O que Lênin tem a ensinar para a esquerda brasileira neste momento (I)

Lênin tem muito o que nos ensinar. Talvez noutro momento, com tempo maior, eu traga mais elementos teórico-práticos lenianos. Por exemplo, o discurso de unificação de todos os setores antagônicos entre si, que aponta e identifica os verdadeiros inimigos da classe trabalhadora e da massa, não os bodes expiatórios (*), vítimas ou alvos da extrema-direitalha para desviar as urgências, mas contra os verdadeiros causadores da crise, da fome, da pobreza, da exploração urbana mundial, do latifúndio, da guerra mortífera – a burguesia, os capitalistas (**); no entanto, essa poderosa retórica só é melhor assimilada numa fase um pouco mais madura de consciência e caótica degradação generalizada. Por enquanto, rapidamente, fiquemos apenas com um fator importante que trata da pré-revolução e das estratégias gerais das esquerdas no Brasil no momento da conjuntura atual.

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Este usuário (contra Bolsonaro) tem uma parcela de razão, ainda que superficial. Meu objetivo, aqui, rapidamente, é aprofundar o entendimento para uma teoria da revolução, com Lênin, citado pelo mestre Florestan Fernandes em seu célebre ensaio “O Que é Revolução?” (1981), cujos trechos – fotografados por mim – encontram-se no final desta página. Só preciso, antes, contextualizar alguns pontos.

O comentário acima, escrito no perfil do Instagram da deputada federal Jandira Feghali (autoproclamada comunista), não considera a estrutura corrupta de comunicação e de fakenews do (des)governo, a qual as esquerdas perderam o bonde (a extrema-direitalha, paranoica em Antonio Gramsci, o faz financiada por empresários), que é decisiva no trabalho ideológico (tanto que, mesmo a esquerda parlamentar apostando no “quanto pior, melhor”, a direitalha usaria isso contra nós, e os próprios eleitores de esquerda ficariam indignados se os parlamentares não apoiassem, por exemplo, o auxílio emergencial em momento grave de pandemia – aliás, não só a esquerda, Rodrigo Maia e também partidos de outros espectros votaram na matéria), MAS a situação social, política e econômica desejada por este comentário que registrei da tela do meu celular se encaixa no que Lênin chamava de SITUAÇÃO REVOLUCIONÁRIA, momento importante que pode ou não levar à revolução (ler trecho no final). Faz lembrar a fala de Che Guevara a respeito do criminoso bloqueio econômico dos capitalistas externos, principalmente os EUA, sobre o socialismo de Cuba, embora num momento já pós-revolucionário ou, pelo menos, com a revolução em curso avançado: “O bloqueio tem facetas negativas e facetas positivas. Entre as facetas positivas está o desenvolvimento da consciência nacional e do espírito de luta do povo, por suas dificuldades. […]” É essa consciência coletiva e esse espírito de luta que prolongam e maturam a situação revolucionária.

No caso da situação revolucionária, porém, como se pode ler nos trechos fotografados no final desta página, trata-se sobretudo da pré-revolução. Quando há conscientização correta e organização coerente com a teoria e com tal conscientização, não raro a partir de liderança orgânica e direção política revolucionária culta, essa situação revolucionária encontra condições para ser amadurecida a uma revolução que transforme as estruturas da sociedade, da política e da economia. (O senso comum daqueles que nada sabem de teoria marxista acham sempre que nós, revolucionários, queremos implantar o socialismo ou até o comunismo do dia para a noite. O momento de ruptura é decisivo, mas socialização e comunitarização, ainda que impacientes, tratam-se sempre mais de processo e construção do que de ingênuo blanquismo.)

Voltemos à sugestão do comentarista. A direita – parlamentar (as “pautas-bombas” de Eduardo Cunha e sua corja), tucanos derrotados sem querer o impeachment, mas sim o “sangramento” de Dilma, nas manifestações de ruas, na Avenida Paulista e os patos da sempre golpista FIESP ou na Candelária, nos vários agentes da sociedade civil e na mídia neoliberal – contra Dilma, no “quanto pior, melhor”, foi contrarrevolucionária, quis mudar – ou desmontar, como ficou claro depois – a forma como o Estado das políticas públicas e dos programas sociais vinha se comportando em 13 anos (“[…] as contrarrevoluções fermentam ódios coletivos e armazenam as energias revolucionárias das classes trabalhadoras e das massas populares”, escreve Florestan em outro trecho do ensaio para refutar aqueles que pensam que é impossível uma revolução na América Latina); as esquerdas, por sua vez, podem, não sem estratégia orgânica, adotar a tática para progredir à situação revolucionária, em que primeiro o sofrimento propiciado pelo capital torna-se tangível, latente, em que as agruras são sentidas para, daí, serem superadas sem lenitivos e bandaids. Com a pandemia, o capital mostrou sua verdadeira face de barbárie, mas houve mundialmente uma urgente reorganização do Estado diante do neoliberalismo, e estamos monitorando o que a direita faz e fará a respeito com as pautas historicamente de esquerda. (Ainda sobre esse aspecto, vale a pena empreender a leitura do meu texto sobre a recente debandada neoliberal na Secretaria Especial de DesestatizaçãoDesinvestimento e Mercados (!) do terraplanista econômico Paulo Guedes, com um histórico sobre as tentativas de implantar o (neo)liberalismo no Brasil.)

Em suma, a questão vai além do auxílio emergencial, que fez despencar a pobreza e a desigualdade de renda (não outras) chegar no menor patamar da História, mas que não é, segundo a mídia hegemônica, sustentável, nem eterno, enquanto a crise se agrava. Vai além, envolve o próprio projeto da esquerda; o que a esquerda quer de forma clara, o que queremos; se quer transformar a sociedade, a política e a economia ou, presa a concessões do cume e sem construção com a base, manter o status quo estrutural; de onde parte essa esquerda partidária (tendo a ojeriza da teoria marxista e pensando apenas em eleições); se trabalha pela construção do socialismo numa formação e educação teórico-práticas com a base da pirâmide; qual, enfim, o seu horizonte e objetivo coletivos, porque o puro reformismo ingênuo, a política pública como pauta única, a social-democracia, o liberalismo progressista, o crédito consumista e o Estado assistencial – que o aporofóbico e xenófobo Bolsonaro, sem a mesma competência e sinceridade biográfica que Lula, esboça usar para fins eleiroreiros e oportunistas, comprando o povo nordestino e também miseráveis, lúmpens, donas de casa desesperadas – desmobilizaram totalmente as esquerdas no Brasil (movimentos sociais, centrais sindicais, trabalhadores, mesmo os partidos de vanguarda terão que reaprender a lutar), dopam a sociedade, significam sempre um adiamento material da situação revolucionária – enquanto a concentração dos meios de produção e a acumulação continuam – e um balde de água fria na consciência e organização revolucionárias: varrem a poeira do capitalismo para debaixo do tapete até explodir a próxima crise e golpe.

Respostas ao comentário anterior.

Finalmente, leiam o que Lênin nos ensina (apud Florestan Fernandes) sobre a situação revolucionária:

(*) Lênin usou tal discurso unificador em relação aos judeus, por exemplo.

(**) Brecht usa a fórmula leniana de união antiburguesa em uma de suas peças de teatro. Ouvi da boca de Heiner Müller, em uma de suas entrevistas, e parece, salvo engano, que a peça não foi finalizada. Uma das cenas traz dois soldados de lados opostos prestes a guerrear, até que um deles – num momento de alta conscientização de classe – diz que o verdadeiro inimigo de ambos é quem está atrás deles, os comandando. O outro concorda com tal lucidez. Apertam as mãos, desertam, e vão para um hotel esperar a revolução, que não chega. Até que um deles diz (com outras palavras, mesmo sentido): “Não morremos no campo de batalha, mas morremos aqui, neste quarto de hotel.”

16 de agosto de 2020

Um comentário em “O que Lênin tem a ensinar para a esquerda brasileira neste momento (I)”

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