O melhor argumento contra o socialismo ainda é muito ruim. Está em Friedrich August von Hayek (1899-1992), opositor impenitente de qualquer forma de socialismo e até de qualquer social-democracia; anticomunista, antimarxista, aquele que afirmou preferir uma ditadura sanguinária como a de Pinochet com mercado autorregulado (neoliberalismo) do que “democracia” com regulação. O Estado vira pura coerção; o mercado, pura tirania. Fome e repressão. Basta isto para qualquer ser lúcido manter-se distante desse perverso. Mil vezes melhor um Polanyi, na mesma época pós-guerra, contra a forma mercadoria: a autorregulação do mercado é que levou ao nazifascismo, porque, ao ver-se ameaçada, a classe trabalhadora faz movimento brusco para proteger-se (infelizmente, tal movimento, a priori revolucionário, é cooptado pelos nazifascistas reacionários)!
É preciso, porém, encará-lo para desmontá-lo:
A pseudotese deste autor da “escola austríaca” vê o mercado como um sistema descentralizado e “insuperável” por promover o encontro de ofertantes e demandantes de mercadorias. Nada sobre classes sociais! Contra qualquer intervenção socialista, Hayek o define como uma “auto-organização insubstituível” (pérfida metafísica!) que reproduziria a sua própria estrutura. Ora, um sistema autônomo e livre de liames sociais não existe, e ninguém jamais conseguiu provar sua existência! (Cf. Lukács, Conversando Com Lukács, São Paulo: Instituto Lukács, 2014, p. 54.) É ficção. Nem mesmo admite a intervenção do Estado burguês pela legislação e na segurança coercitiva da propriedade… Para Hayek, a relação sob o capitalismo seria espontânea – mas, na vida real, constatamos que o mercado é, na sociedade de classes burguesa, seletivo e hierarquizado, sem contar o papel da mídia e da propaganda, que servem à classe dominante!
A economia mundial, para Hayek, não opera com a razão. A razão pode arruiná-la. Ora, estamos diante dum irracional confesso! A justiça social destruiria “uma civilização que nenhuma mente planejou, pois ela cresceu a partir dos esforços livres de milhões de indivíduos”. Podemos notar, assim, que Hayek, como todo direitista, não sabe de História (sobretudo a história da acumulação primitiva mostrada por Marx em O Capital). Hayek diminui a construção humana para elevar e santificar um sistema abstrato.
Fácil desmontar o cerne da pseudotese: basta apontar sua defasagem quanto à teoria do valor e mostrar que, seguindo o erro do liberalismo e da economia vulgar desde o século XIX, Hayek apreende o capitalismo apenas na aparência (a circulação de mercadorias), sem alcançar ou até escamoteando a relação de produção que é sua essência: a contradição entre capital de um lado e trabalho assalariado do outro, comprovada pelo mais-valor (ou mais-valia, na tradição tradutória brasileira) e que revela a exploração classista e a dominação política.
Por que é o melhor (pseudo)”argumento” contra o socialismo, então? Porque o socialismo, para ter sucesso, não pode ser governado por um “sujeito automático” e “acumulativo”, e sim por um télos associado às necessidades humanas e ao enriquecimento cultural de todos. É famoso o lema comunista por excelência lançado por Marx na Crítica do Programa de Gotha para a transição socialista: “De cada um conforme suas capacidades; a cada um conforme suas necessidades!”
E por que é ruim, além dos equívocos já apontados? Porque não passa duma apologia barata (apologia do mercado capitalista tirano) com pitadas de charlatanismo, exacerbação idealista do individualismo e até bandidagem fascistóide e burguesa, que só serve à matriz da corrupção, que certamente advém do próprio mercado: um sistema baseado na concentração dos meios de produção e no lucro acima de tudo só pode ser corrupto e, hoje em dia, cada vez mais autocrático com seus bilionários, monopólios, conglomerados, OMCs, FMIs, FIESP, CIESP, etc. etc. etc. a decidir tudo de cima para baixo a despeito do povo, dos trabalhadores e mesmo dos partidos ou organizações democráticas.
Na construção da sociedade comunista (abolição do capital, fim da divisão e antagonismo de classes, abolição do sistema de trabalho assalariado em nome do trabalho fundante, dissolução do Estado-coerção, meios de produção socializados para a sociedade, propriedade comunitária, etc. etc. etc.), o mercado sem dúvidas terá de ser mitigado ou até destruído, conservando dialeticamente o que possa haver nele de de positivo para a humanidade.
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Adorei o texto, parceiro. Lukács explica muito bem o contexto de surgimento da economia austríaca em A destruição da razão, onde a economia será dominada pela subjetividade e pelo combate ao marxismo, o que explica conceitos como “valor marginal”; Hayek, diga-se de passagem, nem acreditava nas ciências sociais e sua capacidade de estudar a realidade objetiva, preferindo, ao contrário, defender que só a consciência dos indivíduos é que deve ser estudada (tentou unir a economia burguesa à fenomenologia).