Interesses de classes não comportam maniqueísmos… E a sobrevivência é o único valor em situações-limite, sobretudo as causadas pela indústria bélica capitalista a levar sofrimento e mortes aos povos…
A Europa Ocidental — incluindo seus partidos de esquerda — anunciam sanções, bloqueios e até expropriações de oligarcas russos frente à agressão russa à Ucrânia; por que não fazem o mesmo com magnatas dos EUA quando este país invade e agride tantos outros em busca de petróleo e desestabilização geral? É a hipocrisia. Porque europeus — que gladiam entre si há milênios –, sejam de esquerda ou de direita, temem ser pegos no conflito, que se avizinha, enquanto que os outros casos, tão terríveis e mais, ocorrem longe de suas zonas hegemônicas de conforto, no Oriente Médio e alhures, então pouco lhes importa… No caso dos EUA, nem é preciso pensar muito acerca do que mantém sua sociedade sob o complexo industrial-militar.
(Ps.: Um dia após eu escrever isto, vejo pelas redes este vídeo de compilação chocante que confirmou minha afirmação: não faltaram “jornalistas” europeus e dos EUA a dizer pelas TVs, com racismo escancarado, que essa guerra lhes impactava por não se tratar de Síria ou Afganistão, mas de país “europeu”, “civilizado”, com civis fugindo em carros iguais aos deles e de “olhos azuis” morrendo, etc.)
Alemanha (ali bem perto), França, Holanda resolverem ajudar militarmente a fraca Ucrânia, que tenta ingressar na União Europeia, cristaliza esse quadro. Conforme os jornais noticiam, o governo da Ucrânia, num ato de insanidade, empurra civis contra o Exército daqueles cujos antepassados um dia já derrotaram Napoleão e Hitler, armando e incentivando a preparem coquetéis molotov (!), proibindo a saída de homens entre 18 e 60 anos, e seu presidente, um ex-comediante antipolítico que fez vídeo nada engraçado antes das eleições fuzilando parlamentares, falhada, até agora, a concessão à OTAN, mente pelas redes em tentativa de encorajar incautos, quando é óbvio que ou está de malas feitas ou próximo a ceder aos russos…
Mas a problemática se acentua para nós.
Entendo nossa específica posição latino-americana de torcida frente a qualquer inimigo do hegemonismo dominador de EUA e Europa (e à OTAN, organização de métodos militares terroristas), que tanto nos tolheram (para dizer o mínimo) historicamente, um adversário que seja capaz de quebrar com eles, golpeá-los pra valer e, assim, oxigênio, permitir que façamos surgir sangue novo no jogo de xadrez geopolítico multipolar.
O fato, pena, é que uma simples pesquisa comprova que o partido de Putin é o Rússia Unida, uma aglomeração de oligarcas, “raposas” grandes e também do tipo “pega-tudo”, junto a outras coalizões de direita e até de extrema-direita. Partidos socialistas e comunistas da Rússia atual, majoritariamente compostos pela juventude, porém pequenos e fragmentados desde o fim da União Soviética (cujo escalão final era composto por idosos em descompasso com movimentos sociais), tentam protestar contra o que eles próprios chamam de ditadura (palavra neutra e complexa no marxismo, aliás), e as declarações públicas desses grupos de esquerda atestam em que lado estão: na oposição a Putin. (Paralelamente aos liberais pró-Ocidente, assinala-se, estando estes em maior número e com mais dinheiro…)
Não é à toa que, em longo discurso sobre a problemática situação atual, Putin, sempre de cara excessivamente sóbria e anestesiada, responsabilizou veementemente Lênin e outros comunistas soviéticos do passado por terem defendido criar uma Ucrânia separada, assim como outras regiões historicamente russas. (É certo que aquilo acontecia quando não havia ainda a OTAN, que está tentando cercar e dominar tudo, sendo esta a única justificativa plausível para sua decisão bélica… Lênin, por exemplo, não viveu para testemunhar o período do pós-segunda guerra mundial em que os EUA assumem de vez o que ele mostrara em sua teoria do imperialismo; até então, era a burguesia da Europa que desempenhava tal papel de maneira dominante.)
De qualquer forma, por mais defensivo que esteja frente a tal hegemonismo, todos sabemos que o “putinismo” é nacionalista, não internacionalista (princípio comunista básico), que é preconceituoso e ortodoxo nos costumes e quanto a outras conquistas caras às nós, ocidentais, que impede livres organizações da classe trabalhadora, que seu suporte à Venezuela ou a Cuba é mais estratégico do que qualquer outra coisa (assim como o era durante a União Soviética, quando esta já pouco ou nada tinha de revolucionária, mas de burocrática, quando pouco fez para barrar a interferência dos EUA em nosso continente); enfim, que está mais próximo ideologicamente do czarismo.
O hegemonismo dos EUA e da Europa não fará falta nenhuma e deve ser mitigado, varrido do mapa, e este é o momento, por conta da falta de grandiosos líderes ocidentais, mas tenho os pés no chão e o estado atual não me faz ver um mundo melhor com estes dois gigantes em momento pós-revolucionário ou até contrarrevolucionário de sua história, que um dia experimentaram fase mais popular e gloriosa do que agora: uma Rússia já nada socialista e uma China tão capitalista, este país, inclusive, cuja arma poderosa não é o míssil, mas o mercado, desde que o descobriu e por esse monstro insaciável foi picada — basta ver o que é o 99, aplicativo brasileiro comprado por um bilionário chinês e que explora informalmente nossos desempregados tal qual a Uber dos EUA, basta ver como empreendimentos chineses no Nordeste brasileiro ameaçam população e natureza tal qual qualquer essência capitalista apocalíptica –, daí a lástima de não termos ainda, não neste momento de DESgoverno federal de provincianos, incompetentes, ridículos, muito, muito pequenos, um Brasil forte e decisivo no jogo geopolítico, dando a sua imensa contribuição…
(E tal lamentação final dá assunto para outro aspecto, nosso, a ser resolvido a partir deste ano eleitoral e eleitoreiro de alguma mudança: temos, a rigor, três possibilidades internacionais e diplomáticas do miscigenado e diverso Brasil por vir – uma direitalha dependente e entreguista, uma esquerda potente mas limitada e uma extrema-esquerda, minha vertente favorita, mas imensamente precária de pensamento e meios materiais, praticamente inexistente na práxis, adolescente, deslumbrada, apologista, sem marxismo, ou, quando com marxismo, ainda em fase teórica.)
“Você está lembrado qual foi a atitude que eu tomei quando eu ganhei as eleições? Você está lembrado que eu coloquei todo ministério em um avião e levei todos os ministros para os quatro lugares mais pobres do Brasil? O que que eu queria com aquilo? Eu queria que um Meirelles, que era banqueiro, eu queria que um Palocci, que era médico, eu queria que um Furlan, que era empresário, conhecesse uma palafita, que vissem o homem e a mulher [que] no mesmo lugar que eles defecavam eles comiam, eu queria que eles vissem a quantidade de meninas com dois ou três filhos com pai desaparecido, eu queria que eles vissem o vale do Jequitinhonha, queria que eles conhecessem o mundo tal como ele é, não o mundo de Brasília. Então a esquerda tem que assumir compromisso”. – Luís Inácio Lula da Silva, entrevista a Glenn Greenwald no cárcere, 21 de maio de 2019 (vídeo completo; transcrição em texto)
Jamais me esquecerei – e quero ainda pôr isto em cena teatral tragicômica – de Lula, a maior liderança popular e orgânica de centro-esquerda do mundo contemporâneo, o único a encher de gente tanto o Nordeste quanto a Avenida Paulista, partícipe das maiores greves do país, ex-metalúrgico de base, co-fundador de um Partido dos Trabalhadores, Presidente do Brasil duas vezes em eleições históricas e de massas, na cadeia, em entrevista a Glenn Greenwald (em que, inclusive, lembra enfático que nunca declarou que faria um governo socialista), ORGULHOSO em contar que seu ato primeiro de governo foi reunir seus ministros, o banqueiro Meirelles, o empresário Furlan, o médico Palocci e levá-los para ver como vivem os brasileiros nas palafitas (ele mesmo viveu em uma, sabe na pele como é!), metro cúbico em que onde se come é também onde se faz as necessidades fisiológicas. Se eu fosse pintor, já teria pintado a cena memorada em estilo portinaresco.
Este episódio factual é o suprassumo da utopia da conciliação de classes, que se tornará visivelmente insustável com a Presidenta Dilma Roussef! Utopia na acepção negativa da palavra. É o cúmulo da ingenuidade! Ou talvez não seja ingenuidade: “Vim mais à FIESP do que à CUT“, declarou o Presidente Lula em 2010, já deixando o segundo governo, a empresários de São Paulo, e não em tom de arrependimento, e sim para mostrar ao empresariado capitalista que eles “nunca ganharam tanto dinheiro” quanto no seu governo, que esteve mais ao lado deles do que da Central Única dos Trabalhadores… De qualquer forma, trata-se de um dos piores e melhores momentos da História do Brasil! Quem quer entender o que vivemos hoje precisa mergulha na reflexão daquele acontecimento. É exemplo do que a esquerda não deve fazer, é exemplo tácito de que devemos lutar para fazer o oposto! Um ex-metalúrgico (profissão extinta, aliás), com a máquina do Estado brasileiro nas mãos, servindo de mediador político entre subproletariado e apáticas burguesia e pequena-burguesia, que odiarão a mínima ascensão social promovida, no momento mesmo em que o capital hegemônico estrangeiro, especialmente da reação dita imperialista dos EUA, tampouco admitirá o protagonismo brasileiro! As lutas de classes são um dado científico, e as primeiras linhas do Manifesto Comunista de 1848, o qual o ex-deputado federal petista José Genoíno (partícipe na Guerrilha do Araguaia e de reputação destruída após o famigerado “mensalão”) cita no final de entrevista de 4 dias atrás como norte da fileira pela qual ele luta, mostrou que “opressores e oprimidos sempre estiveram em oposição, travando luta ininterrupta, ora velada, ora aberta, uma luta que sempre terminou ou com a reconfiguração revolucionária de toda a sociedade ou com o ocaso conjunto das classes em luta”. (Resta saber, tendo como base de discussão a argumentação lançada pelo grande filósofo Álvaro Vieira Pinto em Consciência e Realidade Nacional, o momento em que as lutas de classes nacionais, internas, seriam menos importantes e mais secundárias do que as lutas de classes entre o país subdesenvolvido e as forças externas hegemônicas, mas Vieira Pinto defende essa tese antes do golpe de 64, pensando em ampla integração desenvolvimentista nacional e com boas reformas estruturais em torno de João Goulart… A revolução pode ser incerta, mas a contrarrevolução, neste continente que luta há séculos por sua emancipação, é sempre certa, daí a necessidade da construção revolucionária e da luta pela hegemonia antes da conquista do poder governamental, tal como propõe Antonio Gramsci.)
Mas não poderia ser mais tragicômico o episódio referido: Henrique Meirelles (24° Presidente do Banco Central do Brasil sob o governo Lula) depois foi ser ministro da Fazenda do governo ilegítimo de Michel Temer pós-golpeachment, depois Secretário da Fazenda e Planejamento do governo estadual austero do tucano João Doria, ou seja, nem quis saber da prisão de Lula, retirado propositalmente da eleição, e de seu impacto ao país, enfim, tem cabeça de banqueiro (salvo engano, a sua candidatura à presidência em 2018 foi a mais cara de todas, talvez mais cara do que a do tosco Amoedo do Partido “Novo”: Meirelles, o gorduroso indolente, se deu ao luxo de tirar milhões do bolso, mesmo sabendo que perderia!), assim como Luiz Fernando Furlan (ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior no governo Lula) tem cabeça de empresário, e ambos devem embarcar nos últimos anos – ou desde já aquela época da coalização entre PMDB e PT – na monomania midiática desprezível e renitente de contrarreformas neoliberais (defendidas agora por Lira e Pacheco no DESgoverno Bolsonaro, que já em campanha em 2017 e antes da posse, em 2018, primou pelo ódio racista às classes subalternas e defesa vocal do patronato), contrarreformas que nos atiram no atraso e atacam a classe trabalhadora, que dirá os brasileiros quase sem classe que vivem em palafitas, já que, de lá para cá, também aumentou o número de seres sociais e até famílias nas ruas, pivetes nos sinais – doenças que tinham acabado, assim como o Brasil retorna ao Mapa da Fome do qual tinha se livrado pelo projeto petista (Fome Zero e outros); Antonio Palocci (ex-ministro da Fazenda no governo Lula, tendo renunciado) talvez seja caso ainda pior, pois, como todos sabem, voltou-se direta e pessoalmente contra Lula (que o rebateu e o justificou chamando-o de “médico, frio” diante do juizeco-asset Sérgio Moro), acusando Lula em processo de corrupção para se safar em delação premiada (a Polícia Federal acabou concluindo que a delação de Palocci não se sustenta).
Eis a índole bandida da burguesia e da pequena-burguesia, e toda política conciliatória pragmatista significa nos colocar nas mãos dessa gente cujo rosto sem máscaras é Bolsonaro, porta-voz de todos os vícios, esculhambações, incompetências, crueldades e pensamentos mais secretos e sinceros da educada e bem asseada burguesia, tal como o fenômeno que ocorre no romance O Retrato de Dorian Gray, do socialista Oscar Wilde, e tal como Hitler em 1932 em discurso num clube de industriais alemães, afirmando que para a classe dominante perpetuar seus privilégios, seria preciso sacrificar as outras classes, porque a crise havia mostrado que “não há o suficiente para todos” (como se vê, o nazifascismo, surgido do capitalismo, é o extremo-oposto do generoso e justo comunismo, cuja fórmula Marx inscreve na Crítica do Programa de Gotha: “de cada um conforme a sua capacidade, a cada um conforme a sua necessidade“)…
O próprio sociologóide weberiano FHC, muitas vezes visto como o contraposto de Lula (adversários clássicos e representantes políticos de classes em conflito entre si), denominado “príncipe dos tucanos”, incólume pela justiça elitista, que surge sempre na mídia grande como se tivesse sido exemplo de presidente (na verdade, seu governo fraco e pró-FMI testemunhou significativas greves, fome, desleixo social), disse, anos atrás (cerca de 2008) em entrevista ao Canal Livre, que Lula, apesar de ter sido metalúrgico, surgido das Grandes Greves do ABC Paulista, nunca viu o mundo sob o prisma das lutas de classes, e sim da conciliação, de uma democracia cristã ou algo do tipo. Quão certo ele está! Sentando-se com o empresariado da FIESP de um lado e sindicatos e organizações de trabalhadores do outro, esse intruso (para as elites) vindo num pau-de-arara do sertão pernambucano, mas ingênuo “antileninista”, não duvido que com a melhor das intenções e em busca do bem comum (o qual será sempre superficial na sociedade de classes, a menos que vire bem comunista, isto é, tomada, expropriação, distribuição e socialização da propriedade privada dos meios de produção), julgava encontrar para ambas as partes luz no fim do túnel. A luz era um trem.
Na verdade, foi pior do que isto, foi pior do que ingenuidade. “Vim mais à FIESP do que à CUT“, declarou Lula em 2010 a empresários em São Paulo, no ano em que deixava seu segundo governo. E tal frase não era em tom de arrependimento, e sim para mostrar ao empresariado capitalista que eles “nunca ganharam tanto dinheiro” quanto no seu governo, que esteve mais ao lado desses do que da Central Única dos Trabalhadores.
O “cavalheiro da esperança” vã, Prestes, nos anos 1980, já tinha um pé atrás e insistia em entrevistas que Lula deveria ler teoria, ser marxista, uma vez que era quadro orgânico advindo da classe trabalhadora e da base da pirâmide social. Não basta sentir na pele, se não se assimila no cérebro. Aqui, há toda a problemática da Crítica (da teoria) e da prática a ser resolvida dialeticamente em unidade (muito bem formulada por Gramsci), jamais com dualismo. Mas o PT possui ojeriza da teoria e nem mesmo a sua Fundação Perseu Abramo estimula a práxis a partir de uma teoria minimamente marxista. As escolas do MST, que possuem como guia Paulo Freire, vão até onde? Quem poderia suprir essa defasagem em Lula, a “cabeça” de Lula para finalmente chegar à vitória federal após quatro derrotas (ainda que tenha chegado sempre no segundo turno) foi José Dirceu, que era comunista na juventude, mas não mais na maturidade sob o marqueteiro eleitoreiro Duda Mendonça e a Carta ao Povo Brasileiro para acalmar o mercado com a vitória em 2002. Hoje, sim, com a reputação destruída, Dirceu retorna ao discurso socialista (basta assistir o final de sua entrevista com o liberal social Fernando Haddad), assim como José Genoíno, ambos tentando recuperar o tempo perdido… Este último assumiu, na entrevista já referida de 4 dias atrás, que o “PT teve ilusões com o compromisso democrático da burguesia”. Estranho que tenha sido preciso um trauma tão grande, que fez até mesmo camadas populares, não só a pequena-burguesia, ter ressalvas a um partido que se chama dos trabalhadores após a intensa campanha midiática de demonização com táticas da Guerra Fria, financiada pelos capitalistas com o dinheiro da classe trabalhadora, para surgir a consciência do óbvio.
De fato, mesmo nos estertores recentes, quando as instituições burguesas mostram-se falidas, quando a Constituição de 1988 demonstra suas fragilidades sociais e políticas e uma franja pilantra e alucinada chamada extrema-direita irrompe com discurso radical, não cabe à esquerda ser conservadora e defender as intuições que só prejudicam a classe trabalhadora, e sim ser ainda mais radical e mostrar a farsa do outro lado. Não cabe falar em “democracia em vertigem”, pois esta democracia é a ditadura do capital, e há uma outra democracia possível, popular, direta, de conselhos a ser defendida, não a “democracia” das instituições conservadoras na economia. (Aliás, o documentário de Petra Costa é crítico, ao contrário do que muitos dizem, porque não só registra o fato do partido ter se distanciado das bases em nome do pragmatismo, como também mostra o Lula que confrontava os bancos nas campanhas em que perdeu, até investir na ampla agregação nacional, quando ganhou.)
O máximo que Lula conseguiu chegar foi em histórico vídeo do tradicional dia 7 de setembro de 2020 (Dia da Independência do Brasil), ainda que com trilha de fundo forçada, já liberto, em que destoa muito acima do discursesco deplorável e esquecível do medíocre, limitado, tacanho, tartamudo Jair Bolsonaro e critica o capital (fez quase lembrar o célebre discurso de Lincoln, que distinguia o capital do trabalho, assim como Marx, que lhe escreveu efusiva carta na Associação Internacional dos Trabalhadores) e mostra-se um verdadeiro líder protagonista e calejado, mas isto não passa de retórica, pois as pautas petistas são as mesmas, agora sem boom dos commodities, e há mesmo socialistas, comunistas, marxistas já se perguntando se o discurso anticapitalista do PT não serve para conquistar eleitoralmente as esquerdas sem entregar realmente pautas compatíveis com a fala… Só haverá transformação real nesse partido (e sua renovação para transformar o Brasil, já que é o maior do chamado “campo progressista”) quando a Juventude Socialista do PT deixar de ser agremiação de militontos, virar realmente socialista e expulsar, junto à classe trabalhadora, a cúpula jurídico-pelega, ou então é melhor disputar a teoria revolucionária num partido dito comunista ou apostar as fichas e a energia na criação dum novo partido…
O fato é que a centro-esquerda petista, cada vez mais burocrática (ou pelega, se quiserem, mas sem surpresas, pois o PT nasce não do marxismo e sim do sindicalismo que já acabou enquanto espaço amplamente agregador das lutas e que se limitava a melhores condições de trabalho e a melhores salários, sem nada falar de mais-valia ou mais-valor), surfando com extrema competência administrativa e sensibilidade social no boom dos commodities, desconsiderando até mesmo reformas em troca de programas sociais, entre o pragmatismo, o assistencialismo, o consumismo, o eleitorismo e outros ismos, fortalecendo a carteira assinada, mas sem consciência revolucionária (foi fácil a direitalha surgir e destruir tudo, pois não havia estofo construído por baixo), pintou de lindos esmaltes as unhas da elite capitalista, até o esmalte se desgastar e revelar as garras dos monstros…
1. A influência geopolítica, estrangeira. As eleições presidenciais nos EUA deste ano, que podem afastar Donald Trump, os neocons e o tea party republicano do poder federal, terá tanta importância quanto as eleições brasileiras municipais, em que frentes de esquerda contra o atual desgoverno podem surgir a partir de cidades-chaves. Sem Trump, sabemos que o pilantra do Planalto e seu desgoverno militarizado, subserviente, capacho isola-se ainda mais e não “fica bem das pernas” interna e externamente. O resto do mundo polido estranha ou detesta o atual inquilino do Planalto; mesmo os capitalistas internos, dependentes e ruins, preferem adular apenas o terraplanista econômico Paulo Guedes, um Bolsonaro com Phd, porque os engorda e sustenta. Outra influência geopolítica determinante para a próxima década: o papel global de um bebê da produção em larga escala, a China, principal parceiro comercial do Brasil, enquanto se deterioram o dólar, o PIB e o banditismo global dos Estados Unidos, onde também a fome¹ e o desemprego aumentam. (Infelizmente, não temos ainda um governo decente que pudesse, nesse momento crítico, desesperador e crepuscular para os EUA, jogar com as contradições, reunir Venezuela e a América Latina integrada, Rússia, China, África árabe e África negra para quebrar a potência hegemônica, criando uma nova moeda, por exemplo, e fortalecendo a militância socialista daquele país².) Nesse aspecto, embora a vitória de um liberal como Joe Biden aparentemente traga alguns benefícios imediatos ao Brasil e ao mundo, o seu low profile de Democrata, sem os preconceitos explícitos de Trump, apresenta maior competência para perpetuar o hegemonismo daquele país…
2. A reorganização do Estado, agora e no próximo período. A pandemia e a crise econômica que já lhe vinha antes obrigaram aos governantes uma reorganização do Estado burguês. Aos trancos e barrancos, o neoliberalismo foi golpeado em várias frentes. O terraplanismo ultraneoliberal de um Paulo Guedes – sujeito que aparece em lives com sua estante deserta (exemplo único no mundo!), vazia como sua cabeça – foi enxugado ou, em certos projetos, colocado de lado pelo Congresso. Países como a Espanha estatizaram hospitais privados, em que a saúde virava mercadoria para poucos. Sabemos que a solução vai além – é preciso socializar a indústria farmacêutica nas mãos dos trabalhadores. A saúde social e pública durante a pandemia do novo coronavírus mostrou a sua importância vital, provando a olhos vistos para quem se negava a ver que o capitalismo não dá conta do problema, e que, aliás, a única lógica do capital, diante de riscos de vida e diante de milhares de óbitos, é o lucro. Capitalismo é miséria, é exploração, é espoliação, é concentração de riqueza, é pobreza, é falta de qualidade de existência em todas as áreas. O desgoverno Bolsonaro destruiu, em menos de 2 anos, os ministérios da Saúde e da Educação e danou todos os outros, corrompe a todo o momento a frágil Constituição de 1988, mas absolutamente todos viram, até mesmo aqui, que trata-se de Estado social ou barbárie e morte. Mais do que isso, praticamente todos os países investiram num auxílio emergencial ou numa renda básica para a população durante o distanciamento físico. As esquerdas parlamentares foram protagonistas nessa conquista. Falou-se, na imprensa, em “keynesianismo”… Também voltou à baila a discussão da taxação de bilionários desprezíveis que aumentam sua fortuna em plena pandemia, enquanto os salários dos trabalhadores abaixam ou o desemprego explode em face de empresas e indústrias que fecham durante a crise capitalista e a pandemia. Nós, comunistas, sabemos que ambas as propostas da social-democracia – renda básica universal e taxação de grandes fortunas – varrem a poeira para debaixo do tapete, são lenitivos que resolvem o problema do capital apenas em alguns anos (vide a Europa), mas nos importa monitorar o seguinte: O que a direitalha – tanto a eleitoreira-populista quanto a burocrática da economia vulgar – faz e fará a respeito dessa nova reorganização do Estado para a sua manutenção do capitalismo moribundo? E as esquerdas?
3. O embate político nacional, fruto das lutas de classes (aqueles que não estudam teoria chamam vulgar e equivocadamente de “polarização”), permanente nas redes sociais e pronto para respingar nas ruas, entre fascistóides ou a direitalha no geral e a esquerda progressista, que sofreu diversas derrotas nos últimos quatro anos e que precisa (re)construir o seu retorno – dentro e fora do poder político – a partir da desmobilização generalizada, sem ainda forte liderança orgânica, e também de novas sendas de oportunidades populares (protestos antifascistas, a organização dos entregadores de aplicativos, das mulheres e suas causas, a necessidade de um renovador radicalismo comunista pela grande política³, etc.).
1. A fome avança nos EUA há décadas, provando que o capitalismo e a propriedade privada dos meios de produção nunca funcionaram. Cf., por exemplo, dois estudos deste vigente ano de 2020: pesquisa do Brookings Institution, revelando que a fome nos EUA já ultrapassa níveis da crise capitalista de 2008 (uma em cada cinco casas dos Estados Unidos com crianças com menos de 12 anos possui insegurança alimentar), e estudo da Household Pulse Survey, registrando que cerca ou mais de 30 milhões não têm o que comer naquele país.
2. Eu tenho estabelecido contato com jovens dos EUA que pretendem criar um novo movimento comunista no seio do “capitalismo desenvolvido”, mas internacionalista, é claro. Já participei também de reuniões online da Liga Internacional Socialista com membros dos 4 cantos do globo, e sempre há um representante dos EUA. Trump tem atacado o socialismo justamente porque o socialismo tem crescido nos EUA. A campanha presidencial de Bernie Sanders não passou de uma representação de organizações populares, ainda que pequenas (não se comparam, por exemplo, ao tamanho dos movimentos sociais do Brasil), e de toda uma geração que, insatisfeita com o fracasso das políticas capitalistas, pela primeira vez na história daquele país pode ler a bibliografia marxista sem cair na narrativa anticomunista dos pais, da TV, das escolas, da perseguição e censura maccartistas, etc.
3. Antonio Gramsci diferenciava a pequena política da grande política. A pequena política gira em torno dos pequenos elementos da conjuntura, das intrigas parlamentares, dos corredores das instituições, do “dia a dia”, das pequenas ambições, dos interesses particulares, muitas vezes superdimensionados pelas redes sociais, imprensa e TV. A grande política, estrutural, está associada a uma grande ambição, inevitavelmente ligada ao bem coletivo, e que visa manter ou destruir ou transformar o Estado, a política, a sociedade, a economia vigentes.