Sobre “Arte e cultura em Trotsky”, de Flo Menezes

Arte e cultura em Trotsky

Um aluno me enviou. É um texto com equívocos e ingenuidade. Mais do que isto, é um texto superficial demais. Para tratar de marxismo e arte, não é bem esse o foco e autor adequados, ou pelo menos o são apenas como uma breve introdução ou passagem.

Não sei se terei tempo de intervir ponto a ponto, mas, felizmente, temos um Lukács, no marxismo, que ensina sobre a estética, coisa que Trótski nunca fez. Com Breton, ele caiu no anarquismo, não numa construção comunista nova. A preocupação de Trótski, todo o debate naquele período foi o de se o Estado soviético deveria ou não intervir na produção artística. É uma questão importante, mas meramente estatal. (No Brasil, sobretudo, sempre foi explicitamente a direitalha a perseguir a cultura e os artistas, e o termo “arte de direita” se tornou uma piada, especialmente nos últimos tempos com Alvim, Regina, Bozo.) Isso nada tem a ver com um debate profundo sobre arte e marxismo. Sem esse norte (arte e marxismo), e preso à questão da burocracia ou do stalinismo, o texto cai em diversos equívocos ingênuos – “liberdade”, “autonomia da arte”, etc. É um debate extemporâneo, porque o nazismo também exercia poderio policial contra a cultura e os artistas “degenerados”. Definitivamente, não é nem de longe essa a questão que importa no marxismo. Qualquer pessoa ética sabe que um artista não pode ser reprimido nem a arte e a cultura do povo serem ditadas por uma burocracia tecnocrata de cima para baixo sem a participação dos artistas e desse povo, mas isso não é pretexto para se separar o fazer artístico de princípios marxistas – inclusive estéticos, ou estaremos incorrendo numa ideologia puramente liberalóide, metafísica, burguesa e de profunda inconsciência sobre de onde se parte e para onde se aponta com o fazer artístico. Mesmo o uso de um Adorno não é o totalizante no tema. Até quando o texto supostamente apresenta um exemplo – Mário Pedrosa -, não desenvolve nada sobre arte, seja a forma ou o conteúdo, que, aliás, não são dualistas, um não existe sem o outro. Apenas usa Pedrosa para atacar uma vez mais o stalinismo. Estamos na época do Grande Expurgo?! Isso é fácil. Qualquer um faz e já fez. É um texto ralo, sem conceituação. Marxismo não se resume a política estatal.

https://www.marxists.org/portugues/lukacs/1956/estetica/estetica-marxista.pdf

Frequentemente, parece que só cabe aos trotskistas chamarem os outros de stalinistas e falarem mal de Stálin. Até já se esqueceram da burguesia e dos burgueses, mal atacam os capitalistas – os principais inimigos parecem ser os stalinistas. Estes, por sua vez, precisam continuar matando Trótski. É uma pobreza para a teoria marxista… Ficam amarrados a picuinha de russos, e russos mortos!… Uma querela mui interessante do ponto de vista histórico, mas não para conceitos e categorias fundamentais no marxismo. Meu intuito foi o sempre de sair dessa prisão, e por isso tive altas discussões com os 2 lados.

Na questão da concepção da arte, Gramsci (no Brasil, vide Waldemar Cordeiro) e Lukács foram os mais instigantes e formativos no marxismo. Da Rússia, a vanguarda revolucionária, nada melhor do que um próprio artista, ou seja, aquele que se empenha e trabalha numa práxis, tendo, portanto, a soberania para tratar da questão: então, o próprio Maiakóvski citado no texto, que escreveu um livro sobre como fazer versos, sobre poesia e marxismo, um livro absolutamente engajado e popular, em que não restam dúvidas do caráter comunista do poeta, afirmando, por exemplo, que o bibliotecário precisa ser um propagandista do livro comunista. Pena que o texto acima só fale do suicídio… Não cita nada sobre a concepção maiakovskiana da arte. Flerta com a fofoca, “triângulo amoroso” … e stalinismo. É pouco, é pobre.

https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxzYW5kcmFtc3Ryb3Bhcm98Z3g6ZTBhZDRlODQwYmRhY2M0

“Sem forma revolucionária não há arte revolucionária” – Maiakóvski.

Arte não é e não pode ser solipsismo. A arte não é voltada a si mesma, porque os instrumentos vêm do modo de produção, a arte muda de acordo com as condições socioeconômicas, e uma obra se abre para o seu tempo com propósitos políticos de agitação, denúncia, emancipação, crítica. Ao menos, tudo o que eu faço e fruo em arte corre nesse sentido… Brecht… Pasolini… João Cabral… Chico Buarque… Todos os grandiosos artistas, de todas as áreas, possuem essa veia. Qualquer um que age no sentido da suposta autonomia está procurando uma desculpa para fazer o que bem entende e se livrar da sua própria responsabilidade social, nada mais.

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