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Todas as tentativas de implantar totalmente o liberalismo e o neoliberalismo no Brasil, ou seja, de desmantelar o fantasma de Getúlio Vargas e seus resquícios por inteiro num país dito “subdesenvolvido” ou “em desenvolvimento” e de capitalismo dependente, fracassaram.
O liberalismo (corrente complexa, mas que em Adam Smith, diante de uma burguesia revolucionária contra o despotismo da aristocracia, significa liberdade de mercado, desde que o Estado cumpra sua função social e organizativa, e que contempla educação e saúde públicas, por exemplo) e o neoliberalismo (nome jornalístico para “mercado autorregulado”, ou seja, uma radicalização do liberalismo) tiveram algumas encarnações no Brasil, mas nenhuma foi duradoura, todas fracassam em sua totalidade no suposto projeto de “modernização” do país. Não fracassaram apenas porque simplesmente o liberalismo e o neoliberalismo são, realmente, concentração e exploração, porque o liberalismo já se mostrou uma farsa em todos seus níveis econômicos, políticos e supostamente filosóficos, porque o neoliberalismo leva sempre à fusão e aquisição de Wall Street, isto também, em qualquer canto do globo, mas porque o próprio empenho dos (neo)liberais de implantar na totalidade do país e do Estado brasileiro o liberalismo e o neoliberalismo se mostrou ineficaz. Quando o liberalismo ou o neoliberalismo – a partir daqui, os termos virão unidos, salvo quando seja citação de outrem ou quando trato do liberalismo historicamente anterior – entram em curso no Brasil, sempre há um momento em que o Estado social – como aquele projetado pela Constituição de 1988 – vem à baila para consertar a sociedade e a economia, frustrando os planos dos (neo)liberais.
Não adianta procurar liberalismo efetivo no Brasil antes da segunda metade do século 20. Serão indivíduos ditos liberais, não agenda de cima para baixo. A afinidade do liberalismo com a escravidão foi mais explícita e profissional na Inglaterra. O clero, no Brasil, foi efetivamente posto de escanteio pela elite militar conservadora (e por setores civis republicanos, mas sem ainda qualquer poder hegemônico). No Brasil, contou sempre univocamente a mão da oligarquia, além de outros fatores nacionais mais complexos; não houve nem mesmo uma revolução liberal, e sim transformismos do alto, “revolução passiva”, para usar um termo de Gramsci. Da colônia para a independência, desta para a monarquia (Dom Pedro II indolente, rodeado de escravistas, falindo o projeto de industrialização do barão de Mauá), desta para a República, etc., as classes dominantes, pouco liberais, ditaram o rumo, inclusive a respeito do capitalismo que engatinhava, desenvolvendo-se não de maneira nacional e homogênea. (As Diretas-Já, movimento amplo, debaixo, popular, pareciam que iam quebrar com a maldição do transformismo pelo alto, mas logo o poder caiu nas mãos da oligarquia e da burguesia.) Enfim, da década de 1950 para trás, apenas observamos o peso da oligarquia ou do Estado desenvolvimentista (Juscelino), mesmo nos períodos das Repúblicas civis. A política do café com leite… E então veio Vargas – o primeiro e o segundo, o ditador e o democrata, muito diferentes entre si, mas com um centro igual: o Estado enquanto Salvador ou Leviatã -, ou seja, veio o Estado Novo, um novo Estado, com resquícios ainda hoje, com todos os seus acertos sociais e vícios burocráticos. Toda tentativa (neo)liberal no Brasil consiste em desmontá-lo por inteiro, o que nunca se realiza. No final dos anos 1990, parecia que finalmente aconteceria, aconteceu aquilo e ali com as privatizações, mas não vingou, não durou nem foi por inteiro. E, quando ele retorna, é claro que não se trata mais de varguismo, e sim dos seus resquícios de acordo com o tempo e com os políticos – de esquerda ou de direita.
Portanto, até agora (2020), as tentativas de implementar o liberalismo e o neoliberalismo no Brasil foram precisamente as seguintes:
- Após o golpe de 1964, . Não durou. A partir de 1967 , É verdade que Bob Fields (como passou a ser chamado) , até com o Serra , mas sempre era frustrado, chegando a afirmar: “O “. Quando era criticado pelo fato de ser um por ter apoiado a ditadura, a tal liberdade individual é a “única e implacável liberdade de comércio” (como Marx e Engels escrevem brilhantemente no Manifesto). nunca foi um problema para esse tipo de gente, desde que a economia continue sendo a economia vulgar, . Basta lembrarmos de Hayeck Pinochet: preferível uma ditadura sanguinária com o “mercado autorregulado” (neoliberalismo) do que uma democracia.
- Com a vitória de Fernando Collor, em 1990. Collor, além do contra os “vermelhos”, os comunistas, despontava contra os “marajás” ( ) e prometia um golpe de karatê na inflação. A economia piorou, ele não extirpou os marajás da burocracia federal, não modernizou nada e foi exposto em escândalos escabrosos de corrupção. Itamar Franco assume novamente políticos e o Estado intervém na economia para estabilizá-la, o que dará no Plano Real.
- Dirão que os dois governos FHC, logo em seguida, foram neoliberais, ou até mesmo o momento mais longevo do neoliberalismo no Brasil. O neoliberalismo na chamada “era FHC” não foi totalizante nem monolítica. É verdade que pró-mercado, subserviente ao FMI e ao capital hegemônico estrangeiro, exclusão social, enfrentou greves enormes de trabalhadores e privatizações criminosas (como a da Vale), mas o PSDB, até então, e basta ver sua gestão incompetente nos governos do estado de SP, sempre alimentou o corporativismo corrupto das estatais, seja SABESP, etc. Mais do que isso, no caso de FHC, tratava-se de um governo fraco, dependente, sem nenhuma grande reforma ou tentativa de “modernização”, como nas outras tentativas. Hoje, uns 20 anos depois, podemos dizer, sem medo de errar, que a dinheirada das privatizações tucanas está em paraísos fiscais. interrompida em 2002.
- Do golpeachment de Dilma até o governo ilegítimo de Temer (até o desgoverno Bolsonaro). “neoliberalismo”, sobretudo no segundo governo, e apontam a figura de Henrique Meirelles. A verdade é que tratava-se de uma aliança com a direita, mas o caráter hegemônico da Era Lula era o combate a fome e à pobreza, programas sociais, investimento nos serviços públicos e , no momento mesmo em que continuava a os bancos e, ao invés de pulverizar o mercado, fortaleceu oligopólios. O primeiro governo Dilma, exitoso, viu no segundo, , Levy. Ela tentou manter os programas sociais e o Estado “inchado” (adjetivo da própria direita). O golpeachment – novamente com apoio sistemático do empresariado da FIESP e mesmo da mídia hegemônica – deu no governo ilegítimo e impopular de Michel Temer. Este, sim, marcou um outro rumo, uma outra encarnação do liberalismo e do neoliberalismo, com pitadas de conservadorismo. Nesse período, aprovaram, com lobby midiático e político, para a felicidade dos capitalistas e dos patrões, a reforma trabalhista, a lei das terceirizações e a PEC dos Gastos (para “enxugar a máquina pública”), mas não conseguiram aprovar a reforma da previdência. De qualquer forma, talvez pela primeira vez o liberalismo e o neoliberalismo pareciam ter vindo para ficar, sustentado pela mutação neoliberal do capital mundial, uberização, infotrabalhados e afins, ou seja, com a mudança da sociedade disciplinar para a sociedade de controle. Aquela sensação coletiva de que a direita tinha vindo para ficar com seu projeto conservador e (neo)liberal, assentada na infeliz eleição de 2018, se dá ou se dava por vários motivos, entre os quais: 1) desmobilização histórica, de 13 anos, quando tudo parecia bem, e que precisará urgentemente ser entendida para ; 2) 3) 4) esquerda pós-moderna, que
- Não é à neoliberais e outros coloquem FHC e o PSDB no mesmo bolo que Lula e o PT, como se fossem todos social-democratas: não apenas pelo fato de ser uma extrema-direita exótica, mas porque trata-se aqui, da mais radical tentativa de (neo)liberalimo, até mesmo de anarcocapitalismo, no Brasil. Para se ter uma ideia, temos – para a incredulidade de estrangeiros – um núcleo federal com o nome de Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados (!). Chamo a atenção para as inacreditáveis palavras “desinvestimento” e “desestatização”; conseguiram o raro feito de fazer com que a palavra “mercados” se tornasse a mais suave… O desgoverno Bolsonaro (comprova-se isso recordando seus votos enquanto deputado) é uma continuação do período anterior do governo ilegítimo de Temer, e teve – isto fica claro já agora – uma glória fofa, inglória, de Pirro, catapultada pelo antipetismo, não por projetos “neoliberais”, embora tenha influído na ocasião o ódio de classes da inclusão social e dos “brancos” (ou que se acham brancos) e privilegiados renegados. O terraplanista econômico Paulo Guedes, intelectualmente um Bolsonaro com Phd, mas que nunca se sentiu satisfeito com a direção econômica durante a ditadura (“primeiro, os militares estatizaram a economia toda”, “no regime militar, aumentou o grau de intervenção do governo, aumentou o número de empresas estatais, foram criadas todas essas parnafenálias de leis trabalhistas, os braços armados intervencionistas do governo eram justamente as empresas estatais, e havia controle de preços, cartéis no sistema bancário, autoprotecionismo da economia, muito subsídio, e o Brasil foi perdendo rumo”). Agora, quem perde o rumo é o Brasil de Bolsonaro e Guedes, que fracassa em seu projeto (neo)liberal (por ser neoliberal e porque estamos diante de uma pandemia, em que o capital se mostra aquilo que realmente é, lucro e genocídio). Durante a campanha, em debate com os candidatos a ministros da Economia, prometia terra arrasada, vender tudo, como se o lucro obtido, segurado pela , fosse resolver todos os problemas do país. Já em dezembro de 2018, o histórico Pepe Mujica se perguntou: “O ministro da economia, superfavorável a um mercado aberto, superliberal, vai ter que lidar com a burguesia de São Paulo, a mais protecionista que existe na América Latina. Como se resolve uma contradição dessas?” Tratou-se sempre de um desgoverno “conservador nos costumes, (neo)liberal na economia”. Há conservadores que não aceitam o rótulo, extrema-direita; e fica cada vez mais claro que novamente o neoliberalismo na economia sofreu derrota. Após, finalmente, para o aplauso do mercado e dos patrões, foi aprovada a reforma da previdência – pérfida, masCongresso do que do próprio desgoverno, que, aliás , . Essa encarnação, embora seja uma continuação da fase anterior, merece atenção especial, por vários motivos. Primeiro, no nível ideológico, porque que de – é evangelofascistóide, evangelomilitaresco, milicianóide, de extrema-direita, fundamentalista, anacrônico, etc. Algumas declarações a partir da debandada: “Bolsonaro desmoraliza o liberalismo, mais do que qualquer presidente de esquerda“; “DNA do governo Bolsonaro não é verdadeiramente liberal“. Enfim, a própria mídia que cobre economia afirmou: sem Mattar e Uebel, o governo Bolsonaro deixa de ser liberal. Essa não importaria a esses liberais, desde que pudesse distrair a opinião pública e continuassem com seu projeto. Salim Mattar responsabilizou o establishment em não querer o que ele chama de “transformação do Estado” (segundo ele, o establishment é o Judiciário, o Executivo, o Congresso, os servidores públicos, os funcionários das estatais), trazendo a velha ideia de que a corrupção está somente no Estado: “Se tiver privatização, acaba o toma lá dá cá. Acaba o rio de corrupção.” É assim que pensa o (neo)liberal. Esta foi a base da ideologia da Farsa Jato, que pega, de forma sensacionalista, o “aviãozinho” politiqueiro, mas nem sequer toca nos capitalistas e banqueiros do poder econômico. Por fim, Mattar afirmou que os “liberais puro-sangue na Esplanada cabem num micro-ônibus”. Tais declarações evidenciam, uma vez mais, o fracasso do (neo)liberalismo no Brasil, não apenas porque ele significa bruta concentração de riqueza, pauperização e mortes, mas a sua encontra . , a sanha do capital. Mesmo com a debandada, um dia depois, https://brpolitico.com.br/noticias/governo-edita-mp-que-permite-privatizar-partes-da-caixa/ – https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,privatizacoes-dos-correios-telebras-e-eletrobras-devem-ganhar-tracao-apos-saida-de-salim-mattar,70003398116 Ainda assim, chegou-se provavelmente na fase final do desgoverno: perdeu o moralismo anticorrupção de Moro, está entrenhado na corrupção do centrão, perdeu apoio de setores do mercado. Perdendo apoio da classe média e da classe trabalhadora mais desenvolvida, o xenófobo e racista investe agora sua imagem no Nordeste, que sempre odiou. Já quer transformar o Bolsa Família do PT em “Renda Brasil”, para a permanência no governo e para o “voto de cabresto”, mesmo com um passado politiqueiro que contraria todas essas ações. O Congresso aprovou um auxílio emergencial , mas o ministério da Economia não trouxe qualquer projeto de recuperação econômica e de ajuda aos trabalhadores – nem mesmo às empresas e indústrias que fecham. A chamada “ala desenvolvimentista” – não sabia que isso existe no desgoverno – já chama Paulo Guedes de “idiota” e “primário”. Assim, a “agenda liberal” patinou e Guedes perdeu apoio. O próprio pilantra que ocupa o Palácio do Planalto, pedindo “patriotismo” ao mercado, já admite que, diante da pandemia e para outros fins emergenciais, existe “a ideia de furar o teto [da PEC dos Gastos]”, aquela que serviu, na fase anterior, para “enxugar a máquina pública”, nos dizeres dos (neo)liberais. As promessas das esquerdas na eleição eram de revogar essa PEC maldita. À esquerda e à direita, fala-se novamente em renda básica universal e taxação de grandes fortunas.
Diante dessa reorganização global do Estado social em plena pandemia e do oportunismo, populismo e eleitorismo da direitalha, cujo comportamento político na reorganização do Estado estamos monitorando e devemos observar com atenção e cautela, é justamente neste momento histórico que as esquerdas precisam se radicalizar e dar um passo além. Essa radicalização passa pela formação revolucionária, pelo apreço da teoria da revolução e da teoria do Estado, etc. para pautas e ideias mais radicais, de socialização da propriedade privada dos meios de produção, de conselhos nacionais ao invés de ministérios na longíngua Brasília, de democracia direta e de base, etc. etc. etc.
Noutras palavras, o horizonte da esquerda – daí o papel organizativo dos setores de vanguarda – não pode ser mais apenas política pública. A grosso modo, isto tem servido apenas como lenitivo para a crise, empurrando a sujeira para debaixo do tapete até essa crise ser descoberta, ainda mais suja, e revelar seu próprio rosto, o capital. Além da limitação das políticas públicas, o dabete – a sempre pergunta “reforma ou revolução?” – profunda reforma militar, por exemplo, em face da nossa monumental desvantagem em relação ao monopólio da violência.
Comecei citando a “encarnação” do (neo)liberalismo, que teve várias tentativas. O comunismo, não a paranoia direitista (embora ela tenha lá suas razões), mas na forma da organização dos trabalhadores, na forma dos movimentos de base ou mesmo na minoritária luta armada, também teve tentativas de encarnação e reencarnação no mundo inteiro, impedidas pelo nazifascismo, pela burguesia e até pela amorfa social-democracia. As reconstruções do socialismo e do comunismo estão em curso atualmente. Conforme alunos, camaradas, seguidores e outros sabem, tenho estudado e elaborado de maneira teórico-prática a refundação do comunismo no século 21, na sua nova encarnação neste país e continente.