Interesses de classes não comportam maniqueísmos… E a sobrevivência é o único valor em situações-limite, sobretudo as causadas pela indústria bélica capitalista a levar sofrimento e mortes aos povos…
A Europa Ocidental — incluindo seus partidos de esquerda — anunciam sanções, bloqueios e até expropriações de oligarcas russos frente à agressão russa à Ucrânia; por que não fazem o mesmo com magnatas dos EUA quando este país invade e agride tantos outros em busca de petróleo e desestabilização geral? É a hipocrisia. Porque europeus — que gladiam entre si há milênios –, sejam de esquerda ou de direita, temem ser pegos no conflito, que se avizinha, enquanto que os outros casos, tão terríveis e mais, ocorrem longe de suas zonas hegemônicas de conforto, no Oriente Médio e alhures, então pouco lhes importa… No caso dos EUA, nem é preciso pensar muito acerca do que mantém sua sociedade sob o complexo industrial-militar.
(Ps.: Um dia após eu escrever isto, vejo pelas redes este vídeo de compilação chocante que confirmou minha afirmação: não faltaram “jornalistas” europeus e dos EUA a dizer pelas TVs, com racismo escancarado, que essa guerra lhes impactava por não se tratar de Síria ou Afganistão, mas de país “europeu”, “civilizado”, com civis fugindo em carros iguais aos deles e de “olhos azuis” morrendo, etc.)
Alemanha (ali bem perto), França, Holanda resolverem ajudar militarmente a fraca Ucrânia, que tenta ingressar na União Europeia, cristaliza esse quadro. Conforme os jornais noticiam, o governo da Ucrânia, num ato de insanidade, empurra civis contra o Exército daqueles cujos antepassados um dia já derrotaram Napoleão e Hitler, armando e incentivando a preparem coquetéis molotov (!), proibindo a saída de homens entre 18 e 60 anos, e seu presidente, um ex-comediante antipolítico que fez vídeo nada engraçado antes das eleições fuzilando parlamentares, falhada, até agora, a concessão à OTAN, mente pelas redes em tentativa de encorajar incautos, quando é óbvio que ou está de malas feitas ou próximo a ceder aos russos…
Mas a problemática se acentua para nós.
Entendo nossa específica posição latino-americana de torcida frente a qualquer inimigo do hegemonismo dominador de EUA e Europa (e à OTAN, organização de métodos militares terroristas), que tanto nos tolheram (para dizer o mínimo) historicamente, um adversário que seja capaz de quebrar com eles, golpeá-los pra valer e, assim, oxigênio, permitir que façamos surgir sangue novo no jogo de xadrez geopolítico multipolar.
O fato, pena, é que uma simples pesquisa comprova que o partido de Putin é o Rússia Unida, uma aglomeração de oligarcas, “raposas” grandes e também do tipo “pega-tudo”, junto a outras coalizões de direita e até de extrema-direita. Partidos socialistas e comunistas da Rússia atual, majoritariamente compostos pela juventude, porém pequenos e fragmentados desde o fim da União Soviética (cujo escalão final era composto por idosos em descompasso com movimentos sociais), tentam protestar contra o que eles próprios chamam de ditadura (palavra neutra e complexa no marxismo, aliás), e as declarações públicas desses grupos de esquerda atestam em que lado estão: na oposição a Putin. (Paralelamente aos liberais pró-Ocidente, assinala-se, estando estes em maior número e com mais dinheiro…)
Não é à toa que, em longo discurso sobre a problemática situação atual, Putin, sempre de cara excessivamente sóbria e anestesiada, responsabilizou veementemente Lênin e outros comunistas soviéticos do passado por terem defendido criar uma Ucrânia separada, assim como outras regiões historicamente russas. (É certo que aquilo acontecia quando não havia ainda a OTAN, que está tentando cercar e dominar tudo, sendo esta a única justificativa plausível para sua decisão bélica… Lênin, por exemplo, não viveu para testemunhar o período do pós-segunda guerra mundial em que os EUA assumem de vez o que ele mostrara em sua teoria do imperialismo; até então, era a burguesia da Europa que desempenhava tal papel de maneira dominante.)
De qualquer forma, por mais defensivo que esteja frente a tal hegemonismo, todos sabemos que o “putinismo” é nacionalista, não internacionalista (princípio comunista básico), que é preconceituoso e ortodoxo nos costumes e quanto a outras conquistas caras às nós, ocidentais, que impede livres organizações da classe trabalhadora, que seu suporte à Venezuela ou a Cuba é mais estratégico do que qualquer outra coisa (assim como o era durante a União Soviética, quando esta já pouco ou nada tinha de revolucionária, mas de burocrática, quando pouco fez para barrar a interferência dos EUA em nosso continente); enfim, que está mais próximo ideologicamente do czarismo.
O hegemonismo dos EUA e da Europa não fará falta nenhuma e deve ser mitigado, varrido do mapa, e este é o momento, por conta da falta de grandiosos líderes ocidentais, mas tenho os pés no chão e o estado atual não me faz ver um mundo melhor com estes dois gigantes em momento pós-revolucionário ou até contrarrevolucionário de sua história, que um dia experimentaram fase mais popular e gloriosa do que agora: uma Rússia já nada socialista e uma China tão capitalista, este país, inclusive, cuja arma poderosa não é o míssil, mas o mercado, desde que o descobriu e por esse monstro insaciável foi picada — basta ver o que é o 99, aplicativo brasileiro comprado por um bilionário chinês e que explora informalmente nossos desempregados tal qual a Uber dos EUA, basta ver como empreendimentos chineses no Nordeste brasileiro ameaçam população e natureza tal qual qualquer essência capitalista apocalíptica –, daí a lástima de não termos ainda, não neste momento de DESgoverno federal de provincianos, incompetentes, ridículos, muito, muito pequenos, um Brasil forte e decisivo no jogo geopolítico, dando a sua imensa contribuição…
(E tal lamentação final dá assunto para outro aspecto, nosso, a ser resolvido a partir deste ano eleitoral e eleitoreiro de alguma mudança: temos, a rigor, três possibilidades internacionais e diplomáticas do miscigenado e diverso Brasil por vir – uma direitalha dependente e entreguista, uma esquerda potente mas limitada e uma extrema-esquerda, minha vertente favorita, mas imensamente precária de pensamento e meios materiais, praticamente inexistente na práxis, adolescente, deslumbrada, apologista, sem marxismo, ou, quando com marxismo, ainda em fase teórica.)
27/02/2022