Não padeço de “crise de inspiração” – não me faltam ideias e muitas anotações despendidas em dezenas de blocos de notas… Sofro do horror mallarmaico da página em branco… Termo algo clínico e menos romântico: bloqueio. Li que Salman Rushdie, após o ataque que sofreu, está em dificuldade semelhante por causa de “estresse pós-traumático” (“Sento para escrever e nada acontece”, revelou): sob bloqueio há anos e tanta distração a prejudicar disciplina, não precisei de atentado nenhum a não ser o conflito teórico-prático mal resolvido entre realismo e modernismo… Preciso me apaixonar por alguém, e do vinho e do conhaque, porém prosa (diferentemente de poesia) requer difícil e contínua prática de costura depois, sempre depois do estado de inspiração arrefecido… A escritura é uma benção, mas começar a escrever é limitar infinitas possibilidades (exemplo imagético e concreto de infinitude: o triângulo matemático de Pascal, um triângulo lindo e infinito)… Não a balela de autoajuda motivacional, mas “O Artista Inconfessável” (João Cabral de Melo Neto) me serve de bom poema-lenitivo nessas horas!… Borges (só escrevia contos, e afirmou no prefácio de Ficciones que compor longos romances é um “desvario laborioso”) escreveu que só se publica um livro para se livrar dele: livro livra! Devo juntar todas as ideias num só livro, ou não escreverei. Medo, porém, de ser deixado em esgotamento e vaziez…