Não me recordo se já contei, mas, quando fazia um curso de arte e política no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, em 2019, ouvi de um dos participantes que, quando Salles ainda era secretário do governo Alckmin em SP, ao saber que ele havia ocultado área geográfica da bacia do rio Tietê para favorecer capitalistas predadores, o rapaz – que nos mostrou seus belos desenhos de fauna e flora – o denunciou e, ameaçado de morte, teve de deixar o país… (Sim, isto ocorreu antes de Bolsonaro!)
Salles seria condenado em dezembro de 2018 por esse crime – mesmo assim, o sacripanta Bolsonaro, antes e depois da posse, o manteve nomeado.
No seu lugar, entra agora Joaquim Álvaro Pereira Leite, que já era próximo do sacripanta que não pode continuar no Palácio do Planalto. Haja vista que, tão logo seu nome foi anunciado, já pululam boas matérias a seu respeito:
Família de novo ministro do Meio Ambiente disputa posse em terra indígena em SP (23/06/2021):
Reportagem do G1 (“agro é pop” mesmo?) de 24/09/2020 revela algunsdos verdadeiros responsáveis pelas queimadas no Pantanal em 2020, indiciados pela Polícia Federal: 4 latifundiários(nomes deles mais abaixo), além de nomes de outros proprietários, empresários e desmatadores que eu coletei e que não estão na mídia hegemônica. A direitalha, há muito tempo, desconstruiu a imagem do MST – Movimento dos Sem-Terra ou da Funai como se os trabalhadores camponeses e os indígenas fossem os bandidos do campo, quando, na realidade, os verdadeiros bandidos são os fazendeiros, grileiros, madeireiros e garimpeiros, que roubam e concentram terras. Ainda de acordo com a própria PF, os incêndios foram causados propositalmente pelos latifundiários – nesta época de clima seco – para transformar a vegetação preservada em pasto. “Você extrai a mata nativa, e aí fica a pastagem para o gado”, explicou o delegado Alan Givigi, coordenador da Operação Matáá (“fogo” no idioma guató, homenagem aos indígenas que vivem nas proximidades atingidas), que apreendeu celulares, notebooks e outros materiais nas fazendas. O delegado de PF Leonardo Raifaini afirmou que a investigação, já adiantada, logo traria maiores informações e “(…) Se houve intenção de destruição do bioma ou não. Mesmo que seja para renovar pastagem.” Gado, carvão, cana e soja estão por trás do desmatamento milionário e criminoso no Pantanal, conforme revela reportagem do De Olho Nos Ruralistas, observatório do agronegócio no Brasil.
Tivéssemos um governo minimamente de esquerda ou socialista, apoiado no aparato de inteligência séria da PF, e esses agropecuaristas bandidos teriam suas terras expropriadas para os camponeses, trabalhadores do campo e para os indígenas. O horizonte seria rumo à propriedade coletiva e comunitária.
Mas as últimas queimadas no Pantanal passaram de todos os limites históricos, atingindo áreas de preservação, matando animais e destruindo biomas numa área equivalente ao Rio de Janeiro. Araquém Alcântara, um dos bravos fotógrafos que se empenha em registrar in loco um dos cenários mais importantes e bonitos do país, diz que o Pantanal está irreconhecível e que somente a chuva pode regenerá-lo.
Abaixo, os nomes dos 4 fazendeiros criminosos, indiciados pela Polícia Federal na Operação Matáá através de imagens de satélite e perícia local:
Hussein Ghandour Neto, proprietário da fazenda Califórnia, que possui 1.736 hectares de terra e onde os incêndios começaram em 30 de junho;
Há poucas informações mais substanciais sobre os outros, o que comprova que a oligarquia e a burguesia a serem derrotadas e expropriadas atuam praticamente às escondidas, enquanto os agentes públicos direitistas que lhes servem recebem todo holofote.
Mais ainda: descobriu-se, ao longo dos dias, que um dos focos de incêndio criminoso em Mato Grosso, que destruiu 90% do Parque Encontro das Águas, o principal refúgio de onças do Pantanal e do mundo (a Ampara Silvestre mostrou nas últimas semanas resgates e cuidados desses animais), teve origem em uma fazenda clandestina, isto é, que não aparece em dados oficiais, conforme estudo elaborado pelo Instituto Centro de Vida (ICV) com imagens fornecidas pela Agência Espacial Europeia (ESA). Tudo indica que a fazenda foi invadida e ocupada por grileiros de terras, que dificultam os órgãos públicos de encontrar responsáveis pelas queimadas e outros crimes ambientais.
No entanto, citarei alguns nomes muito relevantes, sem os quais a natureza do Brasil seria mais protegida e menos danificada.
“Tudo que acontece no Brasil é culpa do Bolsonaro. A mídia acha que quanto pior, melhor. Temos que ajudar o presidente a melhorar o Brasil.”
Parece a fala de um personagem caricato e padronizado. Lembra o fanatismo nazifascista, embora a direita brasileira e latino-americana seja, desde a Segunda Guerra, antinacional… O que será “melhorar o Brasil” para esses latifundiários? Destruí-lo para pasto e lucro de meia dúzia?! É isto ser “patriota”?! “Riscar os índios, nada esperar dos pretos”?!
Tanto Raimundo Cardoso Costa quanto José Sebastião Gomes da Silva, que tiveram focos de incêndio identificados em suas fazendas nas queimadas gigantescas de 2020, que chocaram o Brasil, vendem gado para empresas da família Maggi (Amaggi e Bom Futuro), fornecedoras de gigantes brasileiras como JBS (donos: José Batista Sobrinho e seus filhos, sobretudo Wesley Batista, Joesley Batista, Júnior Friboi – que estampam nos últimos anos os noticiários e as páginas políticas e policiais), Marfrig (de Marcos Antonio Molina dos Santos) e Minerva (da Família Vilela de Queiroz). Essas gigantes são bem conhecidas por históricos de alta corrupção, propina (não há nada que não se faça hoje no capitalismo, sistema estruturalmente corrupto, já que o lucro está acima de tudo, sem propina), ilegalidade com fornecedores indiretos, ações bilionárias e, apesar de iniciativas aqui e ali de “sustentabilidade”, desmatamento.
André Maggi (1927-2001), tido por coniventes ou alienados como “herói matogrossense”, merece uma nota. Não há espaço suficiente neste texto para se aprofundar numa biografia cavada sobre esse nome, que estampa ruas e locais (o De Olho Nos Ruralistas tem as informações mais detalhadas e importantes), mas basta, como introdução, dizer que relatoria da PF comprovou que Maggi escravizou trabalhadores em suas fazendas já nos anos 1980. Em documento “confidencial”, um trabalhador relatou ter sido açoitado com um chicote de couro em fazenda pertencente à Agropecuária Maggi. No site oficial da Agropecuária, lemos o seguinte título: “AMAGGI | Desenvolvimento Sustentável para o Agronegócio”.
Pois bem. Outros nomes de fazendeiros que precisam ser considerados, ainda que não estejam naquela lista da Operação Matáá da PF, senão como desmatadores diretos nos últimos anos e sobretudo a partir do (des)governo Bolsonaro, ao menos defensores de queimadas ou causadores de queimadas anteriores:
Raimundo Cardoso Costa, defensor explícito de Jair Bolsonaro, consta na reportagem do Repórter Brasil sobre fornecedores das gigantes do agronegócio e da agropecuária;
Pedro de Oliveira Rodrigues. Consta numa reportagem de anteontem da Folha: mesmo tendo perdido cerca de 6.000 hectares e tendo sido prejudicado em cerca de 3 milhões de reais em sua fazenda, defende as queimadas, ou seja, até os não envolvidos diretamente são cúmplices ou coniventes com o ecocídio!
Há outros, muito possivelmente. Será importante um mapeamento de todas aquelas 35 fazendas investigadas a priori na Operação Matáá.
Encontramos vários desses nomes acima envolvidos em processos trabalhistas. Não é preciso dizer que, mesmo com a abolição da escravatura e o fim da escravidão enquanto modo de produção econômico, nos grotões e rincões do país ainda há pessoas em situações análogas à escravidão ou semiescravidão, nas mãos desses latifundiários e/ou de seus antecedentes.
Qual é a solução?
Processos, multas, indenizações aplicados aos fazendeiros, reflorestamento, cassação dos políticos envolvidos podem ser importantes num primeiro momento e a curto e médio prazo, mas a solução do problema não está dentro da justiça da ordem burguesa ou oligárquica. O que reproduz o crime ambiental possui uma causa a ser mitigada e extirpada. Este texto já forneceu, acima, nomes e informações substanciais para este trabalho revolucionário.
O “capitalismo verde”, que lucra com florestas em pé sem desmate, e que é a aposta dos países desenvolvidos da Europa que já fizeram uma reforma agrária, tampouco é a solução, ainda que num primeiro momento estratégico seja preciso se unir a esse setor para derrotar a oligarquia do atraso. Há uma parte do agronegócio – minoritária no Brasil? – que é contrária aos desmatamentos. São iniciativas de bioeconomia, agrofloresta, biotecnologia, bioindústria, etc. Há quatro dias, inclusive, por pressão interna e externa de investidores diante das imagens e das notícias do ecocídio na Amazônia e no Pantanal, gigantes multinacionais se uniram contra o desmatamento, o que foi recebido como boa notícia e sem críticas por parte da esquerda. Este comportamento da esquerda só pode surgir por uma defasagem da (ou preconceituosa ojeriza à) teoria revolucionária e anticapitalista.
Embora num primeiro momento possa parecer mil vezes melhor a sustentabilidade contra o obscurantismo destrutivo de parcelas atrasadas (o Brasil, mesmo no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, tem áreas que ainda lembram a Rússia feudal, pré-revolução – não fosse a Revolução Soviética, a Rússia possivelmente seria hoje ainda uma enorme Mongólia, como o Brasil é, em boa extensão, um enorme pasto, por causa dos latifundiários), pretender conciliar ambientalismo com capitalismo é cair na utopia, na ingenuidade, supor algo que jamais existiu: um capitalismo não-predatório, capaz de um desenvolvimento auto-sustentável em relação aos recursos ambientais, ou um capitalismo que não seja produtivista (produção pela produção), que não persiga em sua sanha o valor de troca, a acumulação do capital e todos seus descalabros sociais, políticos, econômicos, ecológicos, humanos, etc. (Lembremos que o pensamento prático de Karl Marx começa a amadurecer dentro do comunismo e de uma teoria da revolução a partir do furto de madeira, conforme o filme recente O Jovem Marx representa bem. “Todo o artigo de Marx sobre os furtos de madeira é uma defesa corajosa, inflamada e indignada dos miseráveis perseguidos e explorados pelos proprietários das florestas”, escreve Michael Löwy, historiador da esquerda, cujo livro A Teoria da Revolução no Jovem Marx eu uso na bibliografia dos meus grupos de estudos e formação.)
A solução tem de ser estrutural. O resto é paliativo. O planeta não pode mais esperar. Mudar a estrutura contempla grandes reformas estruturais que ataquem interesses dominantes e revolução ecossocialista.
O que é o estrutural? Nele estão o modo de produção, os meios de produção, as relações de produção, as lutas das classes, ou seja, tudo o que forma e mantém a superestrutura política. O Manifesto Comunista, na parte final, deixa claro que, onde quer que estejam, os comunistas colocamos a questão da propriedade como central para uma alteração do status quo. Os gráficos abaixo explicam.
Ser revolucionário é agir no estrutural. Uma revolução ocorre a partir de uma condição, de uma situação revolucionária em que haja a necessidade da base, sua vontade organizada a partir da sua conscientização e a insustentabilidade do topo, mas precisamos desde já agitarmos e disseminarmos nossas pautas e construirmos, no plano das ideias e da realidade, uma construção revolucionária, não só a partir da conquista do Estado, mas em posições da sociedade civil.
As terras e fazendas devem ser expropriadas e socializadas, e todos os envolvidos, sobretudo os patrões e fazendeiros grandes, responsabilizados por tribunais revolucionários formados por indígenas, camponeses e trabalhadores do campo, unidos aos trabalhadores urbanos e sua luta pela socialização da propriedade privada dos meios de produção – fazendas, terras, indústria, grandes empresas, matérias-primas, etc.