos… (B) O que faremos, extirpados os elementos do “Estado profundo” brasileiro, ou seja, aquele que sempre se mantém, na ditadura, na redemocratização, com Collor, FHC, Dilma, Lula, Bolsonaro, e extirpados capitalistas brasileiros importantes, ou seja, o que faremos quando tomarmos gradativamente o poder diante de uma nova diplomacia perante China e Coréia do Norte com nosso novo Estado? É isto o que deve ser debatido, escrito, estudado, planejado, ensinado! Todo o resto é lobotomização…

Todos os membros da “gangue” que vieram tirar satisfações comigo (não vou considerar aqueles que simplesmente são fãs de Jones Manoel, que sequer são marxistas, o que achei um absurdo, e que só prova que a teoria não está sendo disseminada), desviavam-se da minha renitência à teoria da revolução, do poder e do Estado presente em Marx e Engels. Os piores momentos do movimento comunista são aqueles em que se desconsidera Marx e Engels, que se desconsidera a teoria para uma militância de simples ação propagandista. A quem interesse isso? Aos parasitários do Estado, assim como interessa à burguesia? Ficou claro que não leem nada de teoria, porque não houve qualquer ponderação ou contrargumentação entre o nosso objeto de discussão e a teoria!

Definitivamente, não estamos falando no mesmo nível!

Enquanto eu insisto na teoria a partir da qual se configura uma práxis coerente de acordo com a nossa realidade nacional e internacional, para eles é vital – com oportunismo de uns e ingenuidade de outros ainda em formação (tive alguns “pupilos”, que se interessavam por minhas recomendações, mas que logo rompemos, porque lhes incomodava minhas críticas a Jones Manoel) – realizar uma prática sem teoria, de agitação, de “militância” (em sentido comum), de apologia ao aparato, ainda que isso nada diga respeito direto à classe trabalhadora norte-coreana ou chinesa, quanto mais à classe trabalhadora brasileira e seus anseios e desafios. Excluem as particularidades de classes, defendem o tempo todo, não sem dogmatismo xucro, a particularidade da universalidade, que, por si só, é vazia… Veremos também, mais adiante, como isso é fruto dum absurdo hiperracionalismo, expressão que Lukács usava para o “stalinismo” enquanto ação política que não sabe manejar estratégia e tática, teoria e ação. Nem preciso dizer que são os mesmos que, com revisionismo e idealismo, também defendem o período de Stálin.

Todo ser humano é livre para ter a opinião que quiser sobre a Coreia Popular e Kim Jong-Un. Essa não é a questão central. Via de regra, essa opinião é desinformada e carente de estudos quando o tema é a Coreia, mas tudo bem.

Quero falar de algo mais importante: burrice.

Para Jones Manoel, a “burrice” é “mais importante” do que a Crítica revolucionária (que ele desqualifica como “opinião”)!

A Coréia do Norte é fruto dos interesses das classes dominantes após a sangrenta Segunda Guerra Mundial, que, por sua vez, foi um ponto de chega de diversas causas estruturais, notadamente as crises capitalistas; como sempre na história, após a conflagração monumental, essas classes acertaram de se encontrar para dividir o quinhão às custas do povo. O nascimento da Coréia do Norte está relacionado a uma “revolução passiva”, em termos de Antonio Gramsci (para um apanhado de escritos gramscianos do cárcere sobre a revolução passiva, cf. O Leitor de Gramsci. Escritos escolhidos: 1916-1935, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, da página 315 à 317), ou seja, um “transformismo pelo alto” entre as classes dominantes, em que se exclui as outras classes subalternas (fenômeno muito comum na história do Brasil, mas não com tal agudeza geopolítica). Mesmo que tenha contado com mobilização de massa (que não deixa de ser comum nas “revoluções passivas”), não houve uma revolução autêntica, orgânica, popular como em Cuba ou em Angola ou mesmo na Rússia.

É claro que, no caso das Coréias (e também na Coréia do Norte!), outros elementos das classes subalternas – praticamente escravizadas pelo domínio imperialista do Japão – também influíram na “revolução” (por exemplo, a invasão da Manchúria pelos japoneses mobilizou enormes forças anti-imperialistas na Coréia e na China), mas os interesses de classes dominantes logo suplantaram-nas e as acoplaram a seus aparatos estrangeiros no momento de pegar o mapa e traçar a divisão e estabelecer quem dominaria o que. Pelo suporte direto da União Soviética, que, no período do pós-guerra, só dispunha economicamente para valer de sua indústria bélico-militar (v. Eric Hobsbawm, Era dos Extremos, de 1994), não restara à Coréia do Norte outra saída senão investir em fábricas de materiais pesados e armamentos, já com Kim Il-Sung, “produção” essa que se arrasta até os dias de hoje. Essa produção, que não deixa de ocorrer com a espoliação do trabalho dos norte-coreanos, sempre estará associada à defesa territorialista, já que trata-se de um país teluricamente fraturado e ameaçado por todos os lados, “produção” bélico-militar acentuada após o desmanche do bloco soviético e o abandono do marxismo (abertura ao capital nos negócios) pela China. Baluarte final da resistência comunista, para alguns…

Note-se que o termo “revolução coreana”, porém, não é usado em consenso na historiografia (usa-se “Guerra da Coreia”), mas não deixa de fazer sentido quando se pensa na guerrilha anti-imperialista e na tomada de poder (que, porém, foi estimulada por agentes do alto escalão do monopólio de poder da URSS e mesmo da China). Assim, Kim il-sung, em seu ímpeto anticolonial, já estava ligado desde sua juventude militante ao alto aparato de URSS e China, e logo foi reconhecido como líder de toda a península. (Stálin enviou Lavrenti Beria, uma das figuras mais polêmicas do “período stalinista”, para tratar da implementação do regime.) É preciso admitir, portanto, que o povo e os trabalhadores da Coréia do Norte não estavam inteiramente emancipados. Quem realmente governava o país não era Kim Il Sung, mas sim o todo-poderoso embaixador soviético Terenty Shtykov. O próprio Kim Il Sung não tinha muitas escolhas no jogo interimperialista e não fez como um Che Guevara em Cuba, que se indispôs com o alto escalão da União Soviética em determinado momento, porque tinha ideias socialistas próprias (cf. o percuciente livro de Luiz Bernardo Pericás, Che Guevara e o Debate Econômico em Cuba, São Paulo: Editora Boitempo, 2018, que venceu o Prêmio Jabuti de 2017).

Reforço que a classe dominante da União Soviética, entre outros nichos, vivia de “economia bélico-militar permanente” a partir do excedente de trabalhadores e camponeses desde a sua acelerada industrialização forçada em 1929, que o próprio Stálin chamava de “revolução pelo alto”, ou seja, uma atitude coercitiva que levou milhares de camponeses à morte (sobre esse trágico período da história soviética, cf. o documentado livro de Fabio Bettanin, A coletivização da terra na URSS. Stálin e a “revolução pelo alto” (1929-1933), Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1981) – tal fato é determinante na história da Coréia do Norte. A definição “Estado satélite” (o jornalismo prefere “Estado fantoche”), em que um governo depende da classe dominante (e da classe trabalhadora) de uma potência estrangeira para sua própria existência, sem a qual não pode existir, não é nenhuma novidade para diversas regiões correlacionadas à antiga União Soviética, tanto que o desmanche do domínio central de Moscou em meados dos anos 1990 – de maneira vendida e ridícula, é verdade – desmanchou também o restante do bloco – com exceção da Coréia do Norte, que teve de enfrentar o seu conhecido e violento período de fome (prova da dependência em relação à URSS), mas que permaneceu por ter logrado aspectos próprios de identidade e de economia, não sem carregar até hoje a sina da guerra soldada à essa identidade e “economia industrial-militar” (os trabalhadores não têm outra escolha, precisam obedecer com suas forças produtivas a indústria bélico-militar para a sua própria sobrevivência imediata e enquanto país).

No Brasil, o termo “revolução coreana” remete a um livro considerável. Li, há alguns meses, o livro de Paulo Visentini (com apoio de Helena Melchionna e Analúcia Pereira), A Revolução Coreana. O desconhecido socialismo Zuche (2015), pela editora UNESP. Sua abordagem não é totalmente pelo método marxista. O livro erra em não tratar da “revolução passiva”. Completamente favorável à Coréia do Norte (os autores a visitaram) e debruçado em ampla documentação e registros de diversos países (mesmo os Estados Unidos) envolvidos no contexto histórico, o livro explica o suficiente para os ocidentais. Pretende desfazer a forma caricatural com que o Ocidente vê a CN e mostrar “tanto […] a real configuração do regime norte-coreano, de impressionantes conquistas socioeconômicas, quanto as complexidades que caracterizaram todo o processo revolucionário e continuam a tensionar o sudeste asiático“.

A grosso modo, para quem não sabe, a região do Sul foi logo objeto de interesse dos capitalistas dos Estados Unidos e Europa, enquanto que a União Soviética sob Stálin e o Politiburo dominou a região do Norte, o que arrefeceu os conflitos.

Ou seja, a Coréia do Norte é fruto das tortuosidades do percurso do movimento comunista em período pós-revolucionário e até contarrevolucionário, de um lado, e do capitalismo imperialista, do outro. (Não à toa, como justificativa para desenvolver o seu arsenal nuclear, tem sido importante na Coréia do Norte manter acesa a memória dos terríveis ataques aéreos dos Estados Unidos sobre sua região e a trágica morte de milhões de civis durante a guerra.)

É fundamental esse entendimento histórico sobre a correlação de forças! Sem ele, qualquer defesa é rala e apologética e acrítica em relação ao aparato, e mesmo em relação à reação imperialista do capitalismo.

Representantes de elite: Churchill, Truman, Stálin durante a Conferência de Potsdam. A Coréia do Norte é fruto de interesses de classes dominantes gladiando-se. Este berço faz da Coréia do Norte uma distopia, conforme veremos ao adentrar na questão da indústria bélico-militar e a lei do valor no marxismo.

A prova de que a Coréia é fruto das formas interimperialistas de ambos os lados (o Stálin que aperta as mãos de Harry Truman e Churchill, na Conferência de Potsdam, é um Stálin de postura interimperialista) é que a organização do líder Kim II-Sung, conforme mostra o livro de Visentini, possuía muitas frações, com membros do Exército Vermelho (ele próprio fez parte do Exército) ou que lutaram com Mao Tsé-Tung. Ou seja, as disputas de poder na URSS e o abandono do marxismo, como também, posteriormente, na abertura econômica da China, forjaram o que a Coréia do Norte é hoje, além de definições internas próprias. (O desmanche do bloco soviético acentua sua crise, que logo é abrandada com a dolarização décadas depois.) Esse amálgama formou o que seria o “socialismo” para a Coréia do Norte hoje, ou seja, quando ela surge, o marxismo e o próprio movimento comunista, por diversos motivos, estão emperrados no gargalo do monopólio de poder pelo alto. O seu caráter nacionalista foi a grande sacada para não terminar como a Alemanha Oriental. O fato inconteste é que a Coréia do Norte amarga aquelas querelas, como se fosse um resquício final delas frente à globalização do planeta.

O Paralelo 38 é fruto do desprezível controle das classes dominantes dos quatro cantos do globo para segregar e dividir fisicamente a classe trabalhadora mundial, mas é também – para o bem, para o mal – o “Muro de Berlim” do futuro…

E, justamente por isso é que cabe a nós, marxistas, nos adiantarmos, termos um discurso radical, uma prática radical e totalizante em torno do valor, do poder e do Estado, calcada na teoria original formativa, ainda que esta tenha de ser, aqui e ali, atualizada de acordo com as condições.

Sei que é um vespeiro sem tamanho tomar qualquer posição no caso da Coréia do Norte. É notório que lá se pratica o maior e mais longo jogo de truco do mundo moderno. Não tem santinho e nem legado importante a se defender. O máximo que se pode apoiar é a integridade da população. Defendo que é prioritário olhar com crítica marxista a respeito da classe trabalhadora norte-coreana, já que lá, como aqui, cada um a seu modo, há a apropriação do produto do trabalho alheio (componente do mais-valor descoberto por Marx, segundo o Engels do Anti-Dühring, p. 222), e já que norte-coreanos trabalham (com consentimento ou coercitivamente ou sem qualquer outra escolha em nome da sobrevivência perante as forças imperialistas externas) sobretudo para produzir rendimentos à classe dominante cleptocrática do tipo Clódio da economia nacional, do aparato de Defesa e seus filigranas (afinal, só restava aos “padrinhos” soviéticos uma “economia armamentista permanente“), que, em troca, lhes garante a segurança nacional contra um mundo hostil (a pilhagem existente em todo Estado e capital), constantemente ameaçando levar o mundo inteiro junto consigo, caso tenha de capitular ou acabar.

Esse caráter distópico (um povo que movimenta suas forças produtivas para a própria sobrevivência imediata elementar e a serviço de uma classe dominante que circunda a indústria bélico-militar, que produz o armamento nuclear que, paradoxalmente, o protege e evitaria o seu suicídio) só pode ser fruto de um choque conflitivo entre o aceleramento e o desaleceramento da História, entre o fluxo de capitais que tudo contamina e o fechamento regulador… Mostrarei no decorrer deste texto que, mais ou menos equidistante da economia de mercado, da ditadura do capital e da inserção nos ditames do comércio internacional, os meios de produção da Coréia do Norte são concentrados por uma família que se pretende “monárquica”, pela elite, altos oficiais, pelo Exército e pelo aparato do Partido dos Trabalhadores, que praticamente se confunde com o Estado.

Cabe introduzir uma diferenciação básica do Estado no marxismo entre Oriente e Ocidente, tal como mostrada brilhantemente por Gramsci, que aduz (Caderno 7, § 16, escrito entre 1930-1931):

“[…] No Oriente, o Estado era tudo, a sociedade civil era primitiva e gelatinosa; no Ocidente, havia entre o Estado e a sociedade civil uma relação apropriada e, ao oscilar o Estado, podia-se imediatamente reconhecer uma robusta estrutura da sociedade civil. O Estado era apenas uma trincheira avançada, por trás da qual se situava uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas; em medida diversa de Estado para Estado, é claro, mas exatamente isto exigia um acurado reconhecimento de caráter nacional. […]”

Esta é parte de importante frase em que, segundo o gramscista brasileiro Carlos Nelson Coutinho, Gramsci resume sua posição que define a novidade de seus conceitos de Estado e revolução em relação à experiência dos bolcheviques (Coutinho, Marxismo e política: a dualidade de poderes e outros ensaios, 2. ed. São Paulo: Cortez, 1996, p. 58). Desta observação, surge em Gramsci a reivindicação de que, enquanto as revoluções socialistas no Oriente, partindo da velha ordem, precisavam diretamente conquistar o Estado, porque assim conquistavam todo o resto, no Ocidente tal revolução é mais complexa (tal como o Lênin de Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo já considerava), precisa considerar uma guerra de posições na sociedade civil (arena das lutas de classes e principal espaço do setor privado), que é tão forte ou mais do que o Estado, e que pode-se e deve-se conquistar a hegemonia antes de se conquistar o poder, mas isso é assunto para outros textos…

Nesse sentido, só para fechar, há duas propostas do dirigente do PCI que nos interessa (Cadernos do Cárcere, 8, S 130; 3, 279-280) a respeito de Coréia do Norte: primeiro, a “estatolatria” não deve “ser abandonada a si mesma, não deve, especialmente, tornar-se fanatismo teórico e ser concebida como ‘perpétua’: deve ser criticada, exatamente para que se desenvolvam e se produzam novas formas de vida estatal, em que a iniciativa dos indivíduos e dos grupos seja ‘estatal’, ainda que não se deva ao ‘governo dos funcionários’ (fazer com que a vida estatal se torne ‘espontânea’)“.

Deriva de tal formulação temática uma segunda, a ideia de “iniciativa individual” em Gramsci (8, s 142; 282-283), que em nada deve ser confundida com iniciativa privada, individualismo, liberalismo, nada dessas farsas, porque se dá pela “identidade-distinção entre sociedade civil e sociedade política [lembre-se que Gramsci divide a superestrutura nesses dois campos de sociedade] e, portanto, identificação orgânica entre indivíduos (de um determinado grupo) e Estado, de modo que ‘todo indivíduo é funcionário’, não na medida em que é empregado pago pelo Estado e submetido ao controle ‘hierárquico’ da burocracia estatal, mas na medida em que, ‘agindo espontaneamente’, sua ação se identifica com os fins do Estado (ou seja, do grupo social determinado ou sociedade civil)“. Aqui, considerando a censura do cárcere fascista, podemos até substituir o termo “grupo social determinado” por classe trabalhadora.

Voltando à Coréia do Norte, o conflito sanguinário de proporções mundiais da Segunda Grande Guerra produziu um país que, na ausência de uma economia vigorosa, vive em certo grau de distopia e permanente produção bélic para barganhar acordos, ou seja, como necessidade de sua própria sobrevivência, sua única alternativa é desenvolver tecnologia nuclear para sobreviver, mergulhando na indústria bélico-militar (legado da União Soviética, que, tendo saído mais pobre de 1945 do que de 1917, dispunha principalmente de tal indústria como “economia permanente”), uma das mais caras do mundo: sob o paradigma do complexo industrial-militar dos EUA, ou seja, a partir da pressão do capitalismo de reação imperialista (mas não só), os trabalhadores norte-coreanos trabalham principalmente para a sobrevivência paranoica de si mesmos em nome da Defesa das Forças Armadas, entregue a uma classe dominante cleptocrática do tipo Clódio, que se apropria do produto do trabalho alheio, ainda que seja estranho compará-los com a classe capitalista corrupta e podre. Guardadas as devidas proporções, os EUA não parecem, de longe, muito diferentes (talvez outros “imperadores” que se revesem nos tipos entre Neros e Adrianos sejam mais adequados enquanto encarnações dos comandantes-fantoches desse país, ornem mais com a arquitetura fake de Washington – simulacro como quase tudo nos EUA – justamente replicada a partir da arquitetura do Império Romano), mas, na Coréia do Norte, o caso é ainda mais agudo e sufocado, sem domínio expansivo pelo mundo e num nível de absurdidade e despojamento de qualquer fantasia.

É uma “super-superestrutura”…rs

O fato de Kim Il-sung (1912-1994), lá atrás, a partir de sua luta de guerrilha antijaponesa, ter lutado no Exército Vermelho da URSS – que se urdiu sob a égide de uma revolução comunista -, ter entrado num partido chamado Partido Comunista Chinês e adaptado tal comunismo em seu país, não muda a realidade da observação científica. Não há marxismo que se resigne a essa realidade, não há autonomia da classe trabalhadora (talvez haja soberania, isso, sim, e uma soberania exemplar, invejável para a “América Latina” cuja elite e povo tudo aceita dos EUA), nem há o intuito de uma sociedade comunista sem classe, caso a Coréia do Norte vencesse os EUA.

Kim Il-Sung assina o Acordo de Armistício Coreano em Pyongyang, Coreia do Norte, 1953. Foto: Hulton Archive / Getty Images

Por trás das classes dominantes ligadas ao aparato e da cortina de mentiras que caricaturiza o país há uma nação habitada por cerca de 24 milhões de pessoas dignas que merecem nosso olhar humano e revolucionário.

Sim, não tem outra forma de caracterizar o comentário do sujeito sobre Trump e Kim Jong-Un.

Preciso, primeiro, externar toda a ojeriza deste sujeito aqui que vos escreve a qualquer forma monárquica (fruto da sociedade de classes), que sempre faço questão de dizer aos ingleses, por exemplo. Tenho horror a linhagens sanguíneas! O desenvolvimento histórico-social sempre pôs a pessoa de um soberano em confronto com a Revolução. E o marxismo possui postura equidistante com relação a isso. Não à toa, o Manifesto Comunista já estabelecia o fim da herança…

O aperto de mão costumaz dos representantes das classes dominantes, após se lucrar muito com a indústria bélico-militar às custas da classe trabalhadora. Donald Trump e Kim Jon Un apertam as mãos em encontro na zona desmilitarizada que separa as duas Coréias, em Panmunjom, Coréia do Sul, 30 de junho de 2019.

O grego Hesíodo, antecipando a modernidade não sei quantos mil anos atrás, quando escreveu O Trabalho e Os Dias, nos legou um pensamento divisor na história da humanidade: a grandiosidade do ser humano está no trabalho, não em ter “sangue azul”…

Estou ao lado da classe trabalhadora, não do herdeiro sanguíneo Kim Jon Un. Nesse particular, quando a Coréia do Norte retoma a tradição monárquica das Coréias através da Dinastia Kim ou Linhagem do Monte Paektu (ao invés da sucessão de membros do alto escalão político, tal como ocorria na URSS e na China), ela aposta numa enorme regressão, pior do que qualquer representação cidadã, e que hoje se adequa ao antigo modelo que lembra a vassalagem e o feudalismo. A implementação desse modelo “monárquico” ajudou a “nacionalizar” o comunismo na Coréia ao fundi-lo com uma tradição antiga, torná-lo mais popular e entendível? É possível, mas ele apenas levou a um culto à personalidade (que logo foi expurgado na União Soviética pelos sucessores de Stálin), bastante superado para o marxismo, porque personifica metafisicamente a vocação histórica da classe trabalhadora e escamoteia essa vocação da classe produtora em si para si. Um aspecto político e cultural desse tipo hereditário só interessa a classes dominantes espoliativas em qualquer canto.

Tenho gigantesco horror da carcomida família real britânica, que não passa de um “bibelô” diante do parlamentarismo inglês e da burguesia, o que piora ainda mais a justificativa de sua existência ainda hoje. Há direitistas que alegam que a família real britânica, com seus palácios, ao menos garante rendimento turístico – guardadas as enormes proporções e diferenças, é também o que ocorre com o turismo na Coréia do Norte, que procura zelar por sua imagem, construções oficiais do governo e espaços limpos e bem ordenados…

Uma vez, um sujeito, contra o meu ímpeto antimonárquico, disse-me que visitou a Holanda ou a Suécia, ou viu em algum lugar, já não lembro, viu lá o “povo feliz diante do seu Rei”. Isto me dá náuseas, assim como certos direitistas têm nojo do vídeo que compartilhei em meu perfil no Instagram de Chávez ensinando Gramsci brilhantemente num comício popular na Venezuela. Ora, vemos, neste vídeo, uma boa parcela do povo inglês feliz diante do criminoso de guerra e imperialista Winston Churchill… E daí? Mas, definitivamente, não estamos falando da mesma coisa quando falamos em realeza e um líder mais orgânico vindo do povo (ainda que do seio militar) feito Chávez, comprometido com o marxismo e com a revolução, ainda que tenha implantado amplas reformas.

Tanto pior nos exemplos ocidentais, porque aí a monarquia é atrelada à religião cristã e a dEU$, enquanto que a Coréia do Norte ao menos tem forte caráter irreligioso na sociedade e como política de governo, ainda que o cheondoísmo tenha ganhado popularidade (tendo até um partido próprio entre os três únicos partidos legalizados do país, o Partido Chondoísta, junto ao Partido dos Trabalhadores oficial e ao “Partido Social-Democrata”).

De qualquer forma, desde a “revolução burguesa” e a criação dos Estados-nacionais contra a aristocracia, já não existe monarquia nem clero em parte alguma, porque a estrutura já não é feudal, então tais países vivem de “bibelôs”, enquanto as verdadeiras decisões estão em outros domínios. Perto deles, Kim Jon Un é certamente mais ativo e mais engajado, mas a forma de “casta” não muda.

O Príncipe Charles vive apenas para viver dos rendimentos de seus súditos, assim como Kim Jong-il. Em termos de simpatia, tenho muito mais horror ao conservador Charles, que, não sei por que, me faz lembrar da oligarquia Sarney.

Operário e o “líder supremo”: para onde vai a “mais-valia”? Há mais-valia na Coréia do Norte? Explicarei sobre isso mais abaixo. Na fotografia, Kim Jon Un sorri durante uma visita à Fábrica de Lubrificantes Chonji, que produz óleos, óleos para transformadores e graxas lubrificantes. Na ocasião, declarou que a fábrica produz produtos “tão bons quanto os importados”. Foto: KCNA via Reuters, 2014.

Um dos membros apologéticos, Rafael Caixeta, que, para minha surpresa, me acompanhava e estava em minha lista de contatos do Facebook, escreveu para mim, depois do linchamento virtual que fez questão de empreender após o post de Jones Manoel (“Fernando Graça puta merda em bixo, tu falando da RPDC só mostra que enfiou a boca na propaganda imperialista, vergonhoso ler uma merda dessas, pior ainda vindo de tu.“); disse-me que Kim Jon Un “visita cada fábrica e fazenda diariamente”… Ora, isso é de um ridículo… A um marxista interessa saber sobre condições de trabalho e para onde vai a mais-valia roubada da classe trabalhadora pelas fábricas de toda a parte do mundo! Qualquer “gado” eleitoreiro é capaz de bater palma para visitas oficiais sobre seu “político de estimação”, até mesmo os de direita… Ele as visita para ver se tudo está conforme a ordem. Qualquer político ou chefe de Estado visita fábricas e fazendas, assim como proprietários fundiários e capitalistas visitam suas propriedades privadas de meios de produção. Isso nada agrega ao marxismo, só à apologia do culto à personalidade, que personifica em termos idealistas, não materialistas, a vocação comunista e rapta a sabedoria histórico-universal da classe trabalhadora para um chefe… É o lado reverso da moeda da ideologia neoliberal, que personifica nos autocráticos Jeff Bezos ou Elon Musk o sucesso, a meta, a perfeita administração, a indissociabilidade de nossas vidas com relação a esses superiores e outras besteiras incentivas pela mídia hegemônica que só camuflam a exploração de trabalhadores e despossuídos dos meios de produção… Que ele é “muito amado pelo povo, que está sempre junto ao povo”… Já escrevi, acima, do meu horror a formas monárquicas. Também falam isso da Rainha Elizabeth II… Os “neomonarquistas” (sic) inventam sobre Dom Pedro II, símbolo da elite brasileira atrasada e escravista, nos mesmos termos… Sempre guardando as devidas diferenças e proporções, tais analogias apenas servem para que eu mostre o conteúdo da forma ideológica (outro conceito fundamental no marxismo e polissêmico), que toma o falso pelo verdadeiro.

É horrível, portanto, que um herdeiro desse tipo veja uma amizade de “força mágica” num capitalista falido e megalomaníaco da extrema-direitalha dos EUA feito Donald Trump, conforme revelam as correspondências de ambos. Os apologéticos dirão que Kim Jon Un apenas vê Trump como aquele que melhor evitou um conflito bélico para o seu país e população, mas, dessa forma, novamente estão trazendo a categoria da universalidade e desconsiderando os interesses de classe (particular) no contexto da indústria bélico-militar, sobre o qual escreverei mais abaixo.

Para finalizar, ele me citou a Assembleia Popular Suprema da Coréia do Norte, mas a APS é o mais alto cargo do Estado, segundo a própria Constituição da Coreia do Norte; a APS está abaixo dos marechais e políticos do Presidium do Politiburo (um de seus membros é o Presidente da APS) e subordinada ao Politburo. Há Comitês Populares locais, além das autoridades centrais. Sim, aqui também há os CONSEGs do PSDB e afins… Não é a APS uma organização da classe trabalhadora. Não é ali que encontraremos o espírito revolucionário – assim como também não o encontramos na institucionalização do Congresso Federal do Brasil. Ou seja, os apologéticos residem todos eles no nível superestrutural voltado ao aparato ou ao simbolismo retórico descolado da realidade…

O domínio se concentra nas mãos do semi-monarca e do chefe militar (pouco conhecido, mas que está em quase todas as fotos públicas com Kim Jon Un).

Quando Trump e Kin Jon Un – ambos de linhas dinásticas e sem organicidade a não ser em comportamento cultural – dão as mãos, são dois representantes de classes dominantes (plutocratas, burocratas, capitalistas), uma em vantagem econômica, a outra em aparente vantagem militar, jogando com o mundo entre a destruição em massa e as negociatas decididas pelo alto, excluindo as classes subalternas, sem o consentimento das classes despossuídas que lhes sustenta na base da pirâmide social.

A Coreia é um país que formalmente, pelo direito internacional, está em guerra com os Estados Unidos. Há décadas uma das prioridades da política externa dos EUA é a “mudança de regime” na Coreia e o país é cercado por mais de 30 mil soldados dos EUA e armas atômicas. Aliado a isso, na prática, a Coreia do Sul é um estado cliente na dimensão militar dos EUA.

Não custa lembrar que Bush chamava a Coreia de um dos países do “eixo do mal” e o Governo Obama, a partir da assassina Hillary Clinton, colocou a “mudança de regime” na Coreia como prioridade no seu governo.

Aí, depois de anos, aparece um governo nos EUA que muda de abordagem em relação a Coreia. O Governo Trump viu na Coreia a sua grande oportunidade de ganhar um Nobel da Paz e deixar sua marca na política externa.

É risível, porque Trump foi indicado ao Nobel da Paz por um parlamentar norueguês da extrema-direita (Christian Tybring-Gjedde) pelo acordo histórico entre Israel e Emirados Árabes… Fora isso, ninguém nunca jamais cogitou Prêmio Nobel da Paz a Trump. (Ademais, pululam os exemplos de equívocos crassos dessa instituição; deram, anos antes, o Prêmio a Obama logo em início de mandato, ele que, prometendo em campanha retirar tropas do Iraque, tornou-se o 1º presidente dos EUA a estar em guerra durante todos os dias de seu governo.)

JM chama Hillary de “assassina”, mas nada diz de Trump. Ao contrário, quase o vê de forma positiva. Faz parecer, inclusive, que ansiava o Prêmio Nobel da Paz àquele cara…

Aliado a isso, o Governo Trump, de forma bem inteligente, se aproxima de Rússia e Coreia como forma de quebrar a unidade de parceiros estratégicos da China. Trump, seguindo um preceito clássico da diplomacia dos EUA, sabe que é necessário manter Rússia e China separados e a Coreia é uma peça importante nesse xadrez.

O Governo da Coreia, é óbvio, aproveitou essa abertura diplomática para tentar negociar um alívio das pressões diplomáticas, econômicas e militares e reduzir a força dos EUA na Coreia do Sul – a influência dos EUA na Coreia do Sul, impede qualquer tentativa de reunificação.

O governo democrata de Joe Biden já deixou que vai acabar com a política de Trump para Coreia, e retomar a linha anterior do Governo Obama: máxima pressão e agressão.

A exposição acima mal se esforça para ser marxista.

Não vai “retomar a linha do Governo Obama” coisa nenhuma, vai “retomar” a linha de sempre (que teve mesmo sob o início do Governo Trump) do paradigma complexo industrial-militar (aconselho que se estude a respeito), que possui sua própria lógica independentemente da cara dos governos, Democrata ou Republicano, e da qual a classe dominante da Coréia do Norte também participa, por causa do legado “econômico-bélico” da União Soviética (é a forma específica da lei do valor do sistema capitalista mundial na economia norte-coreana).

Não se iludam: esse encontro pode ocorrer também com o liberal do establishment Joe Biden, recém eleito, sempre após um período de ataques mútuos e ameaças.

É a Realkpolitk, stupid!

Lembrem-se vocês que, antes dos encontros e troca de afagos entre Trump e Kim Jon Un, houve contundente período de tensões em 2017 (lembro que os mais exagerados falavam em destruição total do mundo como na época das crises dos mísseis em Cuba nos anos 1960 durante a “Guerra Fria”, já que estava em questão uma ameaça nuclear), só arrefecido em 2018: Trump, divulgando novas sanções econômicas, chamou Kim Jon Un de “pequeno homem foguete” e, diantes das ameaças nucleares da Coréia do Norte, afirmou que atacaria o país asiático com “fogo e fúria” (“fire and fury”) nunca antes vistos, enquanto Kim Jon Un falou em bombardear Guam, território ultramarino dos EUA no Oceano Pacífico, havendo exercícios militares e envio de submarinos nucleares dos EUA.

“Estamos preparados para lançar fogo e fúria na Coréia do Norte!”, twittou Donald Trump em 8 de agosto de 2017 para aquecer sua base extremista, enquanto figuras importantes de seu gabinete o desmentiam. Mas intrigas políticas não bastam. É preciso entender o paradigma do complexo industrial-militar, que lucra com a indústria bélica independentemente da cara do governo, se é Republicano ou Democrata, e que, pela lei do valor do capitalismo mundial, envolve também a Coréia do Norte e sua classe dominante.
Interessa ao paradigma do complexo industrial-militar fomentar tensões aparentes entre suas representações políticas, porque a indústria bélica é uma das mais caras do mundo (em certas situações, é a mais cara e lucrativa para as classes dominantes de rapina). “Kim Jon Un da Coréia do Norte, que é obviamente um homem maluco que não se importa de matar ou deixar morrer de fome o seu povo, será testado como nunca antes!”, twittou Donald Trump em 22 de setembro de 2017.
Poucos meses depois… Representantes da indústria bélica, uma das mais caras do mundo, e do paradigma do complexo industrial-militar, Donald Trump e Kim Jon Un trocam afagos (nas correspondências entre os dois, os afagos são ainda maiores e íntimos e fala-se textualmente em “amizade”) durante encontro em Hanói, capital do Vietnã, em 27 de fevereiro de 2019. Foto: Saul Loeb/Agence France-Presse (AFP).

Foi uma tensão explícita, mas, na verdade, apenas a nível aparente.

Naquela época, o NYTimes teve de redigir guia para acalmar seus leitores sobre o possível conflito Coreia do Norte/EUA – tratou os perigos como “reais”, mas “exagerados”: informaram que as ameaças da Coréia do Norte existem desde seu primeiro teste nuclear, há mais de 20 anos, mas que não são ameaças reais, segundo o guia, enquanto que as ameaças verbais de Trump também eram vazias e desmentidas pela sua própria equipe de gabinete.

A lógica do paradigma do complexo-industrial o retroalimenta, daí as constantes guerras; e ele precisa do Estado, enquanto espaço de domínio da classe dominante sobre as outras classes e como ente que faz a guerra.

Dois efeitos da trama:  (1) favorecimento da “lucrativa” indústria bélico-militar, tanto da parte dos EUA quanto da Coréia do Norte; (2) as tensões criam expectativas na Bolsa de Valores, há uma leve queda, além de medo na população e aquecimento das bases extremistas nos países; quando, finalmente, há o encontro e o pacto (momentâneo ou não) de paz, as ações voltam a subir e os golpistas do mercado se lambuzam.

A simples contextualização de Jones Manoel, acima, desconsidera completamente todos esses fatos, o encadeamento do acontecimento e já parte para a suposta tentativa do governo Trump de ganhar o Prêmio Nobel da Paz!

Não há dúvidas, para mim, de que o capitalismo hegemônico dos EUA tenha de ser esmagado de vez, que, se preciso for, países como o Brasil formem um bloco para este intento, e que ele não fará qualquer falta – o problema é o agora e o depois.

É, mesmo, trágico saber que o fim da Coréia do Norte, no contexto atual, significa as forças capitalísticas da Coréia do Sul se apropriando da redoma, significa um aliado militar a mais dos EUA passando a fazer fronteira com a China – e com a Rússia.

A História, porém, já mostrou que não é seguro nos pendurarmos na tecnocracia estrangeira sem despender um violento e autônomo trabalho de construção revolucionária interna, a História já mostrou que isso não leva a futuro concreto algum, que o movimento comunista perde-se quando regimes dos quais eles se penduram caem.

Quando Stálin dissolveu a Internacional para agradar os Aliados liberais e anticomunistas, instaurou-se, em nome da luta contra o imperialismo capitalista, a defesa apologética da União Soviética (mesmo antes, já nos anos 1930 como consequência do Grande Expurgo) em detrimento da construção revolucionária nos PCs pelo mundo, mesmo no Brasil, até o regime ser desmantelado e amargarmos décadas de contarrevolução e tapinhas nas costas entre os chefes de Estado do Kremlin junto aos presidentes do capitalismo hegemônico, respeitando diplomaticamente todos os descalabros que o capitalismo hegemônio dos EUA (ou o “imperialismo”) nos lançava com o beneplácito da elite nacional do capitalismo dependente.

Portanto, o detalhamento acima de Jones Manoel não consegue nem ao menos ser marxista, porque é totalmente superestrutural e “jornalístico”, no mau sentido, ou melhor, panfletário. Fornece o básico do teatro de marionetes entre os chefes de Estado, mas não chega na estrutura. Interessa apenas para agitação momentânea, é tática pura, sem teoria e práxis. E não apenas porque é uma simples resposta a mim – toda a análise da Coréia do Norte, em qualquer texto ou fala sua, gira em torno da mesma tática limitada e alheia.

No entanto, é justamente esse o cerne do escamoteamento jonesmanoelesco que torna a sua plateia deficitária: no hiperracionalismo em favor da luta anti-colonial e anti-imperialista, ao esconder as lutas de classes entre ambos os países em questão e dar enfoque nas representações políticas superestruturais, leva-se jovens em formação e militância acrítica à defesa ou à defenestração de símbolos que camuflam as lutas de classes, o verdadeiro terreno do marxismo. A quem interessa esconder o caráter classista da questão? A quem interessa mera defesa apologética do aparato, que conforme ensina a dialética, não é eterno? A parasitas do Estado e de aparato partidário?

Nem sequer explicita – nem na resposta a mim tampouco em qualquer texto ou fala sua sobre a Coréia do Norte, e tenho certeza disso mesmo sem o acompanhar – a contradição entre as decisões das classes dominantes: há alguns anos, não apoiar a Coréia do Norte implicaria em apoiar a Coréia do Sul e os EUA, mas, de lá para cá, as Coréias estreitaram mais ou menos a relação, para o bem de seus povos, e a Coréia do Norte teve uma aproximação com os EUA. Essas contradições só podem ser ensinadas partindo-se da estrutura.

No âmbito geopolítico, é indiferente o mandatário dos EUA, quando o governo é controlado pelo complexo industrial-militar e precisa gerar guerras para perpetuar o capitalismo hegemônico de Wall Street (com seus bancos e companhias de petróleo), conforme Eisenhower já alertou no começo dos anos 50.

Isso significa que as classes dominantes dos países, mesmo quando erguem a bandeira do comunismo e do marxismo, é marcada por interesses particulares de classes.

Lutas de classes. Como se revistasse uma tropa, Kim Jong-un visita uma fábrica entre oficiais militares e trabalhadoras têxtil. A um marxista interessa saber do excedente dos rendimentos ou da mais-valia, base da exploração da produção. Todo o resto costuma derivar daí. Foto: REUTERS.

Vou partir, agora, para uma exposição estrutural e marxista, que é o que está faltando quando pseudomarxistas tratam desses assuntos:

Visentini, em seu livro supracitado, mostra que, apesar das montanhas e das pedras que dificultam a agricultura e apesar de ter metade da população da Coréia do Sul, a região da Coréia do Norte era a mais industrializada, através de minérios e hidroelétricas e parte siderúrgica, do que a região do Sul, que era mais pobre e dominada basicamente por proprietários de terras, tendo que ser “socorrida” durante a Guerra pelas potências ocidentais e seus interesses de classes. Há uma virada nos anos 1960 e 1970, em que o PIB se inverte e o Sul torna-se mais rico (com seus conglomerados familiares) do que o Norte, configuração que permanece hoje. A história da Coréia do Norte, assim, nasce em contraposição a esse Sul. (Quem assistiu ao instigante filme sul-coreano Parasitas, de 2019, sabe que, dado o seu espelhamento das guerras de classes contemporâneas, poderia ter sido gravado em São Paulo, no Rio de Janeiro, na Recife de Kléber Mendonça Filho, em Nova Iorque, daí o seu súbito sucesso e identificação mundiais…)

Veremos que, após a Segunda Guerra Mundial, em 1945, a União Soviética só dispunha de sua indústria bélica; não à toa, a Coréia do Norte, através dessa influência direta, devastada pela guerra, só poderá investir para valer em fábricas estatais de produção de armas e maquinários pesados.

Kim Jon Un e oficiais militares visitam fazenda de salmão na Coréia do Norte, em 2015. O que significa a fazenda ser “propriedade do Estado”? No marxismo, o Estado apenas é um espaço de domínio e poder da classe dominante. O marxismo apenas louva o Estado quando este é tomado pela classe trabalhadora, que expropria a burguesia (ou a classe dominante) em favor da sociedade. Foto: REUTERS/KCNA SOUTH KOREA

Todo marxista deve se perguntar: quem detém os meios de produção daquela industrialização? Outro dia, Ciro Gomes, com seu “trabalhismo” charlatão, disse que a Petrobrás pertence ao “povo brasileiro”; isto é certo apenas em termos retóricos, porque o lucro dessa empresa, que é uma sociedade mista, é administrado não pela classe trabalhadora, mas por burocratas do Estado e do governo federal do momento, além de outros domínios privados influírem. Assim, as plataformas submersíveis da Petrobrás e outros exemplos, a priori, não têm dono privado, mas são fruto de matérias-primas privadas da classe dominante e da redistribuição do sistema capitalista, e a ele servem, porque o Estado é a forma política do capital. Assim, Dilma, em determinado momento, quis destinar grandes porcentagens dos royalities do pré-sal à Educação e Saúde públicas, os plutocratas brasileiros dependentes dos plutocratas estrangeiros não deixaram; eu seria o primeiro a louvar a implementação, mas, por ser marxista, não nutriria qualquer ingenuidade caso não fosse apenas através de um “Estado operário” (em transição para o definhamento desse “Estado”) ou de Conselhos Nacionais de professores e estudantes (na Educação) e de médicos e enfermeiros (na Saúde).

Repito que há, na Coréia do Norte, uma classe dominante do tipo Clódio que detém os “meios de produção” e que é proprietária de grandes reservas e depósitos minerais com minérios que valem trilhões de dólares, além de metais raros usados na produção capitalista de smartphones na China e na Coreia do Sul. (Essa classe dominante não é uma burguesia clássica com seus CEOs, presidentes, conselhos dirigentes autocráticos, etc. engordando e acumulando em torno da mais-valia dos trabalhadores, mas a apopriação do produto do trabalho na Coréia do Norte não deixa de ser um componente do mais-valor, e tal classe dominante circunda o Estado, que tal como Gramsci nos ensina, é/era tudo no Oriente, enquanto que a “sociedade civil”, que no Ocidente é bem mais constituída, era no Oriente mais ou menos amorfa.)

Recentemente, pode-se procurar nos noticiários que as empresas da China (como a Baoyuanhengchang) entraram num acordo com a Comissão de Investimento e Parcerias da Coréia do Norte, que é encarregada de atrair investimentos estrangeiros, para desenvolver minas de ferro norte-coreanas. Deve haver uma chamada pelo alto a partir da qual os trabalhadores norte-coreanos se dispõem a cumprir.

Sabemos que a economia da Coréia do Norte é operada sob sigilo pelo aparato militar. Há um mercado clandestino (ou “mercado negro”, conforme alguns dizem) muito ativo. Todos sabem que a Coréia do Norte usa a sua moeda (o won) e também o yuan chinês e até mesmo o dólar dos EUA (o atrelamento da moeda norte-coreana ao dólar foi um dos esforços de Kim Jon Un desde que tornou-se chefe de Estado em 2011 e, segundo um site do mercado dos EUA, fez com que a inflação na Coréia do Norte caísse de 926% em 2010 para apenas alguns por cento hoje).

Até onde se sabe, há duas “economias” na Coréia do Norte – a estatal, que emprega funcionários do Estado e uma economia subterrânea. O preço varia entre o preço estatal e o preço de mercado. Já no informe de Marx “Salário, Preço e Lucro”, como também no Anti-Dühring de Engels, ou mesmo décadas antes, no próprio Manifesto Comunista (!!!) inovador, no capítulo II – Proletários e Comunistas, o trabalho assalariado é visto como a exploração moderna, depois da vassalagem e da escravidão, que deve ser abolida no processo revolucionário pela tomada dos meios de produção. Uma afirmação dessas (trabalho assalariado enquanto exploração) faz a esquerda média e social-democrata ou social-liberal ficar confusa (sobretudo numa época de informalidade e uberização), mas só pode ser explicada através da teoria do valor, que promove a compreensão de que o salário é apenas parte, migalha do “lucro” tomado da própria classe trabalhadora pela classe capitalista. Isto é o beabá do marxismo. Esse salário, na Coréia do Norte, vai variar de acordo com qual parte das duas economias o trabalhador atua – a estatal, concentrada, ou a do fluxo de capitais, embora uma e outra não deixem de confluir.

A partir disso, conclui-se que: 1) Da frase de Engels, “[…] o lucro do capital, bem como todas as demais formas de apropriação do produto do trabalho alheio, não remunerado, como mero componente desse mais-valor descoberto por Marx”, que há um valor a mais, um excedente do trabalho também na Coréia do Norte; 2) Não se pode esquecer da frase de David Ricardo que “marcou época” (segundo o mesmo Engel), dando consistência à Economia Política e a partir da qual Marx em seu gênio aprofundou-se: “O valor de uma mercadoria depende da quantidade de trabalho necessário para sua produção, e não da maior ou menor remuneração que é paga por esse trabalho” (Princípios de Economia Política e Tributação, Capítulo I, “Sobre o valor”, Seção I).

Mas não está ainda cristalino, pois é estranho comparar a espoliação da Coréia do Norte com a espoliação que vemos em “economias de mercado” explícitas. Aqui, portanto, é importante uma analogia, ainda que anacrônica, mas elementar dentro do movimento comunista e para o marxismo.

Lembremos que o rendimento das classes dominantes da burocracia da URSS (muitas vezes chamada de “capitalismo de Estado”, denominação que o próprio Lênin já utilizava em brochura de 1918 e posteriormente em 1921 para tratar da NEP) passou a ser constituído em larga escala de mais-valia (ou excedente, se preferirem, para diferenciar dos modelos capitalistas de mercado hegemônico) a partir do Primeiro Plano Quinquenal iniciado em 1928. Assim como na Coréia do Norte, ainda que fosse impossível identificar, de maneira isoladamente, a regulação da economia soviética pela lei do valor (característica básica do capitalismo), a regulação acaba sendo imposta pelas relações econômicas, ora atribuladas, ora arrefecidas, com o sistema capitalista mundial hegemônico. Marxistas da época e nos últimos anos (cf. Luis Fernandes, O Enigma do Socialismo Real: um balanço crítico das principais teorias marxistas e ocidentais, Rio de Janeiro: Mauad, 2000) identificaram que havia, na URSS, e isso é notório hoje na Coréia do Norte (os próprios oficiais fazem questão de mostrar imagens ao planeta), uma “economia armamentista permanente“, que não deixa de ser uma forma específica assumida pela lei do valor do sistema capitalista mundial na economia soviética e, agora, na norte-coreana.

“Mais-valia” dos trabalhadores para o círculo paranóico da guerra e da própria defesa: um homem numa estação ferroviária em Seul assiste a um noticiário de televisão em outubro de 2020, mostrando desfile militar comemorativo do 75º aniversário do Partido dos Trabalhadores da Coréia do Norte, realizado na capital de Pyongyang. Milhares de soldados sem máscara durante a pandemia e expectativa de exibir suas armas mais recentes e avançadas. Foto: Jung Yeon-je / AFP via Getty Images.

O fetiche da mercadoria, na Coréia do Norte, pode ser visto a cada novo super-míssel, a cada novo tanque, a cada novo teste de arma nuclear exibidos em paradas militares e festejados por Kim Jon Un e equipe militar sempre circundante. Tal como na maior parte do mundo contemporâneo, o fetiche da mercadoria, hoje, é encontrado a cada nova inovação tecnológica. (Não só no capitalismo japonês ou sob a Apple, que rouba invenção criada em laboratórios científicos como o Instituto de Massachusetts e militares com “dinheiro público” dos contribuintes dos EUA; até mesmo na China, que, enquanto bebê da produção, possui, de um lado, um capitalismo de exploração explícita do trabalho e horas compulsórias para sustentar o seu status recente de potência, e, do outro, um capitalismo de alta tecnologia – Huawei).

Porém, o mais importante não é o fetichismo em torno da bomba, mas seu caráter dissuasivo. Ela não é feita necessariamente para ser usada, mas para evitar quem a possui (Coréia do Norte e outros países que investem pesado na indústria bélico-militar) de ser atacado.

Em 2017, as autoridades da Coréia do Norte declararam que este novo míssel balístico “coloca área continental dos EUA no alcance de armas nucleares”. Foto: divulgação.

A competição militar dos países interimperialistas torna os “valores de uso” na meta principal da produção capitalista (cf. Ibidem), desnudando completamente a barbárie do capital – em seu centro e franjas ou nas intersecções, nas redomas e nas barreiras.

Podemos, enfim, dizer que grande parte da economia da Coréia do Norte se concentra nessa espécie de “economia armamentista permanente”, ainda que em configurações diferentes com relação ao que ocorreu na União Soviética, mas é fundamental fornecer esse achado para uma crítica marxista da exploração do trabalho e da sociedade de classes.

De acordo com o famoso historiador marxista Eric Hobsbawm (1917-2012), em seu livro Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991 (1994), a União Soviética saiu da Segunda Guerra em 1945 economicamente pior do que quando saiu da Revolução Russa de 1917, e os EUA emergiram como potência (Plano Marshall e outros motivos), mas, por sua vez, saíram da guerra preocupados com uma nova crise mundial nos moldes de 1929, ao passo que, vencido o nazifascismo pelo Exército Vermelho e pela luta comunista civil na Resistência dos países europeus, os EUA, tendo se tornado a grande nação da reação imperialista, incentivaram o anticomunismo. O que tinham os russos? Nada além de sua indústria bélica. Não é necessário ser um gênio para entender que a Guerra Fria e seus conceitos de direita e esquerda não passaram muitas vezes de retórica vazia e requentada que maquiou verdadeiros e robustos lucros econômicos para as classes dominantes por trás das marionetes, enquanto os efeitos eram drásticos nas lutas de classes nacionais que levaram a ditaduras militares na nossa “América Latina”, por exemplo.

(Trívia pessoal: lá pelos idos de 2013, durante minhas ambições cinematográficas em São Paulo – cheguei a cursar um semestre de Cinema e Audiovisual em Santos -, adquiri uma câmera de cinema soviética de 16 mm que era o meu xodó, fabricada na União Soviética pela Zenith, mas que vendi quando adquiri uma câmera analógica, porque é difícil hoje em dia trabalhar manualmente com filme e conseguir película, que eu tinha de arranjar no boca-a-boca: enfim, a Krasnogorsk-3 soviética, mesmo sendo pequena e de mão, era particularmente pesada e visivelmente composta por material bélico!…)

Ainda assim, é fato que a guerra entre EUA e URSS nunca foi apenas aparente. Durante a Guerra da Coreia, pilotos americanos e soviéticos entraram em combate. A crise dos mísseis em Cuba em meados dos anos 1960, da qual muito já se falou e escreveu, quase levou a uma guerra nuclear e pânico no mundo todo. As duas potências sempre estiveram em guerra: da Coreia ao Afeganistão. Vide o conceito de guerra by proxis.

De qualquer forma, a indústria do petróleo e o complexo industrial-militar se conjuminam e estão entre os mais ricos do mundo, têm os maiores financiamentos.

E durante o século XX o que não faltou foram conflitos armados. Hobsbawm menciona esse grande arranjo em seu livro.

Portanto, apesar dos projetos conjuntos com a “capitalista” Coréia do Sul em áreas de energia e outras, tudo o que a Coréia do Norte possui é a indústria bélio-militar para barganhar acordos e dissuadir.

Sua única alternativa é desenvolver tecnologia nuclear para sobreviver, daí o caráter distópico da Coréia do Norte, caso contrário há um suicídio muito mais terrível do que o desmanche da Alemanha Oriental, cujos traumas logo cicatrizaram. (A Alemanha Oriental, definiu Heiner Müller, não deixou de ser uma vingança da geração anterior, comunista ou não, contra os nazistas. Também a Alemanha Oriental era dominada pelo aparato de tipo soviético-tecnocrático, e conseguiu produzir pertinente cultura.)

Gastos com defesa são importantes em regiões de conflito, ou que tenham iminência de conflitos. Infelizmente, capitalistas e chefes de Estado lucram com guerras.

Kim Jon-un assiste a lançamento de um míssel de Hwasong-12 em 2017 para testar equilíbrio de força militar com os EUA. Foto: Reuters.

Voltemos à classe trabalhadora, raiz da sociedade, já que detém as forças produtivas, e que é a base mesmo da indústria bélico-militar com seus especialistas e técnicos mais ao alto. Um trabalhador têxtil de empresa estatal em Pyongyang está produzindo valor para a classe dominante tecnocrática e, em troca, recebe do “Estado” uma migalha em forma de salário. Se a irmã deste trabalhador trabalha em uma fábrica afiliada à China ou à Coréia do Sul na Coréia do Norte, ela recebe um salário-migalha de quantia maior (pois o lucro excedente e a mais-valia roubada pelos capitalistas desses dois países são maiores) e irá produzir valor para a classe capitalista da Coréia do Sul ou da China e, em parte, para a classe dominante da Coréia do Norte. Esse desarranjo torna o sistema norte-coreano bastante desestabilizado e instável, mas vacinado contra a economia de mercado autorregulado (nome jornalístico: neoliberalismo), que não deixa de ser também tirano, autocrático, exponencialmente hierarquizado. Uma coisa, porém, não justifica a outra.

Operários norte-coreanos fabricam têxteis no parque industrial conjunto de Kaesong, em 2013. A teoria marxiana do valor é a única que consegue identificar a exploração econômica; numa fábrica, ao fim do expediente estabelecido pelo dono cleptocrático, os trabalhadores não levam para casa o que produziram como valor de uso; o produto final é usado como valor de troca pelo proprietário daquele meio de produção; o salário é pago através de pequena fração do próprio lucro total arrancado da classe trabalhadora.
Abundam, nessas fotos da Coréia do Norte (poderiam ser no bairro do Brás?), a quantidade de trabalhadorAs produzindo um excedente que servirá de rendimentos à classe dominante do Estado: assim como aqui, esse lucro é detido pela classe capitalista explícita no setor privado.

Ainda assim, a Coréia do Norte parece ter pequenos empresários e estimula o conhecimento do empreendedorismo, da tecnologia e do capital de risco de certos membros de elite através do Choson Exchange. Li que há um site de comércio eletrônico (Manmulsang, em oposição à Amazon do bilionário semiescravagista Jeff Bezos), um serviço de compras pelo celular (Okryu, ainda que o acesso à internet e a celulares seja muito restrito) e um aplicativo de navegação (Gildongmu), sendo que fundadores desse tipo precisam superar obstáculos incomuns.

Um liberal defende a “liberdade de expressão”, sem jamais alcançar a necessidade da igualdade econômica dessa liberdade de expressão, que o capitalismo, por seu próprio funcionamento, nunca oferece. Um marxista vai mais fundo e se interessa pelo caráter econômico das relações. Nesse sentido, sabemos que do lado de cá nossa expressão é, hoje, mercantilizada pelo monopólio das redes antissociais para meia dúzia de bilionários tão infantilizados quanto Kim Jon Un (penso num Mark Zuckeberg, um adolescente marmanjo), nossos dados são vendidos ou fornecidos de bandeja para aparatos governamentais na velha relação incestuosa entre empresariado e corporativistas. Vivemos um mundo de louco: o tripudiador Trump é banido do Twitter, uma plataforma privada, e é como se o presidente dos EUA (!) perdesse a voz… Países como a Coréia do Norte também cerceiam a expressão e também aglutinam a produção do trabalho para uma meia dúzia.

O que mais podemos saber sobre as classes na Coréia do Norte? Andray Abrahamian, da George Mason University Korea, em Seul, que já trabalhou em cooperação estreita com empresas norte-coreanas (ele escreveu em 2020 o livro Being in North Korea), informou em 2020, no contexto da pandemia de COVID-19, que o Estado norte-coreano vai “coagir a comunidade empresarial” a comprar títulos de divisas cada vez mais caros para lidar com suas recentes crises, mas que haverá uma suposta “negociação” dos valores dos mesmos:

“Estamos falando de alguém que tem uma pequena empresa com dez empregados, cuja família ganha alguns milhares de dólares por ano e têm condições de viver numa casa boa, com alguns eletrodomésticos? Ou das pessoas que comandam estatais e ganham vários milhões de dólares por ano individualmente?”

Temos aqui um aspecto explícito das lutas de classes, ainda que não venha a público! Que empresários são esses? Parte da mais-valia desses empregados (privados?) vai também para o governo? Pode-se chamar tais empresários de burguesia, sendo que possivelmente não possuem os meios de produção principais e estão subordinados às matérias-primas detidas pelo aparato? São “pequena-burguesia”?

Abrahamian comentou ainda que é provável que a emissão de títulos de divisa crie tensões no interior da liderança norte-coreana:

“Haverá elementos no governo que vão querer se certificar de não estarem sufocando as empresas. Haverá outros que se preocupam muito menos com isso e se interessam no acúmulo de capital no curto prazo para os órgãos do Estado central.”

Prova tácita da correlação de forças das lutas de classes. Um país não é um bloco monolítico, é sempre muito mais complexo do que parece. Os interesses de classe, que formam diferentes ideias e ações no campo da superestruturra política, precisam sempre ser descobertos quando vamos ensinar ou aprender sobre determinada situação histórica.

Assim, além dessa franja empresarial, o excedente do trabalho na Coréia do Norte vai todo para uma espécie de cleptocracia (surgida como sintoma da guerra interimperialista), que centraliza poder militar e meios de produção enquanto propriedade dos membros do poder central.

Também na Coréia do Norte há uma espécie de “anarquia da produção“, ainda que do avesso se comparada com a nossa, de economia de mercado capitalista, sob outras configurações de caráter oriental (novamente a diferenciação gramsciana se faz presente). A contradição da sociedade burguesa em que o processo do trabalho no capitalismo é uma atividade coletiva, mas sua posse e usos não o são é chamada por Marx e Engels de “anarquia da produção”, que gera as crises periódicas típicas do capitalismo por conta da contradição entre as forças produtivas (detidas pelos trabalhadores) e as relações de produção da classe dominante capitalista.

Nem mesmo a pressionada Coréia do Norte, como já vimos, aboliu tal contradição entre atividade coletivizada e posse e uso “privados”. Em Engels (no célebre ensaio “Do socialismo utópico ao socialismo científico”, opúsculo retirado do Anti-Dühring), é explícito que a classe trabalhadora é que irá pôr fim à anarquia social da produção através da revolução. (Trata-se de um elevado ponto de chegada da conscientização na história humana ocidental e que nos remete ao clássico Rousseau, para quem a origem da desigualdade entre os homens reside na propriedade – Discurso Sobre a Origem da Desigualdade Entre os Homens.)

Ainda em Engels, em etapa avançada do comunismo, “Na medida em que desaparece a anarquia da produção social, a autoridade política do Estado também desaparece”. O que Engels diria da Coréia do Norte e do mundo hoje?

Não é a classe trabalhadora que está no domínio, mas meia dúzia de tecnocratas que não fazem parte da classe trabalhadora. De fato, esses tecnocratas possuem mais ou menos um papel de liderança. Não quero me aprofundar neste aspecto, porque periga cairmos na mera fenomenologia do poder, que é superficial, quando, na realidade, nos interessa estudar a mais-valia e a exploração econômica, a partir das quais surge qualquer elemento ditatorial ou liderança orgânica.

“O trabalhador produz não para si, mas para o capital”, mostrou Marx no livro I de O Capital. Como se fosse o avesso frio das zonas quentes do fluxo de capitais, o trabalhador norte-coreano produz não para si, mas para a classe do aparato do Estado, que promete defendê-lo de um mundo hosti. Que isso retorne em bens públicos já são outros quinhentos, porque é algo que países “desenvolvidos” de economia de mercado e governos social-democratas também o fazem, mantendo a sociedade de classes e a exploração econômica do trabalho, ainda que com direitos trabalhistas (ou não).

O capital, através do valor excedente (mais-valia), acumula, forma capital constante, remunera juros e recolhe tributos. O nosso setor público dos países de economia de mercado possuem orçamento que, em determinado momento de execução, independe do valor de troca do trabalho e de valor excedente. O limite de gastos com pessoal é determinado em lei. O setor público, a priori, tem função social e não mercantil, ou seja, teoricamente não vende os serviços baseado em valor de troca. Mas está conjuminado ao sistema capitalista. Aliás, foi construído pela burguesia para isto na forma de um Estado burguês e de um Direito burguês, que garantem a troca de mercadorias na legislação e a defesa da propriedade privada em termos policiais, militares, coercitivos, tal como Engels mostrou em apanhado histórico no Anti-Dühring, a partir do qual Pachukanis se debruçará décadas depois em sua obra Teoria Geral do Direito e o Marxismo. (Revolucionário empenhado na superação da burocracia soviética, intelectual comprometido com Lênin e com o marxismo, ele será executado no Grande Expurgo.)

A resposta para desfazer o nó entre “público” e “privado” só pode partir de uma etapa anterior, está num estudo sobre o trabalho, que funda o ser social, conforme Marx e posteriormente Lukács, na sua ontologia, nos legaram.

Esta pesquisa bibliográfica, de Janaína Lopes do Nascimento Duarte, explica a partir de Marx e de autores marxistas brasileiros contemporâneos, o que é trabalho produtivo e trabalho improdutivo na sociedade burguesa; o trabalho produtivo, produzindo um bem material ou imaterial, uma necessidade do estômago ou do desejo, está diretamente no processo imediato de produção e é comprado pelo capitalista para produzir valor maior, enquanto que o trabalho improdutivo é comprado pelo consumidor para consumir seu valor de uso.

Ainda que os assalariados do comércio não estejam diretamente no processo imediato de produção, são produtivos interiores à produção capitalista e à circulação de capital, são funcionais ao modo de produção capitalista e estão inseridos como classe despossuída no seu processo global de produção; os funcionários públicos, por sua vez, que são classe média/pequena-burguesia, também encontram-se de fora do processo direto de produção de mais-valia, não vendem força de trabalho diretamente ao capital, mas estão ligados ao Estado, instituição absolutamente necessária ao sistema capitalista, pois seus salários provêm de fundo constituído pela redistribuição dos rendimentos do sistema capitalista através dos impostos, que correspondem a uma parte dos rendimentos (salários, lucros e renda da terra) apropriada pelo Estado. (Como parte do sistema, os docentes, de uma forma geral, tanto público ou privado, ou seja, tanto o improdutivo quanto o produtivo, a partir de reformas educacionais acríticas e de ideologia neoliberal, acabam formando cabeças para o mercado de trabalho…) Mas o trabalhador de uma fábrica norte-coreana não pode ser comparado com um funcionário estatal brasileiro, pois o primeiro produz como um trabalhador do setor privado capitalista… Os empregados domésticos, por sua vez, ou os empregados temporários de escritórios, também são improdutivos, porque sua força de trabalho é comprada para o valor de uso particular de servir as famílias, ou seja, é um trabalho que se troca por rendimento e não por capital. Mas esse rendimento só pode provir do valor criado pelo processo de produção. Um trabalhador que contrata um empregado doméstico lhe dará parte de seu salário; contratado por um empresário, terá parte da mais-valia dos possuidores; contratado por um proprietário de terra, terá parte da renda fundiária do proprietário. Os serviços temporários de atores, músicos, prostitutas, auxiliares de escritório vendem trabalho improdutivo para o lucro, sendo que estes serviços foram certamente pagos com a renda ou derivam do trabalho produtivo, podendo estar subordinada à produção de mais-valia ou escapar de tal processo, dependendo do caso. O trabalhador autônomo, também exterior à produção, não gera sobre-valor, porque sua força de trabalho é utilizada por seu valor de uso próprio, mas está preso ao sistema capitalista através da redistribuição dos rendimentos.

Mesmo com tantas formas de trabalho improdutivo, explicadas rapidamente acima, toda a produção é produção do trabalho produtivo, porque, mesmo afastados dos muros das empresas capitalistas, só podemos produzir mercadorias com as matérias-primas e os instrumentos de trabalho produzidos pelas grandes empresas, por causa da brutal axiomática sistêmica do capital ou da forma mercadoria.

Disso podemos apreender que o trabalho, na Coréia do Norte, mesmo sendo assalariado a partir do “Estado”, não deixa de ser produtivo no contexto da indústria bélico-militar e de outras “economias” que por ali passam, mas, em grande parte, é um funcionamento heterodoxo ao modelo ocidental – seria errôneo dizer que todos os funcionários de lá são classe média/pequeno-burguesia (que, aqui, fazem parte da burocracia estatal), quando, na realidade, parecem muito mais com o operariado produtivo, dada a configuração do trabalho e o produto do trabalho.

O recente caso ocorrido na Região Industrial de Kaesong ilustra bem meu ponto. Como se sabe, apesar da planificação, cresce o comércio em vários pontos e há áreas industriais na Coréia do Norte, ou seja, passa ali algum fluxo de capitais; o complexo militar de Kaesong significou uma aproximação com a Coréia do Sul, que forneceu eletricidade, água tratada, petróleo e material de construção para a manufatura, enquanto a Coréia do Norte fornecia a região e os trabalhadores; a Região Industrial foi temporariamente pausada em 2016 quando se soube que os militares da Coréia do Norte estavam realizando um teste de bomba de hidrogênio.

A indústria bélico-militar, urdida a partir dos rendimentos do Estado pela classe trabalhadora, exerce múltiplos papéis na Coréia do Norte, que é um resultado das guerras interimperialistas do século 20 com novos elementos neste 21: lucro, fetichismo, defesa, caráter de dissuasão sem uso. Foto divulgada pela KCNA, agência estatal de notícias da Coréia do Norte, mostrando inspeção de armas nucleares em local não revelado. Tem sido importante para a Coréia do Norte divulgar fotos para mostrar ao mundo que está em equilíbrio de poderio militar. EFE/EPE/KCNA.

Ou seja, a classe dominante norte-coreana usa a maior parte dos recursos para a Defesa, além de serviços básicos públicos, obras faraônicas e propinas para a elite. As fazendas e fábricas são povoadas de trabalhadores que não parecem ter real autonomia revolucionária, assim como os daqui; o rendimento geral é detido, as próprias fazendas e fábricas não são da classe trabalhadora, mas de uma classe dominante nacional, ainda que possa se dizer que são do “Estado”, logo seriam “propriedade pública”, entretanto não é novidade nenhuma, para quem leu Engels (ver a foto de trecho do Anti-Dühring lá em cima), que o Estado é o Estado da classe a ser tornado supérfluo “no momento em que não houver mais classe social para manter em opressão”. A Coréia do Norte é melhor do que o luxo da nossa burguesia (há relatos de que Kim Jom Un e seu pai sempre se aproveitaram de prazeres exagerados) e do que Wall Street sustentando o complexo industrial-militar dos EUA, e vice-versa? É o avesso? O outro lado da moeda? Não me parece melhor, mas, para responder, seria preciso não uma opinião, e sim um estudo antropológico, da qual não é plenamente possível por causa do fechamento do regime… As conclusões a partir da exploração econômica por meio da teoria do valor podem ser suficientes.

Agora, vamos problematizar novamente o caráter heterodoxo da Coréia do Norte a respeito do trabalho.

No Tomo II dos Grundrisse, tratando do papel do Estado na relação das condições gerais da produção, Marx assinala: “Pode fazer trabalho ou investimentos que sejam necessários, sem serem produtivos no sentido do capital, isto é, sem que o sobre-trabalho contido neles se realize como mais-valor por meio da circulação, do intercâmbio”.

Um operário estatal da sociedade burguesa, exemplifica Marx, que constrói uma estrada deixa modelado seu sobre-trabalho que, a priori, não se pode vender, por ser estatal; é pago pelo custo de sua força de trabalho, despende um sobre-trabalho não retribuído que não se pode concretizar em mais-valia, pois não se troca no mercado. Os empregados públicos são pagos com o rendimento (impostos), não com o capital variável. Conclui Marx: “Por conseguinte, todas as condições gerais, coletivas da produção – enquanto não possa ocorrer sua criação pelo capital enquanto tal, sob suas condições – se cobrem com uma parte do rendimento nacional, do erário público, e os operários não se apresentam como trabalhadores produtivos, ainda que aumentem a força produtiva do capital”.

No entanto, expandindo o pensamento para além do capital, Marx ensina:

“Onde reina o capital (tal como ali onde há escravidão, servidão ou trabalho compulsório de qualquer tipo), o tempo de trabalho absoluto do trabalhador é posto como condição para que ele possa trabalhar o necessário, i.e., para que possa realizar o tempo de trabalho necessário à conservação de sua capacidade de trabalho em valores de uso para si. Em qualquer tipo de trabalho, a concorrência faz com que o trabalhador tenha de trabalhar o tempo completo – portanto, o tempo de trabalho excedente. Pode acontecer, entretanto, que esse tempo de trabalho excedente, apesar de contido no produto, não seja trocável. Para o próprio trabalhador – comparado aos outros trabalhadores assalariados –, é trabalho excedente. Para aquele que utiliza o trabalho, é certamente trabalho que tem um valor de uso para ele, como, p. ex., seu cozinheiro, mas não tem nenhum valor de troca, de modo que toda distinção entre tempo de trabalho necessário e excedente não existe. O trabalho pode ser necessário sem ser produtivo. Todas as condições gerais, coletivas, da produção – enquanto sua produção ainda não pode se realizar pelo capital enquanto tal, sob suas condições – serão custeadas, por conseguinte, por uma parte da renda do país, pelo erário público, e os trabalhadores aparecem não como trabalhadores produtivos, muito embora aumentem a força produtiva do capital.” (Grundrisse, p. 712)

O emprego público ou estatal, mesmo sendo assalariado como outro qualquer, está, do ponto de vista econômico, “em outra relação, se não de capital, enquanto capital”.

O beneficiário imediato deste sobre-trabalho não é diretamente o capital privado, mas as finanças da empresa e do Estado. Acontece que não existem “capital privado” e “Estado” sem classe dominante por trás, ou seria como tratá-los de maneira abstrata e pouco concreta.

É de se assinalar que geralmente as empresas estatais ocidentais são implantadas em áreas de baixa rentabilidade ou alto risco, ainda que necessárias para o funcionamento social. É exatamente por isso que o capital privado prefere que o Estado burguês o brinde com os ganhos indiretos pelo capital, descartando intervir de forma direta na sua exploração; obtém a baixo lucro e incorpora a seu processo produtivo, transferindo esses ganhos ao produto final que sai de suas empresas privadas e aumentando os lucros capitalistas ao reduzir o custo de financiamento.

A partir de informações das alfândegas internacionais (a Coréia do Norte não publica estatísticas sobre seu comércio externo), sabe-se que o país exporta mais (intercâmbios que ultrapassaram 6,5 bilhões de dólares, cerca de 20 bilhões de reais) do que países como Malta, Senegal, Líbano, Cuba ou Afeganistão, e que 85% dos produtos que entram na Coréia do Norte advêm da China (o resto, Pyongyang compra da Índia, Rússia e Tailândia). A China, por sua vez, compra 82% das exportações norte-coreanas, além de Índia, Paquistão e Angola também contribuírem nas negociações com a Coréia do Norte. Assim, é muito claro que a Coréia do Norte participa da “economia mundial de mercado”, isto é, do fluxo de capitais. É impossível imaginar um país descolado do resto da circulação mundial, sobretudo em décadas de globalização.

A Coréia do Norte exporta carvão (35% no total, segundo a matéria supracitada), quase totalmente comprado por Pequim; o comércio de carvão mineral (hulha) gera receita em torno de bilhão de dólares, ainda de acordo com a matéria acima. As sanções e embargos, portanto, muito comuns nessas áreas, impactam sobremaneira a classe trabalhadora da Coréia do Norte. A Coréia do Norte também exporta produtos têxteis (camisetas de malha, casacos, jaquetas, ternos e calças) que ultrapassam os 100 milhões de dólares. O segundo comprador destes produtos, em 2015, foi a Espanha (361.000 dólares). A França, ainda segundo os dados da matéria, comprou moluscos norte-coreanos pelo valor de 703.000 dólares. É o jogo das altas classes dominantes, em que o grande montante, gerado pelas forças produtivas, não é administrado pelos de baixo.

Pyongyang importa uma vasta gama de produtos: tecidos sintéticos, aparelhos de televisão, telefones, automóveis, pneus, computadores, óleo de soja, peixe congelado, mas a Coréia do Norte procura, como todo país que se preze, petróleo, e nisso, ainda de acordo com a matéria supracitada, seus principais fornecedores em 2015 foram China (62,5% do total), México (24,3%), Rússia (10%) e Turquia (2,5%).

O desequilíbrio estrutural gerado pelo fato de comprar muito mais do que vender é suprido em parte pelo investimento chinês no país, pelo superávit turístico (sobretudo de cidadãos chineses), pelas remessas enviadas pelos 50.000 trabalhadores norte-coreanos de vários setores do exterior, ajuda humanitária e empréstimos sem juros de seus aliados, além do contrabando.

Imagem sem data de Kim Jon Un inspecionando o míssil Hwasong-14. Segundo matéria do El País internacional, a Coréia do Norte “já dispõe de armamento nuclear suficiente para atingir a Coreia do Sul e o Japão. Até mesmo no caso de um ataque convencional, o país conta com um Exército de um milhão de soldados e 15.000 canhões e lançadores de mísseis direcionados, na fronteira, para o país vizinho. Seul e os 24 milhões de habitantes de sua região metropolitana seriam atingidos quase imediatamente. Um míssil lançado da fronteira levaria apenas 45 segundos para cair no centro da capital sul-coreana.” Mesmo que tais informações possam ser exageradas, interessa publicamente à Coréia do Norte que sua imagem seja associada a esse poderio bélico.

A Coréia do Norte é, infelizmente, repito, uma distopia (uso esta expressão sem qualquer intenção pejorativa ou caricata), é uma sociedade em permanente estado militar de paranoia produzida pelo mortífero combate das classes dominantes durante a Segunda Guerra Mundial e a traumática fratura geográfica; a sociedade dos EUA vive também a sua particular paranoia em defesa de seus privilégios, primeiro contra “o comunismo”, depois “contra o terrorismo”, e a sua prosperidade não é mais do que uma conquista bélica, ainda que seja uma sociedade muito mais complexa, multiétcnica, multicultural, por conta da história e da abertura (mesmo com protecionismo).

Assim, os apologéticos não estão defendendo a classe trabalhadora norte-coreana. Defender o povo contra uma guerra nuclear até a Organização das Nações Unidas o faz, e qualquer liberal… Isso é, de fato, o mínimo, em termos humanistas.

Em âmbito filosófico, é ainda mais simples: pode-se dizer que se está em favor e a serviço da classe trabalhadora (o universal), mas as ações são de acordo com os interesses e condições de classe (o particular), então a primeira categoria, com ganhos e equívocos, não é totalmente cumprida no nível prático.

Os trabalhadores norte-coreanos mantém, com seu trabalho, a máquina estatal, mas não detém os meios de produção através de organizações autônomas da classe trabalhadora, tal como elaborou Marx na Crítica do Programa de Gotha. Arrisco a dizer que, uma vez que o Estado não é tudo no Ocidente, tal como Gramsci ensinou, uma vez que a sociedade civil ocidental tem maior capilaridade do que no Oriente, em que o Estado era tudo, é possível que do lado de cá do mundo haja mais organizações classistas de trabalhadores independentes do que na Coréia do Norte.  (Recentemente, conforme foi noticiado, uma fábrica de alfajor e de doces na Argentina faliu; os próprios trabalhadores, que iriam para a rua, tomaram conta da fábrica e a transformaram em cooperativa, sem excedente, sem lucro, sem patrão, sem mais-valia. Infelizmente, essa tomada dos meios de produção é um mísero exemplo, que deveria se espraiar em áreas fundamentais da economia, fosse o governo peronista realmente revolucionário… Além do mais, se deu não por um processo revolucionário, mas pela falência da fábrica – e possivelmente do capitalista, que com certeza não é o dono do terreno, sendo este dono um proprietário fundiário que dele devia cobrar aluguel. Não faltaram brasileiros, aqui e aqui, um pouquinho mais lúcidos, afirmando que, finalmente, essa tomada do meio de produção pela classe trabalhadora é um exemplo comunista no qual Marx e Engels se orgulhariam. Ninguém pode dizer, se utilizando dum eurocentrismo marxista etapista – que o próprio Marx tratou de mitigar na Carta a Sigfrid Meyer e August Vogt e na Carta à redação da Otechestvenye Zapiski – que a Argentina é “rica” e “suficientemente desenvolvida” para aquela movimentação operária; ao contrário, está numa crise violenta. A Coréia do Norte é país subdesenvolvido ou em desenvolvimento, mas era mais rica que a do Sul, conforme já supracitado, tem um campo industrial, fabril, fazendas, e, se hoje dizem que é comunista, precisava ser comunista de fato, radicalmente comunista.)

Essa máquina, como toda máquina estatal, é controlada por uma classe dominante sobre as outras, no nível superestrutural: toda máquina totalitária precisa de um forte esquema burocrático, militar, policial, propagandístico, educacional, etc.

O excedente, na Coréia, é usado para manter essa máquina, que não gera valor. Há propriedade privada dos meios de produção detida pelos altos oficiais da classe dominante.

Nesse sentido, a única coisa que os trabalhadores norte-coreanos podem fazer é vender para o Estado (que se confunde com o burocrático Partido dos Trabalhadores) a sua força de trabalho, uma vez que os trabalhadores não são os detentores dos meios de produção. Esta é a condição da classe trabalhadora por lá, assim como para a classe trabalhadora aqui – embora, do lado de cá do mundo, os meios de produção são detidos por uma explícita classe capitalista e pelos donos do PIB, que escolhem seus representantes políticos para gerir o Estado burguês. Nos EUA, o que nasce de ciência através de volumosos investimentos públicos em laboratórios militares e meios acadêmicos, logo é vendido e monopolizado para bilionários da Apple. Na Coréia do Norte, é administrado pela classe dominante tecnocrática.

Os apologéticos dirão que o aparato está à serviço da população e dos trabalhadores contra as pressões do Ocidente e do imperialismo (capitalismo hegemônico reacionário) das potências dos EUA e da Europa. Ninguém nega que o regime não se abre por conta da pressão do Ocidente sobre o país. Anos e anos de isolamento contribuíram para o fechamento do regime.

Os apologistas, entretanto, precisam de uma antropologia política para afirmar aquilo, mas eles não a têm. Uma forma de se romper as amarras dogmáticas de um certo comunismo e marxismo é a análise antropológica: como os atores se representam, como agem, pensam no cotidiano, em suas mais variadas formas, aliado à concepção materialista da História. Marx e Engels, em vida, faziam questão de coletar dados e entrar em correspondência com organizações de trabalhadores pelo mundo que não conheciam… Não existe, porém, aprofundada e ampla pesquisa empírica na Coréia do Norte, que não esteja vinculada ao governo (que, lá, se confunde com o próprio Estado), muito menos as de caráter antropológico.

Resta a eles, então, uma prática propagandista e ideológica de acordo com o aparato extrínseco, nada mais.

Um colega meu distante visitou, anos atrás, Pyongyang, a capital da Coréia do Norte. Pedi breve relato a ele para este texto. Seu relato foi o seguinte (ipsis litteris):

“O país consegue garantir habitação, saúde e educação gratuita pra maioria da população. Pyongyang é uma cidade interessante, com ruas amplas e arborizadas, tudo muito limpo e bem cuidado, há uma boa estrutura de lazer, cinemas, teatros, pistas de patinação/skate, clubes aquáticos etc. O interior é mais pobre, mas não miserável. Segundo o embaixador brasileiro na época, sr. Roberto Collin, a grave crise alimentar da década 90 já havia sido superada. Longe de ser o país perfeito, mas também distante do que nos é noticiado corriqueiramente.”

E daí? Nos países “nórdicos”, que são “a maravilha” para a esquerda reformista, também há parecidas características em relação à vida cotidiana (às custas dos trabalhadores dos países subdesenvolvidos, vários deles imigrantes desempenhando serviços e trabalhos que a classe trabalhadora europeia já não mais exerce).

Isso é positivo em si mesmo?

Em termos de marxismo, não.

Para a teleologia marxiana e marxista, isso é o básico e isso é pouco.

É a proposta econômica da social-democracia e dos “pelegos” do liberalismo social.

Quando a vida da classe trabalhadora parecia melhorar em fins do século 19 através das conquistas sociais e trabalhistas e por melhores direitos, Engels ; “melhores salários” e “jornada de trabalho” , Marx “Salário, Preço e Lucro”. Eles continuam sendo a vanguarda.

Como, então, essa crítica pode se dar em um país que não tem uma classe capitalista explícita, e cuja economia de mercado é subterrânea, de contrabando e clandestina?

Há os detentores dos meios de produção, que definitivamente não são os trabalhadores norte-coreanos.

Rafael Albuquerque, em seu recente livrinho Por que não houve socialismo na experiência soviética? (São Paulo: Instituto Lukács, 2020), em que, a partir de Marx, Engels e Mézsaros, se utiliza de três argumentações …

“1) A permanência da cisão antagônica entre classe produtora e classe dominante;

“2) O fortalecimento do Estado;

3) A permanência do sistema do capital” (Ibidem, p. 12)

… nos fornece logo na introdução o substrato teórico-prático do pensamento revolucionário e emancipatório de Marx a respeito do trabalho nos diferentes tipos de sociedades de classes:

“Diante da investigação de diferentes formas de propriedade, no seu estudo das formações sociais pré-capitalistas, Marx apreende que a expropriação do trabalho de uma classe social por outra é um ponto em comum das sociedades que viveram sob alguma forma de sociedade de classes, como as escravistas e feudais e a moderna sociedade capitalista global consolidada. N’O Capital, portanto, Marx argumenta que, em qualquer forma de sociedade na qual uma parte da sociedade domina os meios de produção (e consequentemente exista a separação entre a existência ativa dos produtores e as condições inorgânicas desta existência), o trabalhador (seja escravo, servo ou trabalhador assalariado) está destinado a realizar trabalho para além da quantidade de tempo necessário para garantir a sua autopreservação, adicionando uma determinada quantidade de tempo de trabalho excedente (mais trabalho do que seria suficiente para garantir a sua existência enquanto produtor). Este ‘mais trabalho’, portanto, é fundamental numa sociedade dividida em classes na medida em que é responsável por produzir os meios de subsistência para o proprietário dos meios de produção. Neste sentido, para Marx, o mais-trabalho, esta parte do tempo de trabalho que não pertence ao trabalhador, não foi inventado pelo sistema do capital [Karl Marx, O Capital. Crítica da Economia Política, Volume I, São Paulo: Abril Cultural, 1983].”
O encontro entre força de trabalho e meios de produção, cuja finalidade é produzir valores de uso, não tem, em princípio, um caráter capitalista, uma vez que tal relação é condição perene da humanidade para produzir sua vida em qualquer forma societal. (A capitalização, sabemos, virá num processo bem avançado do desenvolvimento da história humana, sobretudo a partir do século 16, tendo encontrado o seu ápice no 19.) Por esta razão, de início, Marx dá um tratamento genérico aos meios de produção no interior do processo de trabalho, já que, per se, eles não têm uma natureza capitalista e só adquirem este conteúdo histórico quando o trabalho, a força de trabalho que os utiliza se transformou numa mercadoria, ou seja, quando se estabelece a relação especificamente capitalista, cuja condição essencial é a conversão da força de trabalho em mercadoria.

Essa relação capital-trabalho pode ser vista na Coreia do Norte: o trabalho, lá, é mercadoria.

E, assim como na Coréia do Sul, os marxistas revolucionários desejamos a tomada de empresas como Kia, Samsung, LG ou Hyndai (inclusive, as três instaladas enquanto multinacionais aqui no Brasil) para os trabalhadores livremente associados, assim também enxergamos o problema social na Coréia do Norte à tomada dos meios de produção pela classe trabalhadora, não por uma família e seus cupinchas militares, que só se justificam enquanto Defesa contra o capitalismo imperialista, mas mesmo essa justifica é meio verdade, meio falsa, porque pressupõe desviar o foco e não encarar o problema.

Frente a esse xadrez geopolítico, o rapaz, como bom imbecil, resume as coisas a “amizade”.

Frente a esse xadrez das lutas de classes, o rapaz, como bom imbecil, resume as coisas a “xadrez geopolítico”.

Em nenhum momento resumi à “amizade”! Apontei o fato inconteste da aliança entre classes dominantes ou suas representações, ao invés de tratar a Coréia do Norte como um todo abstrato, enquanto os Estados Unidos aparecem aí em cima representados com seus governos momentâneos, o que também é uma definição prematura que mal considera o paradigma do complexo industrial-militar.

A palavra “amizade”, que jamais usei, é usada pelos próprios protagonistas, que, depois de se ameaçarem superficialmente de morte e destruição, agitando seus “gados”, dão-se as mãos. O recente livro Rage, de Bob Woodward, revela 25 correspondências trocadas entre Kim Jong-un e Donald Trump. Em uma delas, o próprio Kim fala em amizade com “força mágica”. Ou seja, o “líder supremo” dos pseudomarxistas tem uma amizade do tipo “força mágica” com um capitalista falido da extrema-direitalha dos EUA!

Criticar isto não é criticar o “povo” norte-coreano.

E aqui reside, em exemplo tácito, a minha enorme crítica à “nova linha” do PCB e à UJC.

Leu tanto Lukács e nunca aprendeu o que é “análise concreta de situação concreta”.

A definição do marxismo enquanto “análise concreta de situação concreta” não é de Lukács, mas de Lênin (em seu texto “Kommunizm” de 1920, publicado no Jornal da Internacional Comunista Para Países do Sudeste Europeu), cujas reclamações e preocupações finais em relação às falhas do burocratismo são ainda válidas e pertinentes, conforme podemos ver no texto “Sobre o significado do materialismo militante” (em que cita dois burocratismos sobrepostos a serem mitigados: o burocratismo russo, mais antigo, legado pelo czarismo despótico e que os bolcheviques não conseguiram superar, e o burocratismo novo, soviético). A degeneração dos Sovietes com a industrialização acelerada, a militarização do trabalho e a expropriação de camponeses (proposta deplorável de Trótski que Stálin implantará) se dá em grande parte por uma maior acomodação da nova classe ao burocratismo – faltaram afirmação e legitimação do poder dos Sovietes. Lênin, antes, teve de se defrontar com muitas contradições; é preciso lembrar que o autor de O Estado e a Revolução, enquanto revolucionário clandestino, segue à risca as preposições do Engels do Anti-Dühring a respeito do definhamento do Estado a partir do momento em que a classe trabalhadora revolucionária o toma e socializa os meios de produção para a sociedade, mas, no plano do real, diante de capitalismo atrasado, do isolamento, da fome, da revolução alemã fracassada e outros problemas, o Estado não superou totalmente resquícios da velha ordem.

Ademais, quando Lênin trata da “análise concreta de situação concreta”, obviamente ele tem um horizonte revolucionário a partir de táticas de acordo com as necessidades e condições.

Mas, aqui, “análise concreta de situação concreta” é reduzida a pura tática conjuntural a serviço do aparato. Não se exerce qualquer ação calcada no marxismo.

E atenção com a palavra “concreto”!

“Quando exagero os caracteres abstratos deste concreto, chego a um ponto onde a racionalidade do nexo racional anterior cessa” (Lukács, Pensamento Vivido: Autobiografia em Diálogo, Instituto Lukács, São Paulo, 2017, p. 136)!

Finalmente, já que Lukács foi citado, é ele quem nos fornece cirurgicamente a chave para explicar esse fenômeno da “nova linha” do PCB – tratam-se de resquícios “stalinistas” na ação política. Vejamos o que o próprio Lukács ensina, e como casa perfeitamente (Ibidem, grifos meus):

“A verdadeira essência do stalinismo, em meu entender, consiste no fato de que o movimento operário conserva teoricamente o caráter prático do marxismo, mas, na prática, a atuação não é regulada pelo conhecimento mais profundo das coisas; pelo contrário, o conhecimento mais profundo é construído em função da tática do agir. Em Marx e Lênin, o dado primeiro era a linha fundamental do desenvolvimento social, desenvolvimento que se faz no interior de uma direção bem definida. No âmbito dessa linha fundamental resultam em cada época determinados problemas estratégicos e seus respectivos problemas táticos. Stalin inverteu essa sequência. Considerou primordial o problema tático e derivou dele as generalizações teóricas. Por exemplo, estabelecendo o pacto com Hitler, Stálin usou uma tática correta no confronto com o líder nazista, mas extraiu daí a conclusão teórica totalmente falsa de que a Segunda Guerra Mundial seria igual à Primeira, isto é, que o lema de Liebknecht – “O inimigo se encontra no próprio país” – seria válido também para a defesa anti-hitleriana dos franceses e ingleses, o que, evidentemente, não era verdade. Ainda hoje [1971], a dificuldade da política russa consiste em que ela nunca se pergunta o que é decisivo do ponto de vista histórico-universal, mas parte de determinadas questões táticas. Basta pensar no conflito entre Israel e Egito. De uma mera tática de grande potência, deduz-se que os egípcios seriam socialistas e os israelenses, não, quando, evidentemente, nenhum dos dois é socialista.” (Ibidem, página 136, grifos meus)
Isto explica por que não estamos tratando da questão no mesmo nível. Eles estão na simbologia, na retórica e na particularidade da universalidade vazia, ainda que a intenção possa ser boa – excluindo os oportunistas. Considerando a categoria da particularidade, eu estou na crítica revolucionária marxista.

Esse tipo de “marxismo” é impotente e incapaz de qualquer ação política. Fala em materialismo, mas é idealista, desinformado e perdido no mundo.

Esse tipo de marxismo é a própria bibliografia marxiana! É inacreditável como simplesmente se despreza a teoria em nome da supervalorização da conjuntura!

Não há ação política alguma – há militância acrítica, pseudomarxista em favor do aparato, não da autonomia da classe trabalhadora em favor da construção de uma sociedade comunista sem antagonismo de classes.

“Esse tipo de ‘marxismo'”, que negligencia a teoria do valor (defendendo o trabalho assalariado, exploração do capitalismo), a teoria do poder e do Estado e outras mais possui uma potência apenas basista, mas que é incapaz de qualquer ação política transformadora que não seja a parasitagem no Estado, em detrimento de CONSELHOS e COOPERATIVAS colocados no topo, acima e diretamente envolvidas na produção da sociedade.

Já não é mais marxismo, nem em sua análise social nem como práxis de uma construção revolucionária. Não à toa, Kim Jon Un não é nenhum grande elaborador marxista; o Juche e o Kimilsungism serviram para a “norte-coreianização” do comunismo, mas não servem à luta revolucionária a não ser em termos simbólicos, ideológicos e retóricos; a mera apologia emperra a construção revolucionária e despreza o marxismo. Repercute, afronta jornalistas neoliberalóides brasileiros e ocidentais que propagam a falsa dicotomia-armadilha de ditadura versus democracia, serviçais da burguesia, mas nada diz à realidade brasileira, por exemplo. É comunismo? Mas um comunismo cujo referencial é a classe dominante da burocracia, não a organicidade tal como ensinou Antonio Gramsci contra o centralismo burocrático, em nome do centralismo democrático e orgânico, em que sujeitos do mais profundo da massa, transformando-se em intelectuais orgânicos, sejam a direção do partido, mas não como “funcionários”.

É idealista, porque insiste no modelo do aparato tecnocrático pairando acima da classe trabalhadora e no culto à figura do “líder supremo” com todas suas simbologias míticas subsequentes; é desinformado, porque não esclarece as lutas de classes e a mais-valia ou o excedente dos trabalhadores; é perdido no mundo, porque luta para classes dominantes que estão pouco se lixando para nós, e tampouco consegue esboçar uma nova diplomacia mais digna.

Na melhor das intenções, esse “comunismo” ou “marxismo” pretende ser a defesa de uma luta anti-colonial, anti-imperialista, anticapitalista, mas, por sua própria defasagem teórico-prática interna, descamba para uma defesa de classes dominantes que estão longe de ser trabalhadoras; ao invés de construção revolucionária, conduz à parasitagem cleptocrática do Estado.

Que os coreanos, do Sul e do Norte, encontrem seu próprio caminho de paz. Eles não precisam da China ou dos Estados Unidos para isso, pelo contrário.

Que o Brasil e a “América Latina” trabalhem por uma radical construção revolucionária na ótica das lutas de classes através da teoria do poder, do Estado e do valor, senão a prática e a militância continuarão a desejar.

11 de janeiro de 2021

DENÚNCIA: Médicos privados e do SUS estão receitando ivermectina e azitromicina para COVID-19!

Uma pessoa da minha família pegou COVID-19 e a médica do SUS (!) receitou ivermectina (que o sacripanta Jair Bolsonaro, reforçando seus crimes de responsabilidade, voltou a defender hoje junto ao medicamento Annita, mas que só mata piolho e lombriga) e azitromicina (antibiótico também sem comprovação científica, conforme vários estudos demonstraram), além de outros remédios menos absurdos contra os sintomas (prednisona, novalgina, vitaminas D3 e C), ou seja, como se fosse um “kit”!

Enquanto o resto do planeta Terra (que não é plana) começa a se vacinar!

Ao escrever este relato, recebo de contatos outros relatos contando que médicos da rede privada também estão receitando tais medicamentos.

Um colega – do Direito, não da Medicina – me diz que a azitromicina, conforme mostra a bula, pode servir para complicações respiratórias, já que o sintoma mais fatal da COVID-19 é a falta de ar… Mas isso não retira o que dizem os estudos internacionais e não responde aos meus questionamentos, que escreverei no final. E o pior e tão preocupante quanto: o uso desenfreado de antibióticos durante essa pandemia pode levar a “apagão” contra bactérias resistentes, conforme pesquisadores e médicos têm alertado.

Leio que um ou outro prefeito direitista também incentiva tais “kits” – ao invés de fazerem como prefeitos e governadores mais sensatos, que correm atrás da vacinação.

Não nos interessa se esses médicos votaram 17 nas urnas em 2018, não nos interessa se não passam de sicofantas – nos interessa a Ciência, ou é caso para serem impedidos de exercer a função! Será que essa médica faz parte do “grupo” de “tratamento precoce contra COVID-19”, que se julga apto e “independente” a receitar insanidades, mesmo quando sob riscos de efeitos colaterais?! Sem consenso nenhum com a comunidade médica, epidemológica e científica?! A troco de que?! Simplesmente não existe ainda qualquer “tratamento precoce” para COVID-19, a doença do novo coronavírus. Os usuários não estão nem mesmo sendo “cobaias” (e nem poderiam), porque, conforme escrevi acima, estudos com tais medicamentos já foram realizados e divulgados.

Um receituário é a via final, é o resultado de um longo processo que envolve estudos científicos e imunológicos de outros profissionais gabaritados! E tais estudos têm sido amplamente divulgados.

Aos médicos e profissionais da Saúde que me acompanham, se manifestem! Ninguém faz nada?! Fica por isso mesmo?! O que está por trás?

Por que essa defesa insistente de um governo que não está nem aí para a pandemia e para os óbitos diários (antes, renitente em relação à ineficaz hidroxicloroquina, como se Bolsonaro fosse um garoto-propaganda do lucro farmacêutico escuso e do negacionismo), um governo que destruiu o ministério da Saúde e nossa expertise em vacinação?!

Por que o alinhamento de certos médicos com essa defesa renitente?! A troco de que?!

É uma quadrilha de corrupção em conluio com laboratórios? Essa gente não é “maluca” de graça, e fanatismo que atropela ciência e anos de estudo – e até reputação! – só pode ter interesses! Quais?! Como?!

E a conivência mafiosa do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Regional de Medicina?! A troco de quais interesses?!

Quer dizer que a “categoria médica”, ostentando seus privilégios (a Medicina, no Brasil, é curso elitista de classe média, e as exceções confirmam a regra), só esbraveja quando é para ser contra os médicos cubanos – que vieram suprir a falta dos médicos brasileiros, que não vão à periferia e aos rincões do país? Ruy Castro escreveu que tal categoria e suas organizações, diante da pandemia e da incompetência, deveriam já ter feito algo para impedir e até derrubar (juntar-se aos mais de 50 pedidos de impeachment, por exemplo) o sujeito que ocupa a Presidência, uma vez que ninguém melhor do que os próprios médicos para julgarem o seu papel neste momento de crise sanitária.

O que realmente está acontecendo?

Ps.: Notícia de ontem – Morre aos 36 anos pastor “bolsonarista” que defendia cloroquina e ivermectina. São várias as notícias de casos assim…

Ps. 2: Infectologias reforçam posição contra tratamento precoce da COVID-19.

Assisti ‘Amarcord’, de Fellini: impossível não associar fascismo ao Brasil com Bolsonaro

Eu, que me emocionei certa vez no CineSesc da Rua Augusta ao assistir A Estrada (1954, filme que comprova que é possível entrar na estética e sair na ética), que já chorei umas três vezes assistindo (1963, um dos meus filmes preferidos, às vezes o preferido junto ao Nosferatu de Murnau, de 1922), que me arrepio todo sempre que revejo o final sobre a incomunicabilidade de A Doce Vida (1960) com aquele sorriso da jovem em fade out, mais enigmático do que o da Monalisa, assisti, ontem, Amarcord (1973) pela primeira vez. (Obs.: Mais uma vez, a certeza – já enunciada por Tarkóvski em Esculpir o Tempo – de que nenhum outro compositor senão Nino Rota consegue compor uma música que contenha alegria, fanfarronice, melancolia, tristeza num mesmo tema, tal como pede todo Fellini, cujo olhar cinematográfico passeia sempre com amorosidade e sem julgamento pelos mais variados tipos humanos…)

No antológico e semiautobiográfico filme Amarcord, Federico Fellini retrata como o fascismo de Mussolini (subversivismo reacionário, para usar a expressão do grande Gramsci, preso pelos fascistas), que durou mais de 20 anos (de 1922 até o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945), junto à Igreja Católica, aprisionou os italianos numa perpétua adolescência. Em todo filme sobre Hitler ou Mussolini, há uma multidão de fanáticos, desprezíveis em sua ingenuidade ou proposital crueldade, enquanto outra multidão era perseguida, presa, assassinada; a imposição hipócrita da ordem de cima abaixo, enquanto os soldados não passam de beberrões irresponsáveis; um desejo sexual infantil a praticamente cada cena, reprimido e comum nas épocas de fundamentalismo, repressão, ordem. Destaque para uma faixa que diz “Deus, Pátria e Família” durante parada militar fascista, insígnias ultrapassadas e retrógradas que foram usadas na eleição de 2018 no Brasil. Destaque para a fumaça que permeia a cidade sob domínio fascista. Destaque para a bela cena em que alguém da resistência toca a Internacional Comunista, contra os fascistas.

Guardadas as enormes proporções e diferenças (o nazifascismo foi derrotado militarmente, mas ainda não totalmente ideologicamente), é mais ou menos o que vemos no Brasil com o sacripanta Jair Bolsonaro hoje (até quando?) e as Igrejas Evangelofascistóides: um certo infantilismo aborrecente, que pulula desde o linguajar chulo (discussões políticas com expressões infantilóides do nosso tempo de ensino médio e fundamental) até a irresponsabilidade social (com ou sem pandemia, mas sobretudo durante a pandemia). A esquerda sempre avisamos que não seria de outra forma.

O problema é que a sociopatia criminosa do DESgoverno já perdeu a graça e, antes que coisas piores aconteçam (sempre é possível piorar), resta acabar com a palhaçada mortífera ainda este ano, não importando se ele vai vender a própria mãe que o pariu, além de cargos e emendas, ao Centrão para safar a si e seus filhos delinquentes. Que os próximos adversários da classe trabalhadora venham, e vamos enfrentá-los! Nada de eleitorismo, nada de aludir a 2022, assumindo que o traste possa terminar seu mandato. Não pode. Fuzilamento, exposição do corpo em praça pública – não, calma, só estou me referindo ao final do Mussolini; basta seguir o rito da democracia burguesa falida e farsante, abrir um dos mais de 50 pedidos de impeachment ou interdição (desde que isso não o torne inimputável), embora a cassação da chapa Bolsonaro/Mourão tenha também fartas provas e motivos.

Ps.:

https://revistaforum.com.br/politica/bolsonaro-volta-a-imitar-mussolini-ao-nadar-em-praia-lotada-entre-seguidores/

(Enquanto o Brasil, que tinha expertise em vacinação e agora queda perdido sob a incompetência, conta mais de 200 mil mortos de COVID-19… Faltou, na matéria acima, apenas revelar que não são bem “seguidores”, ao menos não em termos de “apoio popular”, como ele pretende fingir, e sim PMs e seguranças devidamente posicionados na “cena”, aguardando ele chegar para a armação, conforme uma moradora de Praia Grande contou. O “marketing” serve para mentir “apoio popular” e se fazer de “humilde”, mesmo gastando milhões de horrores no cartão corporativo. Espanta que nem a mídia hegemônica nem figuras políticas desmascarem isso em rede nacional, tal como a “fakeada” e suas enormes incongruências mereciam melhores esclarecimentos.)

“‘Mussolini é o arquétipo de líderes populistas como Bolsonaro, Trump e Salvini’, diz autor italiano” (BBC Brasil, 06 de setembro de 2010).

“Bolsonaro posta frase de Mussolini” (1/06/2020) – que Trump também já havia compartilhado antes. Tanto no rosto/semblante quanto no comportamento “esquentado”, Bolsonaro é também quase uma cópia arremendada de Hitler, ainda que lhe falta qualquer elaboração política como a que havia, em nível baixíssimo, em Mussolini (a cara do Onyx Lorenzoni) e Hitler.

Colagem retirada da Internet – Mussolini e Hitler, Lorenzoni e Bolsonaro.