Povo e Centrão e (des)governo Bolsonaro

O quanto você, que se diz de esquerda, conhece realmente o Brasil e os brasileiros da base da pirâmide social?

São os descendentes periféricos da escravização in loco de 3 séculos e da Abolição feita nas coxas, da miscigenação mais explícita na cor de pele, filhos, depois, da migração-consequência-do-desajuste-geográfico-da-industrialização-nacional, de nível técnico e crítico baixo ou ingênuo ou nenhum, são os estigmatizados, os “burros”, “ignorantes”, mais do que pobres, semi-analfabetos e analfabetos, Macabéas, mas que, paradoxalmente, neste momento de crise, são os que seguram o país no dia a dia, dada a quantidade e espessura dessa camada na sociedade, através de bicos e na informalidade. Parece que Chico Buarque lhes retratou bem na canção “Brejo da Cruz” – salvo engano, canção dos anos 1980, depois de anos de uma ditadura que impediu reformas estruturais e atirou o país na marginalização… São, mentalmente, quase crianças – para usar a poética, não fosse trágica, denominação de um camarada comunista meu, funcionário público do setor de obras, que possui contato direto com pedreiros, motoristas, etc. Só os “evangélicos” — tanto pastores bandidos, ricos e fundamentalistas quanto “pastores/intelectuais orgânicos”, i.e., mais próximos da comunidade e de sua própria cor de pele miscigenada e classe social — é que penetraram para valer nessa camada nesses últimos 30 anos, prometendo-lhes subir e crescer, ter carro, negócio, dinheiro, o que a Igreja Católica, já em declínio e secularização, sempre demonizou (o catolicismo sempre quis perpetrar a condição do lúmpen miserável, nunca tirá-lo dessa situação). Donas de casas, faxineiras, guardas noturnos em maior dignidade do que os farrapos, mas essas classes da base da pirâmide muitas vezes se misturam e se confundem, sobretudo num país continental e complexo…

A esquerda (no mundo) comeu poeira, deixou de falar em revolução desde a Queda do Muro e o desmanche da burocracia da União Soviética, distanciou-se (um dos grandes erros do PT) dos seus princípios mais radicais, é hoje identificada por camadas sociais — caso dos Coletes Amarelos, na França, que expulsam partidos de esquerda dos protestos — com o próprio sistema econômico e estatal (direitista). A boa notícia — a médio e longo prazo — é que esse cenário tem solução. É incontornável, para uma solução, a construção da organização revolucionária que saiba que é possível conquistar a hegemonia antes de conquistar o poder. Que, formando intelectuais orgânicos e soldando intelectuais revolucionários com o povo-nação e sobretudo com uma classe trabalhadora sólida e consciente (classe essa que se encontra “acima” da “massa” na pirâmide), acabe com a desigualdade socioeconômica (fruto da maior parte do desespero espiritual contemporâneo) através da tomada, distribuição e socialização da propriedade privada dos meios de produção e que, concomitante e até antes disso, supere num processo gradual o senso comum com um novo senso crítico filosófico.

Tenho um cunhado que é gerente da Caixa Econômica Federal (outro funcionário público). Me contou do perfil geral dessa massa sem perspectiva nas enormes filas das agências pelo auxílio emergencial, que acaba este mês e cujo fim mudará todo o cenário diante do DESgoverno, da pauperização causada pelas contrarreformas neoliberais desde o golpeachment e Temer, da pandemia e do capitalismo contemporâneo, que já não gera mais emprego e nem vai gerar. Não sem incômodo por conta de seu ar de superioridade e por suas expressões pejorativas, ouvi ele me contar dos “vergonhosos”, “patéticos” e até insólitos erros linguísticos que têm escutado quase que diariamente e a falta de informação e de conhecimento (das coisas mais simples e bestas) que têm de enfrentar com esse “povo”. Houve até aqueles que, mesmo sem direito ao auxílio, quiseram ir saber o que diabos o governo estava dando para o povo. Suponho que não possuem acesso decente à Internet ou arrisco a dizer, com base no depoimento do meu cunhado, que possuem acesso, mas não sabem mexer (sem contar que, nos primeiros meses, a incompetência do desgoverno criou instabilidade no aplicativo do auxílio). Também, não basta “saber mexer” – é preciso transferir o auxílio da “conta virtual” do aplicativo para a conta bancária da Caixa ou esperar a data para transferir, sendo que para sacar é mais rápido, enfim, uma série de situações burocráticas que dificultam o acesso a todos. Caso contrário, não haveria fila pelas agências, com todos os riscos da aglomeração em plena pandemia de COVID-19.

(Não houve informação suficiente a respeito do fato de Bolsonaro e do terraplanista econômico Paulo Guedes, um Bolsonaro com Phd, não quererem, desde o início, dar auxílio algum, e que este foi conquista da oposição de esquerda e de outros setores do Congresso. No início, R$600 reais, que logo foram cortados pelo (des)governo pela metade, R$300 reais, e que chegarão ao fim mesmo com a pandemia e sem vacina, enquanto o resto do globo já começa a adquirir suas doses.)

Portanto, a respeito do tema Bolsonaro, sustentação da aprovação (grande entre emprésarios semiescravagistas) e desaprovação (a maior rejeição entre os presidentes em primeiro mandato, com exceção de Collor), é a subjetividade e condição de LÚMPEN (termo usado por Karl Marx em 18 Brumário de Luís Bonaparte e outros textos) que nos importam enquanto esquerda empática, não os fascistóides minoritários. O lúmpenproletariado é, em tradução literal, o proletariado de farrapos, mas existe uma mentalidade de lúmpen em amplos setores. Antes de mais nada, essa classe do lúmpen brasileiro é formada pela chocante desigualdade deste rico país (quando se afirma que o Brasil é desigual, trata-se não de um país pobre, mas “de um lado este carnaval/do outro, a fome total” num mesmo país, cidade, estado, bairro, rua). Além dos lúmpens, há uma “nova” classe trabalhadora informal chamada de precariado. Os livros do prof. Ricardo Antunes mapeiam a condição subproletária, do precariado, dos trabalhadores intermitentes e afins no capitalismo atual, inclusive entre os jovens com a “uberização”, que trabalham sem hora fixa para enriquecer a Uber, o iFood, etc. O problema é que o auxílio emergencial, justamente por ser destinado a quem não tem salário, acaba agregando todos esses. Assim, importa-nos, em caráter de urgência, a chocante defasagem socioeconômica e educacional dos abandonados, metidos numa ignorância proposital e secular, Macabéas que embarcam em quem lhes der mais e lhes ajudar com migalhas, não importando se é centro-esquerda ou se é direita aporofóbica, tal a situação degradante em que estão! Esta é a subjetividade e condição material típicas do chamado “lúmpen-proletariado”: aderir a quem possa lhes resolver, mesmo que momentaneamente, a dificuldade material. O Estado brasileiro na forma da oligarquia sempre foi hábil em sustentar o lúmpen, tirando-lhe a consciência crítica e revolucionária em troca de leite, uniforme escolar, migalhas.

Enfim, do que eles precisam e do que precisamos? Precisam duma esquerda que deseje e concretize construção revolucionária pela conquista da hegemonia mesmo antes da conquista do poder; da “soldagem” gramsciana entre intelectuais e povo-nação; de Paulo Freire e Antonio Gramsci; que sejam parte dirigente de um partido revolucionário e de movimentos sociais, unidos à classe trabalhadora, já que o capitalismo contemporâneo dificilmente vai transformá-los em classe trabalhadora clássica; precisam surgir do mais profundo da massa e virar intelectuais orgânicos que não só saibam exercer seu simples trabalham, mas que também entendam de teoria do valor, economia, política, história, dialética e revolução; não precisam de mera política pública e assistencialismo barato para voto de cabresto que, desde pelo menos Getúlio Vargas (“Façamos a revolução antes que o povo a faça!“), não derruba os pilares do país.

Outro dia, uma amiga me perguntou se a taxação de grandes fortunas não seria um passo decisivo para a transição socialista. Eu quase ri. Sem teoria, a esquerda parlamentar não faz outra coisa senão nivelar o debate. Uma pergunta lúcida a ser ensinada, pergunta de esquerda raiz: quem administrará o montante recolhido dos lucros e dividendos, das grandes heranças, dos iates e jatinhos? A classe trabalhadora? Os burocratas de Brasília? O Congresso, que nos espolia, pois a esquerda não tem ali uma hegemonia? Já na Crítica do Programa de Gotha Marx escreve que o imposto sobre renda (pauta de vários liberais da Manchester industrial) pressupõe as diferentes rendas das classes, logo pressupõe a sociedade de classes capitalista, não a construção de uma sociedade comunista. Transição socialista é, no mínimo, um governo popular e orgânico em forma de cooperativas, no setor da economia, e de conselhos populares na política, ao invés do Estado enquanto balcão administrativo da burguesia.

Voltemos ao caso do lúmpen. Guardadas as ENORMES diferenças, motivações, intuitos e proporções, trata-se da quase mesma postura que também o Centrão — direita sem ideologia, corrupta e fisiologista do sistema — desempenha na alta burocracia federal para apoiar governos federal, estaduais e municipais em troca de emendas parlamentares milionárias e cargos gordos na administração pública… Com o Centrão, um desgoverno fraco ganha mais musculatura, mesmo com todos os seus descalabros sociais. O Centrão que apoiou FHC, Lula, Dilma, Temer e agora Bolsonaro. Quem dá mais, lá vão eles. (O gângster psicopata Eduardo Cunha, antes de ser preso, ia além: era o “Centrão” que tinha pautas retrógradas em nome de Deus e Jesus, um pré-Bolsonaro bem mais calculista, centrado, perigoso…) Sem eles, não há voto no Congresso.  Até os milicos moralistas do DESgoverno já descobriram isso. Atualmente, neste ano de 2020, o Centrão é formado por parlamentares do PP (40 deputados), Republicanos (31), Solidariedade (14) e PTB (12). Este seria o “Centrão oficial”, mas, em certos momentos, dependendo da oferta, são somados o PSD (36 deputados), MDB (34), DEM (28), PROS (10), PSC (9), Avante (7) e Patriota (6).

Ora, como são eleitos, então? Uma mera reforma política que enxugasse o número de partidos mitigaria o poderio do Centrão? Um rápido estudo a respeito das origens do “Centrão” nos levará à constatação não só do lobby capitalista em Brasília, mas da renitente oligarquia brasileira e também do “coronelismo” regional em cidades por todo o país, da falta de uma democratização socialista de base, mas seria preciso maior aprofundamento a respeito.

Temos, assim, dois lados do país, de alto a baixo, a serem resolvidos.

Ps.: Os requisitos para o auxílio emergencial, segundo a própria página da Caixa Econômica Federal, ajudam a caracterizar melhor essa “sub-classe” (não inserida diretamente na contradição entre as forças produtivas da classe trabalhadora assalariada e os meios de produção detidos pelos capitalistas) da qual não estou, neste momento, muito distante: insta-me dizer que, como professor autônomo, também tive “direito automático” ao auxílio, sem nem mesmo fazer qualquer procedimento:

Pode solicitar o benefício o cidadão maior de 18 anos, ou mãe com menos de 18, que atenda a todos os seguintes requisitos:

Esteja desempregado ou exerça atividade na condição de:

– Microempreendedores individuais (MEI);  <- É preciso saber o quanto há resquício de ideologia neoliberal nesta denominação de “microempreendedor individual”.

– Contribuinte individual da Previdência Social; 

– Trabalhador Informal.

Pertença à família cuja renda mensal por pessoa não ultrapasse meio salário mínimo  (R$ 522,50), ou cuja renda familiar total seja de até 3 (três) salários mínimos (R$ 3.135,00).

A hora e a vez de Gramsci

 

Fernando Graça e Antonio Gramsci.

Gramscistas, pelo seu próprio leque de repertórios, sempre estiveram entre os mais inteligentes do marxismo, mas, até agora, infelizmente, desagregados: um ou outro aqui, outro acolá; a maioria, ou os principais (a memória mais óbvia lembrará com justiça do importante trabalho de divulgação e organização gramscianas de Carlos Nelson Coutinho, ainda que incompletas, e de Marcos del Roio, com quem tive ótimo contato), não são orgânicos nos partidos nem “núcleos duros” como os leninistas e trotskistas, são confinados na academia tanto quanto os agudos “lukacsianos”. Dos governantes latino-americanos, somente o brilhante Chávez conhecia e ensinava Gramsci em comícios populares (https://youtu.be/xxnWoR61z30). Não há ainda um partido ou organização política gramscista; nem o próprio Partido Comunista Italiano de Togliatti chegou a ser o “Príncipe moderno” de Gramsci… No Brasil, a International Gramsci Society tem participantes simpáticos ou filiados ao PT, PCdoB (PelegodoB, segundo camaradas), PSOL, PCB sem que Gramsci predomine em nenhum desses partidos (que, aliás, não são organizações revolucionárias, com exceção histórica do PCB, que é simpático a Gramsci, um ou outro camarada vê com bons olhos meu projeto, sua sede em SP possui um quadro do italiano, mas só; nenhum deles senão o PT, que teve um ou outro intelectual gramscista e que passou pela experiência do poder político, poderia ter usado Gramsci lá atrás na comunicação e organização para se salvar, mas a cúpula eleitoreira, jurídica, e a enorme ojeriza do partido a qualquer teoria revolucionária impediriam o básico).

Isto precisará ser mudado!

Tal realidade, somada à defasagem ou má vontade dos próprios camaradas (pelos quais tenho afeto e/ou relação intelectual), todos excelentes marxistas, leninistas e trotskistas, em relação a Gramsci (para não citar certos preconceitos, de que Gramsci seria meramente “culturalista”, “revisionista”, “maquiavélico” – maquiaveliano, talvez, porque maquiavélico foi o Mussolini -, ou, em tom de admiração dispensável do ponto de vista praticista, “a perfumaria do marxismo” – e outros preconceitos, que se devem também à caricatura que a direitalha xucra fez e faz desse gênio aprisionado – “essa cabeça tem de ficar sem se pronunciar por uns 20 anos!”, disse o promotor fascista do seu caso – e deixado para morrer precocemente, sem contar certas leituras pequeno-burguesas, reformistas e “pop”s de Gramsci), tal realidade e defasagem é parte determinante da nossa crise de direção revolucionária dos trabalhadores!

Porque, se Marx e Engels são os formativos e se Lênin ou mesmo Trótski (que não construiu uma filosofia da práxis como Gramsci, e do qual ele, apesar do respeito intelectual, tinha enormes críticas) nos dizem quase tudo o que é necessário para a luta comunista e revolucionária, é a partir das estratégias teóricas e dos conceitos de Gramsci que resolveremos tal crise, mas de maneira integrada e orgânica, para usar um termo tão caro a ele. Por isso, é preciso estudar, ensinar e formar militância crítica em Gramsci. O meu empenho dos próximos meses e anos será o de defender esta visão.

O meu desejo dos últimos meses, e desde que ano passado desenvolvi grupos de estudos de Gramsci, tem sido o de estudar criar uma vanguarda a partir de Gramsci – sem esquecer Lênin (grande parte de Gramsci é uma “tradução” de alto nível ou tentativa de “traduzir” Lênin para seu tempo e espaço, mas Gramsci supera dialeticamente Lênin em assuntos primordiais), Rosa Luxemburgo, Caio Prado Jr., Florestan Fernandes, outros autores brasileiros e, INTRANSIGENTEMENTE, a defesa do tripé da obra marxiana e de Engels, tão esvaziada ou ignorada por (pseudo)marxistas e (pseudo)comunistas (a saber, a teoria do valor, a dialética e a perspectiva revolucionária, ou a crítica da Economia Política, a Filosofia materialista dialética e o socialismo).

A prática é o critério da verdade da teoria. O fato é que, enquanto teoria do partido, arrisco dizer que o marxismo-leninismo (mesmo o marxismo-leninismo-trotskismo, sendo vários camaradas deste rótulo do qual sou muito crítico, porque vejo como datado, bastante solidários e solícitos a mim) tem sido, não em sua totalidade, mas por si só, insuficiente, num impasse crítico – e, em certos pontos do nosso tempo histórico e espacial, mas não em sua totalidade!, anacrônico. Por muitos motivos que pretendo expor nos próximos meses e anos, sabemos que levam à burocratização e à centralização, ao invés da insistência na organicidade entre base e partido. Isso se deve ao pensamento dos russos (ou soviéticos) a partir de uma diferença basilar, que Gramsci viu bem, a respeito da teoria da revolução no Ocidente e mesmo a concepção de Estado entre os dois pólos. Gramsci elaborou uma inovadora e revolucionária teoria do partido enquanto centralismo orgânico, a partir da qual precisamos formar as novas gerações. Será difícil convencer os camaradas que já estão na luta e na militância desse fato, mas a minha argumentação, diante da realidade atual de conquistas e fracassos dos partidos de vanguarda, não é nem um pouco fraca.

É Gramsci — experiência revolucionária dos conselhos de fábrica; partido enquanto parte da classe, ao invés de cabide de cargos ou burocracia distante da base; intelectuais orgânicos; diferenciação entre marxismo ocidental / marxismo oriental; Estado ampliado e sociedade civil; guerra de movimento e guerra de posição; construção do nosso novo bloco histórico, (superestrutura-estrutura); estudo popular da filosofia da práxis (marxismo), que criará um novo senso comum e, criticando e superando a religião dominante, um progresso intelectual da massa; soldagem dos intelectuais marxistas e revolucionários com o povo-nação, etc. — o autor que pode resolver a crise de direção revolucionária que se arrasta há décadas e encontrará seu ponto decisivo nos próximos anos do “capitalismo tardio”, da extrema-direitalha e da esquerda insatisfatória, fraca e até liberalóide.

Vários partidos, legalizados ou não, do centralismo democrático ou de frentes, são simpáticos a este projeto de formação em Gramsci e de criação de intelectuais orgânicos. Obviamente, só até certo ponto, porque tal projeto ameaça cúpulas e a “pequena política“, tal como escrevia Gramsci. Entre os desafios, saber até onde a teoria do partido de Gramsci, bastante particular e ainda não testada na prática (eis outro motivo fundamental e positivo), seria tolerada ou aceita por eles. Um teste teórico-prático progressivamente, gradual… Entre os desafios, resolver a desagregação dos marxistas-gramscistas através da criação de marxistas-gramscistas integrados, mas não confinados na academia. Resta saber como e até onde irá minha/nossa práxis.

A atualidade de Gramsci

  • Atualidade de Gramsci” (1997), texto fundamental de Carlos Nelson Coutinho. É totalmente possível – e necessário – escrevermos um texto mais de 20 anos depois reforçando os pontos e adicionando outros mais que se fizeram evidentes a respeito da atualidade de Gramsci ao Brasil e mundo nessas últimas décadas.

Como começar a ler Gramsci?

Através de O Leitor de Gramsci, livro com escritos gramscianos pré-cárcere e no cárcere (divididos por temas), organizado por Carlos Nelson pela editora Civilização Brasileira. Também é muito importante adquirir o volumoso Dicionário Gramsciano da Editora Boitempo para consulta permanente! Os Cadernos do Cárcere não estão ainda completos no Brasil, mas Carlos Nelson e equipe fizeram amplo trabalho de tradução – são 12 volumes pela Civilização Brasileira. Todos estes estão na nossa pasta virtual do grupo! Um bom livro biográfico: Antonio Gramsci, o homem filósofo: uma biografia intelectual, de Gianni Fresu (radicado no Brasil), novo, lançado ano passado (2020). Os Prismas de Gramsci: a fórmula política da frente única (1919-1926), de Marcos del Roio, lançado em 2005 e com nova edição em 2019 (contra a direitalha e a extrema-direitalha?), serve (1) para pensarmos a fórmula política da frente única como uma estratégia revolucionária de fôlego ainda hoje e (2) apresentar o Gramsci corporificado, enquanto pensamento e ação, sem o abstracionismo costumeiro, pois é livro denso e histórico-político que trata concretamente de um período decisivo na vida de Gramsci e do movimento comunista – dos conselhos de fábricas à liderança no PCI, às voltas com a Internacional, até ser preso, período pouco explorado, ainda mais com profundidade e historicidade.

Como se sabe, Gramsci, apesar de talento para as Letras (cursou isto, inclusive), não publicou nenhum livro em vida – não teve tempo, pois, além da vida engajada atribulada de militante e depois de dirigente do Partido Comunista Italiano, logo foi preso pelos fascistas e morreu prematuramente. Escrevia textos para os jornais proletários. Na prisão, depois de muito pedir – sentiu a necessidade de deixar um legado – e sempre com o olho da censura sobre seus ombros, pôde escrever em 33 cadernos-brochura que hoje são chamados de Cadernos do Cárcere. Saiba mais neste relato importante aqui (“Antônio Gramsci, Chefe da Classe Operária Italiana”), escrito por Palmiro Togliatti, dirigente histórico do PCI e camarada de Gramsci.

O que é teoria? Marxismo e obra marxiana entre a Filosofia e a Ciência: aproximações e diferenças

O texto abaixo serve para apoio básico e introdutório do meu grupo de estudos de teoria da revolução e do Estado e como anotação para a construção de algumas partes do meu livro Filosofia da Revolução:

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Teoria, palavra aparentemente mais científica que filosófica. Lembramos da teoria da relatividade geral de Albert Einstein (física), que era socialista declarado, lembramos da teoria da evolução de Charles Darwin (biologia), terror dos cristãos criacionistas. Ou seja, teoria enquanto construção reflexiva e de experimentos do conhecimento científico. Para alguns autores, a filosofia trata dos problemas mais gerais, enquanto as ciências estudam os menos gerais e mais específicos, sendo a filosofia, para muitos marxistas, um prolongamento das ciências, no sentido em que se apoia nas ciências e delas depende (POLITZER, 1979, p. 21). Não poderia ser diferente – o negacionismo anticientífico e irracional parte da direita… A Filosofia, partindo de problemas, lida com os conceitos e cria conceitos – criação e intelectividade influem na Filosofia, enquanto as ciências apresentam funções e categorias (esta última palavra é bastante comum nas ditas ciências sociais). Retomaremos o embate entre filosofia e ciência, aproximações e diferenças, durante todo este texto.

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Não sejamos, então, totalmente bairristas, apesar das diferenças fundamentais – não só as ciências dependem da Lógica, que é uma criação histórica da Filosofia, como é possível observar imbricações entre teoria e filosofia, sobretudo com o que se chama de desenvolvimento histórico da ciência: por exemplo, a ontologia não deixa de comportar alguma teoria (ou várias teorias, considerando a gama de autores ontológicos) do ser. Há um invólucro filosófico nas ciências, que remonta a propria história da filosofia antiga, embora cientistas no geral não se dêem conta disso. No decorrer dos postulados deste texto, demonstrarei que as teorias servem também a uma nova filosofia que engloba as ciências, à filosofia da práxis.

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A origem do vocábulo teoria data de finais do século 16, denotando um esquema mental: via latim tardio, theōria, “contemplação, especulação”, do grego theōrós (“espectador”). Veremos que, modernamente, esta etimologia é insatisfatória e até equivocada, mas ela elucida já alguns pontos. A teoria precisa de um “espectador”, ou melhor, do teórico, que chamamos de sujeito; mais do que isto, a teoria e este sujeito precisam de um objeto. Entre sujeito e objeto, há a pesquisa e seu método. Em Marx, há um sujeito que não apenas estuda o objeto, mas o confronta e o critica. Sua magnum opus, O Capital, é justamente a obra central em que encontramos um pesquisador às avessas com o inicio, a consolidação, o desenvolvimento e o fim ou a crise de seu objeto de estudo – o capital ou a sociedade burguesa, num trabalho obviamente inconcluso, pois ele vive e escreve quando o objeto já se desenvolveu, mas desaparece quando tal objeto ainda não se esgotou.

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No Prefácio da Edição Francesa do Livro I, Marx responde ao editor Maurice Lâ Châtre que concorda com sua ideia de publicar O Capital por fascículos para deixá-lo mais acessível à classe trabalhadora, mas que, por outro lado, o método de análise utilizado, ainda não aplicado aos problemas econômicos, torna árdua a leitura dos primeiros capítulos, concluindo: “Não há estrada real para a ciência, e só têm probabilidade de chegar a seus cimos luminosos aqueles que enfrentam a canseira para galgá-los por veredas abruptas.” O Capital é uma obra com mais ciência do que filosofia, praticamente sem filosofia, embora não fosse possível sem essa segunda.

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Darwin não inventou a evolução, Einstein não inventou a relatividade: ambos observaram e pesquisaram o objeto real (as espécies ou o desenvolvimento das espécies, para um, e a gravitação e o espaço-tempo para o outro), o funcionamento e desenvolvimento do(s) objeto(s) até o presente em que puderam viver e levar a pesquisa, tendo descobertas no processo. Isto é a teoria científica. Marx não inventou o capital. Pôde estudá-lo desde sua gênese até seu desenvolvimento a partir do século 16 e a sua consolidação em seu tempo, século 19, quando, aliás, guardadas as devidas diferenças e proporções, o capitalismo já apresentava crises como as de hoje. A mais-valia (ou mais valor) não é uma invenção do crânio de Marx – é um dado real da concretização do capital em face do trabalho, e nenhum outro senão Marx a expôs, e criticamente… Portanto, teoria científica não é inventar uma ideia ou interpretação da realidade nem propor uma sugestão para o futuro sem qualquer base no real, mas, sim, observar com precisão o real, possibilitando descobertas e conclusões a respeito dele. As hipóteses da teoria costumam ser bem fundamentadas. Teorias marxistas a respeito da revolução consideram o passado histórico, exemplos de revolução e como elas se deram e como podem ainda se dar (considerando a política e a economia), e veremos como isto enriquece o presente e futuro das ações revolucionárias (outro caráter da teoria, no âmbito da filosofia da práxis, não mais apenas como observação do fato, mas como projeção de um fato a ser realizado).

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A crítica na pesquisa científica – Em O Capital, ao tratar, por exemplo, do dinheiro, Marx discorre sobre quase todos os seus papéis, como ele é usado na sociedade e no percurso histórico, o dinheiro simples, o dinheiro que é capitalizado, etc.; mas também o trata criticamente, usa Shakespeare (versos da peça Titos Andronicos, em que se amaldiçoa o ouro) e também Aristóteles, para quem o dinheiro deveria ser um elemento de equilíbrio na sociedade para não gerar, de um lado, falta, e no outro, abundância (é o extremo oposto do que ocorre no capitalismo). Tal posicionamento de Marx não deixa de já ser uma visão crítica da realidade – mas que é pertinente justamente porque expõe fenômenos reais, a riqueza real de um lado e a pobreza real de outro. A ideologia dominante dos capitalistas, da farsa do neoliberalismo ou da extrema-direita procuram esconder tais dados, desprezam tal realidade desigual ou confundem com falácias como a da meritocracia, que não consideram as classes e o fato de que não partimos todos das mesmas condições socioeconômicas.

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Não há ciência – há ciências. Interligadas (por exemplo, o eletromagnetismo): a separação das ciências como autônomas era um equívoco metafísico até mais ou menos o século 18, contestado e corrigido sobretudo a partir do século 19 com uma melhor elaboração do materialismo. Os meios acadêmicos costumam fazer uma divisão entre ciências naturais e ciências sociais. Consideremos que o que se chama de “ciências sociais” possuem suas bases estruturadas a partir do trio (completamente distinto entre si) Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx.

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Na Antiguidade, sabemos que não havia distinção entre filosofia e ciência, porque a chamada filosofia da natureza, como uma pré-ciência ou uma protociência, se ocupava da busca do saber, dos fenômenos, da compreensão da natureza e do homem (Simões, 2014, p. 25). Precisamos recapitular esse processo histórico. Até meados do século 19, a ciência ainda não tinha satisfatoriamente se emancipado da filosofia: as teorias, para os cientistas, não apenas explicavam os fatos, mas eram uma apreensão última, total, ontológica da realidade (Cervo e Bervian, 1978). É, então, a partir do século 19, através de uma visão materialista da ciência moderna, que irá rechaçar a noção metafísica da natureza, com o início da modernidade, a revolução industrial e o desenvolvimento da ciência e o desenvolvimento econômico do capitalismo, que a filosofia se torna problemática em relação à ciência e ambas tomam novas posições. Marx e Engels serão também protagonistas neste processo, como veremos mais adiante. Depois da atitude materialista, toma-se no geral uma atitude mecanicista e, por fim, positivista. Neste momento, a teoria é restringida pelos cientistas ao âmbito dos experimentos, da experimentação (Pereira, 1990, p. 53). Assim, três definições de teoria passam a fazer sentido neste período: segundo E. Mach, “as teorias apenas orientam o sábio com economia de pensamento”; de acordo com Henri Poincaré, “as teorias não são verdadeiras nem falsas, são cômodas”; para Pierre Dühen, “as teorias servem apenas para classificar os fatos e as leis” (Pereira, 1990, p. 54). Nas últimas décadas, a posição tem sido intermediária, “sobretudo quando a visão positivista não se sustenta mais na sua pretensão de abarcar todo o pensamento e fazer da Ciência a síntese orgânica da cultura” (Idem). Isto sobretudo às ciências empírico-formais, ou seja, física, química, biologia, botânica, etc. Na matemática em especial, por ser uma “ciência formal” (ainda que não se separe das ciências empírico-formais, da física, da mecânica) que estuda principalmente as grandezas e as formas sempre através de conclusões e postulados simbólicos, não existiria teoria, pelo menos não nos mesmos moldes que das outras ciências empírico-formais, “na sua afronta ao fenômeno” (Pereira, 1990, p. 57). Um “naturalista” não inventa a ave; o matemático cria simbolicamente um “triângulo”, embora esta forma foi observada certamente a partir da natureza…

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Para o pensamento clássico antigo, mesmo na Grécia antiga (Aristóteles  identificava Teoria com bem-aventurança), a teoria, por ser especulação ou vida contemplativa, opunha-se à prática e a qualquer atividade não desinteressada, que não tenha a “contemplação” como objetivo (Abbagnano, 1998, p. 167). No senso comum dos dias de hoje, ainda vemos resquício desta noção, quando se diz que tal coisa “é muito teórica”, etc., ou seja, é “abstrata” demais, e nas tentativas de se desprezar grosseiramente a prática ou o real. Enfim, uma barreira explícita seria delineada entre teoria e prática, que a filosofia da práxis tratará de apagar.

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Nos dias atuais, há uma segunda definição principal de teoria: “condição hipotética ideal, a qual tenha pleno cumprimento normas e regras, que na realidade são observadas imperfeita ou parcialmente” (Op. cit.). Este significado se dá sempre quando se diz que, “teoricamente”, deveria ser assim, mas “na prática” é outra coisa. De todo modo, “Chama-se Teoria um conjunto de regras também práticas, quando são pensadas como princípios gerais, fazendo-se abstração de certa quantidade de condições que exerçam influência necessária sobre a sua aplicação” (Op. cit.), tanto na ciência quanto na filosofia.

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O que é uma boa teoria científica? Uma boa teoria é unificadora: como se ramificasse, explica um grande número de fatos e observações em um único modelo ou estrutura. A teoria deve também ser internamente consistente. Por fim, uma boa teoria não é fechada em si; encaixa-se em outras teorias bem testadas e consideradas, cooperando com outras teorias em suas explicações. Reunindo essas três características, teorias impactaram não só as suas áreas como também a própria mentalidade da humanidade.

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Finalmente, nas “ciências humanas”, que se estabelecem sobretudo na passagem do século 19 para o 20, o ato de teorizar é mais aberto do que nas ciências empírico-formais, estritamente presas ao objeto, e do que na matemática com seus postulados e conjunturas simbólicas. O objeto de investigação das ciências humanas “é ao mesmo tempo sujeito” (Pereira, 1990, p. 58), ou seja, não é o que chamam de “natureza natural”. Portanto, “a relação sujeito-objeto das ciências empírico-formais torna-se relação sujeito-sujeito nas ciências humanas” (Idem). É por causa disto que há um debate infindável para os mentores desta área de conhecimento a respeito de um estatuto científico padrão e da proclamação de resultados, fazendo com que as ciências humanas não sejam enquadradas no estatuário científico das ciências empírico-formais. Não há consenso. Porém, neste aspecto, o marxismo, o socialismo científico, o materialismo histórico e dialético têm o seu projeto revolucionário internacionalista e de mentalidade em comum.

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Nas ciências humanas, a formulação teórica e a proclamação de resultados não se bastam no método indutivo nem na relação causa-efeito das ciências empírico-formais, porque é forte nas ciências humanas o fator da interpretação, ainda que tal fator não seja central tampouco absoluto, fazendo com que suas questões estejam em aberto quando transformadas em teorias, sistemas, doutrinas, mesmo tendo um acervo histórico, algum progresso e desenvolvimento, mas não de modo fechado e “absoluto” como nas teorias e leis das ciências empírico-formais. É um consenso entre os cientistas de que “interpretar, em sentido amplo, já não é fazer ciência”, embora possamos chamar as ciências humanas de “ciência da interpretação por excelência” (Pereira, 1990, p. 59-60). Assim, as ciências humanas galgaram importante posição ao promoverem um “encontro entre a matematização dos resultados com a interpretação do homem” (Pereira, 1990, p. 60). É óbvio que as ciências humanas não abandonam as “ciências da natureza”: aproveitam delas dados da natureza para o conhecimento cada vez mais rico do objeto, mas com exclusividade, inclusive porque não possuem um padrão formal de linguagem matematizada, unitária, universal como nas outras ciências, atuando a partir de escolas e modelos de pensamento, sem dúvida muitos deles internacionalistas, como é o próprio socialismo científico, o materialismo histórico, a filosofia da práxis, o marxismo. É, porém, nas ciências humanas que o ato teórico, que a práxis teórica mostra-se em seu momento mais complexo para além da lógica e da gnoseologia, pelo fato do caráter eminentemente antropológico ou humanista das ciências humanas. Aqui, as melhores respostas – e as mais inovadoras – surgem sem dúvida com a filosofia da práxis. Nós não somos apenas protagonistas de toda teoria, mas somos (ou podemos ser) teórico-práticos!

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Agora está claro. Não podemos abordar a teoria em termo amplo (e tal amplitude só pode ser alcançada pela filosofia, por uma nova filosofia, como veremos adiante) apenas com o pensamento clássico nem apenas com a ciência moderna (empírico-formal), porque ambas caem num círculo vicioso. Por quê? Porque 1) A abordagem clássica, “idealista” e contemplativa, tomava o conhecimento da realidade como abstração, como raciocínio ou ciência da lógica, exagerando a “teoria” e esquecendo-se da síntese, que é um elemento fundamental na articulação do pensar (Pereira, 1990, p. 64). Antes de tudo, a abstração não é o todo da teoria tampouco é a própria teoria, a abstração é apenas um momento da teoria, do ato de teorizar, não raro ligado a junções concretas… Por fim, é a síntese que liga pensamento e realidade, o real ao racional e o racional ao real, numa relação dialética. A abordagem clássica, mesmo sendo essencialista, não chega à essência das coisas, porque esconde, desvincula ou ignora a concretude (Pereira, 1990, p. 65). Quem, em pleno século 21, ainda se posicionar assim, demonstra dogmatismo religioso,consciência ingênua (como argumentava o professor e filósofo Álvaro Vieira Pinto), limitada e alienada, ou tentativa proposital de alienar outros, sendo nosso dever alertar, refutar e desmascarar tais noções metafísicas. 2) A abordagem científico-experimental também não nos ajuda numa abordagem ampla da teoria, porque, se os clássicos não puderam trazer à tona o objeto real, concreto, a ciência moderna, reagindo ao posicionamento clássico, exagerou o outro lado e também não chegou à plena síntese. A ciência moderna, focada nos experimentos do objeto concreto, esqueceu, ignorou ou desprezou a ontologia da realidade (Pereira, 1990, p. 65-66). O século 20 viu ainda outros muitos aspectos para a ciência moderna, notavelmente a questão da tecnologia, levando a uma mentalidade pragmática e utilitarista, ainda vigente neste século 21.

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Neste processo, não é errado dizer que ela subtraiu ou se esqueceu do Homem, ou da Mulher, para usarmos um termo menos dominante. Esqueceu-se do Jovem Estudante, do Trans, do Trabalhador! Em suma, esqueceu-se do protagonista do conhecimento e da ação, levando aos problemas cada vez mais frequentes das últimas décadas em relação ao complexo ciência-tecnologia, que ela parece não poder dominar, a menos que “peça auxílio a quem anteriormente abandonou como companheira inútil: a filosofia” (Pereira, 1990, p. 66). Não a filosofia clássica. Uma filosofia crítica e da práxis.

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Marx fala-nos do ser social. Não será a metafísica nem a ciência moderna que nos ensinarão sobre os protagonistas do conhecimento e da ação (nós) inseridos em classes sociais, processos históricos, relações de poder, etc. São terrenos para as chamadas ciências humanas. A significação dos seres sociais sobre o mundo não deixa de ser uma ação prática. Portanto, a teoria que não ascendeu ao nível da ação possui resíduos de mera abstração. Não se teoriza no vazio, mas em contexto x, y, ou z. A teoria não se refere apenas ao pensar ou à inteligência e ao raciocínio. A filosofia da práxis surge do aspecto teórico da prática para a unidade teoria-prática.

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Na concepção clássica (filosofia grega antiga e medieval – Platão, Aristóteles, até o cristianismo de São Tomás de Aquino, etc.), teoria, teorizar é/era abstrair, “exercício abstrato do raciocínio distante do concreto, do real” (Pereira, 1990, p. 18). Tratava-se quase de ginástica mental que leva a um círculo vicioso formal do conhecer as coisas, do adaequatio rei intelectus (adequação do objeto com a mente) e do adaequatio intelectus et rei (adequação da mente com o objeto). De certa forma, muitos dicionários e enciclopédias mostram ainda hoje definições de teoria através dessa visão metafísica, abstrata, essencialista e mecanicista… “Ora, é a contradição que gera a unidade. Unidade sem contradição não é unidade, é uniformidade. Se há tese e não há antítese, não acontece a síntese. O pensamento em si mesmo, em sendo a ausência da unidade dos contrários, torna-se tão somente uma bela moldura, mas sem estampa” (Pereira, 1990, p. 24). Portanto, apesar de nos fornecer as regras dos conceitos e os fundamentos das definições, tal pensamento clássico tem um limite e nos é insuficiente, porque não resolve problemas contraditórios (pensamento e realidade, teoria e ação, sujeito e objeto, subjetivo e objeto, ciências teoréticas específicas e ciências teoréticas filosóficas, etc.) nem nos apresenta, em sua lógica formal (mesmo sendo ela básica para estudar filosofia e mesmo as ciências), a lógica em fluxo, a dinâmica dialética do discurso que se encontra entre teoria e prática.

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Por outro lado, a teoria também é problemática na ciência moderna, cujo berço é o pensamento clássico (muitas vezes chamado de “pré-ciência” ou “protociência”). Na ciência moderna de experimentos, assim como na concepção clássica, que era abstrata, a teoria se opõe à prática, desta vez por sua visão estritamente objetual e técnica (Pereira, 1990, p. 51). Neste processo histórico entre a filosofia clássica e a ciência moderna, em que novos instrumentos científicos foram criados e muitas mudanças econômicas ocorreram, vimos surgir uma novidade para a teoria, novos elementos significativos, a saber: “a vinculação com o objeto pesquisado e, portanto, com a experiência, ou experimentação, na relação direta de causa-efeito” (Pereira, 1990, p. 30). Trata-se de uma revolução – agora, o método de abordagem do objeto pesquisado e a ser conhecido envolve dados, fatos, fenômenos, fazendo com que sem o horizonte da experimentação não se possa compreender a elaboração teórica na ciência moderna. Porém, apesar da relação causa-efeito e da experimentação, a teoria na ciência moderna não anulou a abstração mental, por causa das hipóteses variadas a serem levantadas pelo cientista sobre o mesmo fenômeno. A teoria, aqui, é resultante do experimento – bastam uma ou várias leis para a ciência moderna garantir a elaboração de uma teoria, de um sistema, de uma doutrina. Basicamente, há o momento da observação e da pergunta, depois a hipótese da pergunta, então o experimento e, por fim, a lei, o postulado, a conclusão. (Para entender este processo com um exemplo simples, Cf. Pereira, 1990.) A “ciência moderna” acontece pelas relações entre dedução-indução (modos de raciocínio lógico-formal) e análise-síntese (o mesmo processo vinculado ao fenômeno observado) (Pereira, 1990, p. 31). Há pelo menos três modalidades de ciências: ciências formais ou exatas (lógica e matemática), ciências empírico-formais (física, biologia, química, etc.) e ciências hermenêuticas ou interpretativas (as “humanas”) (Pereira, 1990, p. 31).

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“Ciência antiga/grega”, “ciência moderna” – Não existiu uma ciência grega nos termos científicos de hoje, como já vimos anteriormente, apenas uma pré-ciência ou uma protociência em forma de filosofia (Pereira, 1990, p. 49). De todo modo, a filosofia clássica ou a ciência grega antiga era qualitativa (Aristóteles falava em termos de quente/frio, etc.), enquanto que a ciência moderna é quantitativa (conforme já foi explicado acima), sobretudo a partir de Copérnico ou Galileu Galilei, quando surgem aparelhos mais sofisticados e exatos de medir o objeto e o fenômeno (Pereira, 1990, págs. 49-50). Ademais, o conhecimento de causas para o pesquisador antigo era sempre metafísico e essencialista (um tipo de pensamento primeiro a respeito do ser), enquanto que para o cientista moderno o que vale sobretudo é a interação e a funcionalidade da pesquisa. Enquanto a ciência antiga buscava a causa num sentido amplo, filosófico e não raro metafísico, a ciência moderna constrói a lei geral com uma linguagem simbólica e matematizada a partir da resolução das relações de causa-efeito do fenômeno específico. Por fim, a ciência grega antiga era antropocêntrica (a medieval era teocêntrica) no sentido físico e cognitivo, enquanto a ciência moderna se supõe excêntrica, ou seja, não gira em torno de nada além de si e existe em função de seus resultados (Pereira, 1990, p. 50).

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As seis características da ciência moderna – 1) A mensuração das medidas, temperaturas, atributos de cor, peso, forma, voltz, etc., toda uma simbologia lógico-matemática unitária, que torna a ciência moderna universalmente válida; 2) a funcionalidade, a função de todo o processo sem necessariamente se levantar questões mais culturais, ontológicas e filosóficas do por quê ou do que é; 3) o caráter seletivo de método indutivo de elementos/dados específicos para chegar à lei geral; 4) o caráter aproximativo da teoria científica, em que existe um certo nível de interpretação para o esforço de compreensão simbólica do fato, que substituirá ou representará o real, o fenômeno; 5) o caráter progressivo, isto é, cumulativo em uma trajetória histórica de descobertas e experimentos irreversíveis em relação ao passado, mas não às descobertas futuras mais desenvolvidas; 6) por fim, a exatidão na formulação unívoca, dependendo de seus resultados e da lei anterior sobre um fenômeno testado e observado (Pereira, 1990, págs. 46, 47 e 48).

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Hipótese e teoria – Nas ciências modernas, ambas (hipótese e teoria) estão ligadas ao processo de pesquisa, mas a hipótese, que surge de conjeturas e suposições a partir da observação do fenômeno, é praticamente a antessala da teoria, que, por sua vez, “exerce o papel de coroamento da hipótese, depois de experimentada e comprovada” (Pereira, 1990, p. 52). A teoria é um ponto final do processo, considerando o todo (observação, hipótese, experimento, lei), embora outras teorias surjam, mais desenvolvidas a partir daquela, porque uma teoria pode abrir espaço para novas conjunturas.

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Afirmei linhas acima que, na ciência moderna de experimentos, assim como na concepção clássica abstrata, a teoria se opõe à prática, mas desta vez por sua visão estritamente objetual e técnica, dependendo exclusivamente dos experimentos. Nas ciências empírico-formais como a biologia, a física e outras, a teoria depende do método e nele se envolve.

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Filosofia e ciência, diferenças básicas que a modernidade explicita – Um filósofo pode ter uma “linha de pensamento”, mesmo a partir de conceitos filosóficos formativos predecessores. O cientista, não. Um filósofo, pelo fato da filosofia ser um campo do saber intelectivo e criativo, pode partir de um ponto zero ou de uma “novidade absoluta” (será mesmo que existe isso?!), seja o seu estilo ensaístico ou em forma de tese. Na ciência, não: sobretudo nas ciências empírico-formais, a trajetória é sempre progressiva e não se volta à estaca zero, mantendo sempre relação coerente com o trabalho de outros cientistas globais, não existindo nas ciências, portanto, muito espaço para as interpretações pessoais como na filosofia, apenas conjeturas ou suposições (Pereira, 1990, págs. 43-44). O cientista está subordinado ao fenômeno em si e o seu experimento consagra (ou não) a hipótese como certa.

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Teoria e conceito – Não são a mesma coisa. Conceitos são criados pela filosofia. As ciências empírico-formais se contentam com as teorias. Ao passo que os conceitos filosóficos surgem de uma criação do filósofo a partir de um problema e tendem a uma generalização das ideias, as teorias, por mais gerais que possam se tornar, são sempre específicas em torno do objeto real pesquisado. Teorias não são fatos, mas podem ser nomeadas como a melhor hipótese ou suposição possível sobre um certo fenômeno. Um conceito é uma ideia geral, criada. Uma teoria é uma explicação sustentada por evidências significativas. Um conceito não possui necessariamente tal evidência. Teoria como um sistema de ideias que pretendem explicar, expor ou justificar um fenômeno real, que se apresenta na realidade, que não é criação do pesquisador, embora ele possa ser crítico. Não raro, uma teoria se mostra como um conjunto de regras, de leis sistematicamente organizadas, que servem de base a uma ciência. Veremos, mais adiante, que na filosofia da práxis a teoria pode ser também como a científica, mas ascende ainda a um outro nível diferente ao das ciências tradicionais: o de projetar, preparar e anteceder a transformação do real. Os conceitos inserem-se num processo criativo “pelo qual atores sociais buscam solucionar os problemas que eles enfrentam ao tentar entender e transformar o mundo ao seu redor”, enquanto as “teorias, por outro lado, devem ser entendidas como tentativas intencionais e racionais de resolver problemas práticos” (Berger & Luckmann, 1987, p. 33). Mais ainda, os conceitos são os elementos últimos de todos os pensamentos, constituindo uma concepção geral ou até universal. Somente a filosofia da práxis parece englobar teorias e conceitos, preservando as suas diferenças.

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Filosofia e ciências, atuação – Ao afirmar que a estrutura (o modo econômico que caracteriza as classes sociais, o trabalho, as ferramentas e meios de produção, etc.) pode ser estudada com os métodos das ciências naturais e exatas, Gramsci escreve que “precisamente por esta sua ‘consistência’ objetivamente verificável, a concepção da história foi considerada ‘científica’ (Gramsci, Caderno 10, II, S 41; 1, p. 361). Aqui, delineia-se algo muito importante para uma definição precisa e moderna de ciência (ou de ciências ditas naturais e exatas) ao apoiá-la à verificabilidade e à consistência objetiva. Para Gramsci, a filosofia, por sua vez, é uma concepção, uma conceituação de mundo.

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Com a indústria, surgiu o “especialista da ciência aplicada e organizador técnico, que age por meio da ordem e da disciplina intelectual” nas “sociedades cujas forças econômicas se desenvolveram em sentido capitalista até absorver a maior parte da atividade nacional” (Gramsci, “Alguns temas da questão meridional”, Escritos Políticos 2, págs. 405-435). Antes, o elemento organizador da sociedade era o “velho intelectual da sociedade de base predominantemente
camponesa e artesã” (Op. cit.).

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A filosofia descolada do mundo – Em A Ideologia Alemã, lemos Marx e Engels ousadamente afirmarem: “A relação entre filosofia e estudo do mundo real corresponde à relação entre onanismo e amor sexual.” (Segunda parte, 6, C, “O liberalismo humano”.) Para quem não sabe, onanismo é masturbação… Algo como masturbação mental e intelectual. Eles chegam a afirmar, citando ipsis litteris uma frase do botânico alemão Albert Wigand: “É preciso “deixar a filosofia de lado” (Wig[and,] p. 187, cf. Heß, Die letzten Philosophen, p. 8), é preciso desembarcar dela e dedicar-se como um homem comum ao estudo da realidade, tarefa para a qual existe uma gigantesca quantidade de material literário, certamente desconhecido dos filósofos (…)”m Na segunda parte desta obra, sobre a organização do trabalho, Marx e Engels criticam diretamente a elucubração filosófica sobre a substância e a negligência dos filosófos para com o real. “A luta dos filósofos contra a “substância” e sua total negligência em relação à divisão do trabalho, à base material, onde tem origem o fantasma da substância, apenas comprova que estes heróis se voltam apenas para a destruição de frases, e de modo algum para a mudança das relações, de onde estas frases deviam surgir. Por isso, eles negligenciam tranquilamente a divisão de trabalho, a produção material e o intercâmbio material, justamente tudo aquilo que subsume os indivíduos a determinadas relações e modos de atividade. Em geral, para eles se trata, apenas, de descobrir novas fraseologias para a interpretação do mundo existente, fraseologias que se esgotam em bazófias burlescas na mesma medida em que eles cada vez mais acreditam se elevar acima deste mundo e pôr-se em oposição a ele. Do que Sancho constitui um exemplo deplorável.”

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Vemos, acima, a crítica radical de Marx e Engels a todas as filosofias até então, idealistas, e da filosofia como tal em sua forma clássica, ou seja, crítica da “filosofia” enquanto teoria pura ou interpretação pura, isenta de se submeter à verificação da prática e seu critério. É a crítica ao filósofo que governa as palavras como se as palavras tomassem o lugar do mundo, filósofo como demiurgo de um pseudo-mundo.

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“Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; trata-se, agora, de transformá-lo” (Marx, 1978). Nesta famosa frase, Marx está conclamando a Filosofia para a atuação ou está chamando a atenção para o fato de que agora (século 19, com todo seu desenvolvimento) é a hora e a vez da ciência? Para Marx, a ciência tem um compromisso com a transformação social. Marx acredita que os filósofos estudaram o mundo, mas limitaram-se a isso, enquanto os cientistas devem agora transformá-lo. Ele afirma: “Só no contexto social é que o subjetivismo e o objetivismo, o espiritualismo e o materialismo, a atividade e a passividade, deixam de ser e de existir como antinomias. A resolução das contradições teóricas unicamente é possível através dos meios práticos, através da energia prática do homem. Por conseguinte, a sua resolução não constitui de modo algum apenas um problema de conhecimento, mas é um problema real da vida, que a filosofia não conseguiu solucionar, precisamente porque a considerou só como problema puramente teórico.” (Marx, 1971, p. 200)

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A tese 11 de Marx é um rompimento metodológico sem precedentes com a noção clássica (Pereira, 1990, p. 80).

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(Quando Deleuze e Guattari – dois autores da segunda metade do século 20, influentes em certos círculos brasileiros de hoje em dia, embora pareçam não se encaixar neste texto, mas faz algum sentido se os pensarmos no contexto do Maio de 68 e na insistência duma filosofia da imanência contra a transcendência vertical – afirmam, com o corpo sem órgãos de Artaud e com a ética de Espinosa (filósofo clássico querido por comunistas como Marilena Chauí ou Antonio Negri), mas também com as lutas de classes e a produção em Marx, que é citado várias vezes em O Anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia ou no Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia, que o desejo não é falta, mas criar, produzir, e que não se trata de interpretar, como pensam a psicanálise freudiana, lacaniana, presas ainda a um platonismo renitente, mas de experimentar, não há aí também alguma influência marxiana ou marxista da tese 11? O último livro de Deleuze, que em seus últimos anos, n’O Abecedário, afirma que ainda é marxista, se chamaria “A Grandeza de Marx”. No livro de ambos, O Que é Filosofia, as ciências assumem a posição de criadoras de funções, enquanto a filosofia, a partir de problemas, cria conceitos num plano de imanência, sendo imediatamente contrária à religião, que está na posição vertical da transcendência.)

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O francês Georges Labica, em seu livrinho Democracia e Revolução (2002), ao afirmar que a revolução socialista, comunista não pode se aninhar na forma do Estado burguês/capitalista, nos lembra que a tese 11 de Marx opõe a palavra alemã verändern, “que não se reduz à vaga transformação, nem mesmo à metamorfose, já que ele diz respeito às próprias formas. A vontade de mudar não pode excluir o destruir.” (Labica, 2009, p. 44.)

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É especialmente importante também a anotação de Antonio Gramsci décadas e décadas depois, já no século 20, de que a tese 11 “não pode ser interpretada como um gesto de repúdio a qualquer espécie de filosofia, mas apenas de fastio para com os filósofos e seu psitacismo, bem como de enérgica afirmação de uma unidade entre teoria e prática.” (Gramsci, Caderno 10, II, S 31, págs. 339-346.)

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Mas a querela continuava, estabelecendo um embate que precisou e, diante dos nossos problemas atuais, ainda precisa ser resolvido. Nos `Manuscritos Econômicos-Filósóficos`, Marx faz uma distinção do papel das ciências naturais e da filosofia. Segundo o autor, a primeira tem um papel mais ativo na vida prática humana através da indústria: “(…) transformou-a (a indústria) e preparou a emancipação da humanidade, muito embora o seu efeito imediato tenha consistido em acentuar a desumanização do homem” (Marx, 1971, p. 201). Aqui, Marx ao menos considera a desumanização do processo de desenvolvimento.

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Engels, o grande amigo e companheiro de luta inseparável de Marx, afirmou que, por ressaltar a transitoriedade, “Não há nada de definitivo, de absoluto, de sagrado para a filosofia dialética” (Engels, Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã). Aqui, há uma afirmação da nova filosofia. Em outro momento, o co-fundador do materialismo histórico e do socialismo científico lembra que, na superação de Hegel, a dialética ficou reduzida “à  ciência das leis gerais do movimento, tanto do mundo exterior como do pensamento humano” (Op. cit., ). Este aspecto da obra de Marx e Engels foi notavelmente transformador e revolucionário, a ponto de se afirmar que o materialismo dialético “não necessita de nenhuma filosofia colocada acima das outras ciências”, restando da filosofia anterior apenas “a teoria do pensamento e das suas leis, a lógica formal e a dialética” (Engels, Anti-Dühring). Aqui, é praticamente como se a ciência tivesse superado a filosofia, que teria perdido o seu sentido no mundo moderno. Trata-se, na verdade, de um tipo específico de “filosofia” que foi superada – a metafísica, como sabemos. Seria a constatação de Engels uma negação total da filosofia e o predomínio da ciência? Não é assim que a posterioridade encarou dentro do próprio marxismo. Ganhou força a tentativa de constituir melhor a filosofia da práxis, que, embora não seja separada do processo de desenvolvimento e predomínio das ciências, conquista seu espaço a partir das consequências científicas pós-Marx e Engels, como vimos anteriormente na insuficiência da teoria nas ciências empírico-formais.

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Diante de tal posicionamento tácito que sublima a ciência sobre a Filosofia, gostaria de estabelecer três conclusões: 1) A filosofia do tempo de Marx e Engels, sobretudo os alemães em questão, era condizente com a ideologia burguesa mistiticadora e com a ideologia direitista do império prussiano-germânico, ou seja, era preciso uma crítica violenta à consciência descolada do real e à filosofia que, distraída pelo método clássico, simplesmente desconsiderava os novos progressos científicos. 2) No entanto, há algo de mais profundo na crítica dos dois, que remonta toda a história da filosofia: ela anda num descompasso em relação ao mundo real e às urgências desse mundo, muitas vezes imbuída de quietismo, principalmente quando, em meados do século 19, é defrontada com o pleno desenvolvimento da ciência, que age no real ou a partir do real e pode transformar a matéria. 3) Não se trata necessariamente de acabar com a filosofia, porque a filosofia tem o seu espaço próprio de conceituação, mas de evocar a partir do desenvolvimento da ciência uma filosofia nova, uma filosofia da práxis. Isto constituirá o materialismo filosofico, o materialismo histórico e dialético, o socialismo científico, que ja são métodos de ambas, filosofia e ciência.

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Isso tudo não quer dizer que Marx não tenha também escrito em termos filosóficos, enfim. Marx não deixa de trabalhar com conceitos – herança certamente hegeliana, que ele superará constantemente… Em Hegel, conceito é a universalização das categorias. O trabalho de Marx é basicamente voltado às categorias. Luckás foi quem trouxe à tona a palavra ontologia para tratar da pesquisa de Marx: há uma ontologia imanente… Quando Marx é crítico (a palavra crítica é constante e reiteirante em toda sua obra, até mesmo nos títulos dela), é porque parte de concepções e intervenções de fundo filosófico. Além do mais, ninguém nega que Marx tenha lidado com problemas filosóficos e com conceitos. Por exemplo, há um conceito marxista de dialética, de ideologia, de alienação, etc., partindo da filosofia clássica antiga e de Hegel, mas de maneira crítica e original em sua obra. Sua teoria social só pode ocorrer no interior de um invólucro dialético. Por fim, lembremos dos Manuscritos Econômico-Filosóficos, lembremos do Miséria da Filosofia, das 11 Teses de Feuerbach ou mesmo da Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. São obras em que pululam conceitos filosóficos, mesmo que seja para criticar a própria filosofia. Enfim, não deixou Marx de transitar ou de desconhecer a filosofia e a história do pensamento filosófica. Em carta de 3 de março de 1870 para J. M. Weber, o próprio Marx testemunha (tradução minha a partir do Marx&Engels Collected Works, Volume 41): “Em Bruxelas, além de contribuições não remuneradas a diversos jornais radicais de Paris e Bruxelas, eu escrevi a Crítica do Criticismo Crítico [Marx refere-se ao livro A Sagrada Família] em colaboração com Fr. Engels (um livro sobre filosofia, publicado por Rütten, Frankfurt am Main, 1845), Misere de la Philosophie (livro sobre economia publicado por Vogler em Bruxelas e por Frank em Paris em 1847) [Miséria da Filosofia], Discours sur le libre échange (Bruxelas, 1848) [A Ideologia Alemã], um trabalho em dois volumes sobre a filosofia e o socialismo alemães dos últimos tempos (não publicado; veja meu prefácio da Contribuição à Crítica da Economia Política, F. Duncker, Berlim, 1859), e numerosos panfletos.”

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“O problema de saber o que é a “ciência” deve ser posto. Não é a ciência, em si mesma, “atividade política” e pensamento político, na medida em que transforma os homens, torna-os diferentes do que eram antes? Se tudo é “político”, é preciso, para não cair num fraseado tautológico e enfadonho, distinguir com conceitos novos entre a política que corresponde àquela ciência que tradicionalmente se chama “filosofia” e a política que se chama ciência política em sentido estrito. Se a ciência for “descoberta” de realidade antes ignorada, não será esta realidade, em certo sentido, concebida como transcendente? E não se pensará que ainda existe algo de “desconhecido” e, portanto de transcendente? E o conceito de ciência como “criação”, afinal, não equivale a “política”? Tudo consiste em ver se se trata de criação “arbitrária” ou racional, isto é, “útil” aos homens para ampliar seu conceito da vida, para tornar superior (desenvolver) a própria vida.” (Gramsci, Caderno 15, S 10; 3, págs. 33-332).

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Este papel real e ativo do cientista e do filósofo é reiteirativo também em Antonio Gramsci, ou seja, na primeira metade do século 20. Não basta eloquência nem escolaticismo. É preciso que o intelectual esteja inserido na vida prática como construtor, organizador, “persuasor permanentemente, já que não apenas orador puro – mas superior ao espírito matemático abstrato; da técnica-trabalho, chega à técnica-ciência e à concepção humanista histórica, sem a qual permanece “especialista” e não se torna dirigente (especialista + político).” (Gramsci, Caderno 12, S 3; 2, págs. 52-53).

40

A Filosofia pode exercer sua própria tarefa em relação às teorias científicas. Pode e deve, como já foi escrito, ser um prolongamento das ciências, apoiando-se nas ciências. Eu defendo que a elaboração filosófica pode resultar num sistema que fornece base, sentido e perspectiva crítica à nossa realidade, aos nossos problemas e à própria ciência. A filosofia pode demarcar boas teorias científicas das não-científicas (falsificabilidade). Pode refletir criticamente sobre o sujeito e sua perspectiva em relação ao objeto. Pode conceituar a respeito do invólucro filosófico que engloba sujeito, pesquisa e objeto. O método do materialismo histórico, por exemplo, sem dúvida tem um invólucro da grande mãe da ciência, a Filosofia e sua Dialética. No auge do positivismo lógico, abordagens altamente formais das teorias as tratavam em termos de sistemas axiomáticos, cujos termos teóricos estavam intimamente ligados a um vocabulário observacional que deveria fundamentar o significado empírico; uma abordagem menos formal e mais contextualizada, anunciada no trabalho de Thomas Kuhn, enfatizava a abertura da atividade científica, o valor heurístico das analogias e modelos, a elasticidade e o holismo do significado, os quais sugeriam que uma abordagem excessivamente formal distorceu o assunto.

41

Uma “filosofia da ciência” tem a utilidade, no século 20 e para este 21, de destecnocratizar a ciência, ao concebé-la como uma forma humana de ser no mundo, e pode mostrar que a ciência é atividade humana historicamente determinada (assim opera a filosofia da práxis). A técnica não pode manipular homens e elementos coisificados, sendo que nenhum outro campo do saber senão a filosofia intervém neste perigoso processo. Eis aí um dos papéis da filosofia da práxis, ainda mais pungentes hoje, pelo próprio desenvolvimento científico e novas formas de sociabilidade e trabalho virtual, do que nos séculos dos marxistas precedentes – reiterar que a técnica precisa mudar o homem, que a possui, pela própria práxis. Assim, a filosofia pode evitar a tecnologização do homem e humanizar a técnica. (Em seu Bodenlos: uma autobiografia filosófica, Vilém Flusser, filósofo tcheco naturalizado brasileiro e radicado durante 30 anos em São Paulo, que se debruçou sobre uma “filosofia da ciência”, apesar dos elementos demasiadamente metafísicos e até esotéricos de seu pensamento, é justamente o que acabei de escrever “o núcleo de todo verdadeiro marxismo”.)

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Estrutra e superestrutura, as ciências e a filosofia – Numa formativa passagem do “Prefácio” à Contribuição à Crítica da Economia Política, Marx escreve: “É preciso distinguir sempre entre as mudanças materiais ocorridas nas condições econômicas de produção e que podem ser apreciadas com a exatidão própria das ciências naturais, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, numa palavra, as formas ideológicas em que os homens adquirem consciência desse conflito e lutam para resolvê-lo.” De fato, as ciências exatas ou físicas são capazes de delinear objetivamente as forças sociais da estrutura, o grau de desenvolvimento das forças materiais de produção, os agrupamentos sociais que derivam deste desenvolvimento, a função e posição de cada um desses agrupamentos, o número de empresas e empregados, o número de cidades e sua respectiva população, o modo de produção, etc. A filosofia pode se utilizar desses dados para a sua concepção de mundo, mas tais dados não são o seu fim e objetivo. 

43

Marx não desenvolveu uma teoria específica sobre a ciência ou a tecnologia. O que aparece como central na obra desse autor são as relações de produção, as relações trabalhistas, a divisão de classes e outros. Contudo, o pensamento instigante de Marx deu espaço para uma famosa e já bastante tratada discussão sobre a tecnologia, especialmente em “O Capital”, que tangencia também a questão do papel da ciência na nossa sociedade.

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A suposta autonomia da ciência – Para Marx, a ciência não é autônoma por três motivos. O primeiro refere-se ao fato de que uma ciência que se diz autônoma é ideológica, ou seja, acredita-se ou quer que acreditem-na desvinculada das relações de produção, autônoma, negando o dado do homem como ser social e ocultando seus comprometimentos sociais. Nesse sentido, ela não é nem autônoma nem neutra. O segundo motivo é relativo à questão de que a ciência, conforme Marx, tem um papel objetivo, direto, prático, portanto político que deve ser cumprido. O terceiro motivo, enfim, refere-se ao fato da ciência estar na superestrutura e, portanto, ser formada e mantida pela esfera econômica. Quanto a isso, parece incontestável: para haver pesquisa, é preciso haver condições materiais, além de determinados utensílios e ferramentas.

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Para Marx, os cientistas, como bem está colocado nas citações acima, têm de tomar posição política, tem de fazer uma intervenção social, uma vez que as ciências estão geralmente mais diretamente ligadas ao mundo material e a uma prática do que a filosofia. A ciência é e sempre será engajada: “Uma base para a vida e outra para a ciência constituem a priori uma mentira” (Marx, 1971, p. 201). O próprio Marx foi um intelectual engajado na medida em que investiu no socialismo científico não só para compreender a sociedade, mas, sobretudo, para dar respostas a problemas concretos.

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Os principais objetivos da discussão científica são o progresso da ciência e a pesquisa da verdade (Gramsci, Caderno 10, II, S 24; 1, 333), uma verdade que certamente não é absoluta, porquanto é próprio da natureza científica, sem deixar de incorporar pesquisas e descobertas anteriores ou até de adversários contemporâneos, desmistificar mentalidades e trazer constantemente outra(s) verdade(s) num continuum.

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Gramsci, ao definir marxismo como ciência e ação, cita Lênin – “o maior teórico atual da filosofia da práxis” – em relação a Marx (criador de Weltanschauungen, concepção de mundo), e fazendo uma associação (histórica, não religiosa!) entre os dois com Jesus, concepção de mundo, e Paulo, organização, continuação, expansão da Weltanschauung (Gramsci, Caderno 7, S 33; 1, 242-243). Do desejo ou mesmo da utopia para a ciência, e desta para a prática.

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“Só uma teoria revolucionária cria uma ação revolucionária” é a frase mais famosa do grande teórico da Revolução de 1917. Lênin – protótipo do intelectual revolucionário que parte da filosofia, da ciência, da teoria, do pensamento, do espírito para a prática, para o real, com todos os erros e glórias deste processo e fluxo -, em texto famoso sobre as três fontes e as três partes constituivas do marxismo, escreve que “A filosofia do marxismo é o materialismo”, denominando-o “materialismo filosófico”, e que “O materialismo histórico de Marx é uma conquista formidável do pensamento científico” (p. 36). Temos, aqui, um equilíbrio entre filosofia e ciência. As outras duas partes do marxismo são a economia inglesa de Adam Smith e David Ricardo, da qual Marx irá retirar valiosas teorias econômicas para sua crítica em O Capital, e o socialismo utópico (que se difundiu na passagem do século 18 para o 19), que virará científico com Marx e Engels. Este materialismo – que parte do materialismo francês do século 18 e depois bebe da filosofia alemã de Hegel (idealista, mas dialético, notando a matéria em desenvolvimento) e Feuerbach (que é crítico de Hegel, e que depois Marx e Engels irão criticar e superar) – é filosoficamente fiel a todos os ensinamentos verificáveis das ditas ciências naturais e hostil às superstições e às ideias meramente religiosas, enquanto que o materialismo histórico se transforma em método científico integral e harmonioso para analisar as forças produtivas e as formas de vida social, por exemplo, do feudalismo para o capitalismo, e deste para o socialismo, depois o comunismo, ou o ocaso em conjunto das classes em conflito, conforme assinala o início do Manifesto Comunista. Conclui Lênin: “A filosofia de Marx é o materialismo histórico acabado, que deu à humanidade, à classe operária sobretudo, poderosos instrumentos de conhecimento” (Op. cit, p. 37). Em outro texto mais cavado, um verbete com breve nota biográfica de Marx com uma exposição do marxismo, Lênin é plenamente consciente do legado da velha filosofia idealista para a nova filosofia materialista e para a ciência utilizada pelo marxismo.

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Em determinado momento dos Cadernos do Cárcere, a respeito da questão da “natureza humana”, Gramsci anota: “O problema do que seja o homem […], isto é, a tentativa de criar uma ciência do homem (uma filosofia) que parta de um conceito inicialmente ‘unitário’, de uma abstração na qual se possa conter todo o ‘humano’ […]” (Gramsci, Caderno 7, S 35; 1, p. 243). Atenção para este trecho que praticamente estabelece um sinônimo: “uma ciência do homem (uma filosofia)”…

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Para Antonio Gramsci, todos têm o potencial de serem filósofos, porque todos pensamos, lidamos com problemas altos ou do “senso comum”, podemos ser críticos e até criarmos concepções de mundo. No entanto, os filósofos “profissionais” ou “técnicos” possuem maior homogeneidade, coerência e logicidade do que as demais pessoas, trabalham com maior rigor, originalidade e sistematização, conhecem também toda a história do pensamento, além do fato de que nem toda concepção da vida e do mundo, nem qualquer tendência de pensamento ou orientação podem ser chamados de filosofia. “Ele [o filósofo] tem, no campo do pensamento, a mesma função que, nos diversos campos científicos, têm os especialistas. Entretanto, existe uma diferença entre o filósofo especialista e os demais especialistas, a saber, a de que o filósofo especialista se aproxima mais dos outros homens do que os demais especialistas. Foi precisamente o ter feito do filósofo especialista uma figura similar, na ciência, aos demais especialistas aquilo que determinou a caricatura do filósofo. Com efeito, é possível imaginar um entomólogo especialista sem que todos os outros homens sejam “entomólogos” empíricos, ou um especialista de trigonometria sem que a maior parte dos outros homens se ocupem da trigonometria etc. (podem-se encontrar ciências refinadíssimas, especializadíssimas, necessárias, mas nem por isso ‘comuns’), mas é impossível pensar em um homem que não seja também filósofo, que não pense, precisamente porque o pensar é próprio do homem como tal (a menos que seja patologicamente idiota).” (Gramsci, Cadernos, 10, II, S 52; 1, págs. 410-411).

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A filosofia, no marxismo, é a práxis, ou seja, é a relação entre a vontade humana (superestrutura) e a estrutura econômica (Gramsci, Caderno 7, S 18; 1, págs. 236-237). Nesta relação, encontra-se também o desenvolvimento dialético entre natureza e forças materiais de produção, entre homem e matéria. Na economia, o valor, a teoria do valor é o centro unitário. Na política, há a questão do Estado e da sociedade civil.

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Filosofia e Política é pensamento e ação, é filosofia da práxis (Gramsci, Caderno 7, S 35; 1, p. 246). Uma filosofia que abarca a massa, porque possui uma concepção de massa, e cuja função não é o individualismo do pensador, mas a unidade social na qual ele está inserido, ou seja, direção política (Gramsci, Caderno 10, II, S 31; 1, págs. 339-346). O movimento dos trabalhadores e estudantes brasileiros e latino-americanos precisa ser, já é, herdeiro da nossa filosofia: continua o predecessor, mas o continua praticamente sem contemplação, conhecimento real sem “escolasticismo”, mas com ação e vontade ativa transformadoras.
“A precedência passa à prática, à história real das modificações das relações sociais, das quais, portanto (e portanto, em última análise, da economia), surgem (ou são apresentados) os problemas que o filósofo se propõe e elabora” (Op. cit.).

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Teoria e prática – A prática é o ato de realizar. O professor Georges Politzer ensinava que a indústria e a agricultura, por exemplo, realizam, ou seja, tornam reais certas teorias (teorias químicas, físicas, biológicas, etc.), ao passo que, para ele, a teoria é o conhecimento das coisas que queremos realizar (POLITZER, 1979, págs. 19-20). Eu acrescentaria este “realizar” (que, por si só, une uma teoria a uma prática) a também “transformar”, “alterar”, “mudar”, ou até mesmo “destruir”. Ser apenas prático é realizar por rotina, e a rotina aliena. É possível também ser apenas teórico – o que periga conceber o que é irrealizável. Portanto, é preciso haver uma interligação entre a teoria e a prática.

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Ainda que sem um horizonte de realidade e/ou de prática a teoria não deixe de ter componentes abstratos, devemos liberar a teoria de qualquer “tecnicismo” ou mesmo do sinônimo único de “pensamento puro”, tampouco associarmos a teoria apenas ao “conhecimento abstrato e intelectualista”, porque “não é a teoria que se opõe à prática pura, é a abstração” (Pereira, 1990, p. 11).

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Teoria e prática, práxis – Prática separada da teoria não é ação consciente e transformadora, é prática pura, nos impossibilita de passar da prática à práxis, ou seja, de completar a síntese e a unidade (Pereira, 1990, p. 75). Não confundir prática com práxis, apesar das semelhanças entre tais palavras. Quando falamos em teoria, precisamos considerar o aspecto teórico da prática, que abre o ato para seu significado cultural e amplia a ação para uma finalidade, uma teleologia. A filosofia da práxis ocorre justamente ali do aspecto teórico da prática para a unidade teoria/prática.

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A dialética da relação teoria/prática – Antes de tudo, quem diz dialética diz movimento, contradição e dinâmica. Então, por que é que a teoria precisa estar presente no processo de construção da práxis? Porque a prática pura não cria cultura nem transforma a História. A contradição máxima da relação teoria/prática se dá pelo fato de que não podemos nos livrar nem da teoria nem da prática. Negamos a prática pura como instintiva ou mecânica. Através da teoria, devolvemos à prática pura algum significado histórico, social, cultural, psicopolítico, geopolítico, etc. Portanto, atenção: na verdade, não existe de maneira absoluta separação entre teoria e prática! Não se idealiza uma prática sem já estar em tal prática. Eis a contradição máxima desta relação, que revela uma separação apenas de âmbito formal, um círculo vicioso mais ou menos falso de priorizar a teoria sobre a prática ou a prática sobre a teoria. (Um exemplo de contradição, corriqueiro neste século: as redes sociais. Elas “individualizam”, mas, ao mesmo tempo, imbricam todos em rede, sem a qual não existe sem tal coletividade. O próprio sistema capitalista é assim. Tanto o jovem que trabalha em call center quanto o trabalhador rural estão em realidades muito diversas, mas ambos imbricados num mesmo sistema, o que, aliás, nos leva à conclusão de que a luta anticapitalista tem de ser também unitária, fluída e totalizante. O capital é apenas comando e obediência, resposta a um trabalho que gera valor. A contradição máxima do capital, portanto: não existe sem resposta a um trabalho que gera valor, não existe sem trabalhador. A pandemia do coronavírus deixou isto explícito. Toda greve de trabalhadores escancara tal realidade e o poder das forças produtivas detidas pelos trabalhadores contra o acúmulo de capital nas relações de produção.)

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Teoria não se faz apenas com pensamento, ou nós seríamos apenas máquinas pensantes: ligado à prática, o ato teórico se estabelece a partir do que somos no mundo, um nó de relações concretas, materiais, físicas, de desejos, geopolíticas, telúricas, sociais, etc. como um todo, uma amálgama. (Pereira, 1990, págs. 84-85). Não podemos achar que a teoria se articula apenas no ato de pensar, mas sim em algum dos níveis ou camadas do real.

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Ideologia, teoria e prática – Ideologia em seu duplo sentido. Ideologia enquanto supraideia, metaideia, então nossos atos e teorias e nossa práxis são ideológicos, porque são sociais e históricos, e ideologia como aquilo que toma o falso pelo verdadeiro, a consciência falsa que Marx e Engels tratam em A Ideologia Alemã, uma consciência moldada pela classe dominante, já que é ela que detêm a propriedade privada dos meios materiais de produção, os jornais e a mídia de maior disseminação e circulação, etc.

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Teoria e prática – A unidade entre teoria e prática é como a do intelectual com o simples: elaboração e concepção que são colocados na atividade real. Para se transformar em vida, para se depurar de elementos intelectualistas que a confinam num grupo restrito, a filosofia tem de trabalhar na construção de um pensamento que seja superior ao senso comum e cientificamente coerente, encontrando nos “simples” a fonte dos problemas a serem estudados e solucionados. Tal unidade não é um dado de fato mecânico, mas um devir histórico que possui uma fase primitiva em que o sentimento é de “separação” até a concepção de mundo unitária (Gramsci, Caderno 11, S 12; 1, págs. 93-114). Ainda é preciso, nos dias de hoje, melhorar o conceito dessa unidade, porque, geralmente, a teoria é vista como acessório, complemento ou até serva da prática, por conta de resquícios de mecanicismo, quando, na realidade, as distinções entre teoria e prática não podem levar a separações nem à insistência sobre o elemento prático da ligação teoria-prática.

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Teoria e prática, mesmo – Aos comunistas, conforme bem anotou Gramsci (Caderno 15, S 22; 1, p. 260), temos dois modos de agir na unidade de teoria e prática, a saber: 1) Com base numa prática, construir uma teoria que acelere em ato o processo histórico pela identificação dos elementos decisivos da própria prática; 2) Através de uma posição teórica, é possível organizar elementos práticos indispensáveis para que essa teoria seja colocada em ação.

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Teoria e prática, transição – São nos momentos históricos de transição que a unidade entre teoria e prática está mais explícita, pois as forças práticas de transformação e a própria realidade demandam uma justificação, no momento mesmo em que partiram de alguma elaboração e pensamento precedentes que foram consolidados. Em momentos pós-revolucionários ou pré-revolucionários, o sentimento de separação, assim como a urgência de unidade entre teoria e prática, pesa muito mais.

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Teoria e prática, unidade perfeita através da ciência – A ciência é a atividade teórica ou a atividade prático-experimental dos cientistas? Ou síntese de ambas? Há sem dúvida um processo unitário do real na mediação dialética entre o homem e a natureza. De acordo com Gramsci: “A experiência científica é a primeira célula do novo método de produção, da nova forma de união ativa entre o homem e a natureza. O cientista experimentador é um operário, não um puro pensador; e seu pensar é continuamente verificado pela prática e vice-versa, até que se forme a unidade perfeita de teoria e prática.” (Gramsci, Caderno 11, S 34; 1, págs. 166-167).

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Filosofia da práxis e ciências empírico-formais – Nas ciências empírico-formais, as teorias e leis surgem após o fato, embora haja também toda uma ciência voltada para a previsibilidade e para o que pode ocorrer de acordo com sinais da realidade presente (por exemplo, os estudos sobre o impacto terrível do capitalismo no meio ambiente, o aquecimento global e os prognósticos preocupantes para os próximos anos e para este século, relacionados a estatísticas e outros dados de pesquisa progressivos a respeito do passado e do presente). Na filosofia da práxis, por sua vez, eu considero que a teoria assume uma função mais complexa: pode se referir ao acontecido, ao fato, a um objeto da ciência política, do socialismo científico e do materialismo histórico (por exemplo, a teoria do elo mais fraco de Lênin, que é uma constatação, embora Marx sempre retorne mais certo ao ter afirmado que a revolução em regiões atrasadas seria problemática, simplesmente porque os revolucionários começariam o socialismo do zero, sem riqueza capitalista a socializar, e, justamente por isso, o próprio Lênin teve depois de criar a NEP, assim como Cuba, após sua revolução socialista e na periferia do hegemonismo econômico, administra aos trancos e barrancos a sua transição socialista cercada por um mundo que internacionalizou o capitalismo, além de criminosas sanções dos EUA), mas, na filosofia da práxis e parece que somente nela, a teoria tem também o potencial de ser teoria que se antecipa à prática e influi na prática, ou seja, num devir em preparo que pode ser iminente e impelir. A teoria da filosofia da práxis projeta; modela idealmente (no plano das ideias, não o idealismo extrínseco à realidade) um processo.

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O estudo da matéria ajuda na proximidade e diferenciação da atuação entre filosofia e ciência – Se a filosofia da práxis não é propriamente ciência em si, se é tão independente e historicamente original quanto insiste Antonio Gramsci, como ela concebe a matéria? Para a filosofia da práxis, não deve a matéria ser entendida nas diversas “metafísicas materialistas” nem no âmbito das ciências naturais (física, química, mecânica, etc., sendo tais significados considerados, é claro, não são ignorados pela filosofia da práxis, mas são registrados e estudados em seu desenvolvimento histórico). Na filosofia da práxis, propõe Gramsci, as propriedades físicas, químicas, mecânicas, etc. da matéria não deixam de ser consideradas, mas só na medida em que já são “elemento econômico” produtivo, ou seja, a matéria é considerada como “social e historicamente organizada pela produção e, desta forma, a ciência natural deve ser considerada essencialmente como uma categoria histórica, uma relação humana.” (Gramsci, Caderno 11, S 30; 1, págs. 160-163).

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Filosofia da práxis e ciência política – A filosofia da práxis é uma “concepção sistemática (coerente e consequente) do mundo” (Gramsci, Caderno 13, S 10; 3, págs. 26-27). A distinção entre a filosofia da práxis e a ciência política não se dá em termos de momentos teóricos (lógica e estética) e práticos (ética e economia), mas no de fato que a ciência política ocupa um espaço na filosofia da práxis em relação aos graus da superestrutura, sendo a atividade política justamente o primeiro momento ou primeiro grau superestrutural (Op. cit.). Assim, a filosofia da práxis é mais abrangente, mas precisa: considera o modo econômico estrutural no bojo do materialismo histórico, a ciência política e a unidade teoria/prática, além de todo o legado conceitual e humanista da história da filosofia.

66

O que é práxis – Práxis não é a prática pura, práxis é “o coroamento da relação teoria/prática” “como questão eminentemente humana” (Pereira, 1990, p. 70). Práxis é ação transformadora de si e dos outros, da realidade; o nível superior de tal ação transformadora (páxis) é a ação revolucionária (Pereira, 1990, p. 72). Como se vê, o campo da práxis é mais complexo e rico do que a simples prática. A práxis engloba teoria-prática. Parece-nos, até que se mostre o contrário, que os “animais” (em falta de palavra mais complexa para tratar de seres tão diversos, usamos esta) possuem instintos e também agem de acordo com algum tipo de “prática pura”, sem teoria, sem elaboradas significações e reflexões sobre seus atos pretéritos e por vir, ainda que o “reino animal”, dos “insetos” e mesmo o chamado “reino vegetal” nos apresentem tantas vezes um invejável desenvolvimento e aperfeiçoamento prático. As massas, lato sensu, se movimentam no cotidiano, agem o tempo todo, mas é em certos momentos que revelam seu potencial coletivo e organizado de práxis… A rotina nos aliena. De todo modo, nós podemos fazer a relação social e criar ou mudar a história. (Mas, atenção: Marx lembra no início de O 18 Brumário de Luís Bonaparte que fazemos a história não de maneira autônoma, mas de acordo com circunstâncias materiais mais ou menos determinadas.)

67

Se a práxis não é a prática pura, é “a prática objetivada (individual e socialmente) pela teoria” (Pereira, 1990, p. 77). Uma prática aprofundada pela consciência crítica, ou seja, consciência que percebe as determinações e condições sociais da realidade (nacional, continental, internacional) pelas quais podemos atuar, mesmo que seja para destruí-las em emancipação e liberdade. Práxis é ação “transformadora do natural, do humano e do social” (Op. cit.).

68

A prática é o fundamento da teoria. Teoria fora do horizonte da prática é abstração. Este é um princípio básico da filosofia da práxis. Por outro lado, esquecer da teoria ou até mesmo desprezá-la, como se fosse uma “contemplação inútil”, em nome da sobreposição de uma “prática”, leva-nos apenas ao pragmatismo e ao utilitarismo (Pereira, 1990, p. 80). Assim, enquanto a teoria pode ter alguma “autonomia” em relação à prática, porque a antecipa e a influi, a prática possui primazia em relação à teoria (Pereira, 1990, p. 76). Mas, justamente porque podemos idealizar ou projetar uma prática antes dela acontecer no plano da realidade, é que a teoria deve servir de instrumento à práxis social, isto é, tanto no pensamento quanto na ação, constituir um projeto humano pessoal e social, coletivo, nacional, continental, internacional, global, etc.

69

Qual teoria? Qual prática? Estas duas perguntas críticas importam muito… Certamente não são quaisquer uma. Um militante comunista, trabalhador e/ou estudante, precisa de uma filosofia e de um método de análise e de raciocínio que sejam justos para que a sua ação revolucionária de transformação das realidades e da História seja justa também: sem dogmatismo, sem soluções acabadas, mas com circunstâncias e fatos que nunca são os mesmos, procurando não separar a teoria da prática (POLITZER, 1979, p. 20). Ora, é justamente tal filosofia e tal método que se encontram no materialismo dialético, base fulcral do marxismo.

70

Teoria e prática, sabedoria de vida – Quando pinta o ranço da teoria ou ela já se extrapola para fora, vai-se para a prática; quando fracassamos ou somos fatalmente impedidos pela direitalha, mergulhamos na teoria. Com a derrota das revoluções de 1848, ele, antes protagonista revolucionário de tal momento histórico, mergulha no estudo do sistema que maravilhosamente produz riqueza e vida material como nenhum outro na história da humanidade, gerando do outro lado mais e mais pobreza e problemas humanos… Com a prisão pelo fascismo, que derrota o movimento operário e revolucionário de seu país e mina todos os seus planos, ele não pode fazer outra coisa senão mergulhar também no teórico e na teoria para compor os seus Cadernos do Cárcere. Não é justamente este o sentido de pessimismo na razão e otimismo na ação?

71

Para Antonio Gramsci, a filosofia da práxis “é igual a Hegel + David Ricardo” (Gramsci, caderno 10, II, S 9; 1, págs. 317-318). O que ele quer dizer com isso? Que as contribuições metodológicas de Ricardo para a ciência econômica (por exemplo, a teoria do valor, a regularidade) e para o trabalho de Marx e Engels, fundadores da filosofia da práxis, do socialismo científico e do materialismo histórico e dialético, podem trazer também alguma inovação filosófica, já que o princípio lógico da “lei tendencial” – pela qual encontra-se a definição científica de cânones fundamentais da economia, como o homo economicus, o “mercado determinado” -, garantiu uma descoberta de valor também gnosiológico. (Gnosiologia, teoria do conhecimento humano; termo proveniente da filosofia estética do século 18; na antiga União Soviética e período subsequente à sua dissolução, foi utilizado como sinônimo de epistemologia.) Trata-se, sugere Gramsci, de uma nova imanência, de uma nova concepção filosófica da necessidade e da liberdade. Aqui, temos substanciais atributos para a nova filosofia, não apenas para a ciência econômica. Gramsci conclui que a filosofia da práxis universalizou as descobertas de Ricardo ao extendê-las para toda a história e extrair delas uma nova concepção do mundo e da vida (Op. cit).

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“A filosofia da práxis é o historicismo absoluto, a mundanização e terrenalidade absoluta do pensamento, um humanismo absoluto da história. Nesta linha é que deve ser buscado o filão da nova concepção do mundo. […]” (Gramsci, Caderno 11, S 27; 1, p. 156). A filosofia da práxis revela nova síntese e concepção de mundo, como nunca antes na história, e da própria filosofia.

73

De acordo com Gramsci, a “teoria” da filosofia da práxis é constituída pela resposta das seguintes perguntas, além de outras: “Que é a filosofia? Em que sentido uma concepção do mundo pode se chamar filosofia? Como tem sido concebida, até nossos dias, a filosofia? A filosofia da práxis inova esta concepção? Que significa uma filosofia ‘especulativa’? A filosofia da práxis poderá algum dia ter uma forma especulativa? Que relações existem entre as ideologias, as concepções do mundo e as filosofias? Quais são, ou devem ser, as relações entre a teoria e a prática? Como são concebidas estas relações pelas filosofias tradicionais? etc. etc.” (Gramsci, Caderno 11, S 26; 1, p. 149).

74

Em Gramsci, a filosofia da práxis não está simplesmente cindida como teoria da história e da política a ser construída de acordo com os métodos das ciências naturais e de um materialismo filosófico ou metafísico ou mecânico (vulgar); na verdade, o autor dos Cadernos do Cárcere concebe a filosofia da práxis como “uma filosofia integral e original, que inicia uma nova fase na história e no desenvolvimento mundial do pensamento, na medida em que supera (e, superando, integra em si os seus elementos vitais) tanto o idealismo quanto o materialismo tradicionais, expressões das velhas sociedades.” (Gramsci, Cadernos, 11, S 22; 1, págs. 140-144.) Tal superação se efetua e se expressa numa nova dialética; para concebê-la e compreendê-la, ensina Gramsci, não se pode pensar a filosofia da práxis apenas como subordinada a uma outra filosofia (Op. cit.).

75

“Uma ‘teoria’ é revolucionária”, escreve Gramsci, “precisamente na medida em que é elemento de separação e de distinção consciente em dois campos, na medida em que é um vértice inacessível ao campo adversário.” (Gramsci, Caderno 11, S 27; 1, págs. 152-156.) A filosofia da práxis, portanto, é independente e está em antagonismo com todas as filosofias e religiões tradicionais; é assim ou, então, significa não ter rompido os laços com o velho mundo ou, até mesmo, ter capitulado (Op. cit.).

76

A filosofia da práxis inovou tudo e segue pertinente, porque é “subversiva”. Podemos crescer, amadurecer e progredir a partir de nossas práticas teorizadas e refletidas. O inverso também é válido. Mas o oposto é direitismo, fascismo, neonazismo, mistificação, rigidez, etc. A filosofia da práxis rejeita a mera abstração e o mero pragmatismo – são campos de alienação. Todo respaldo teórico e crítico serve ao projeto emancipatório da humanidade e também contra a mediocridade do senso comum. A filosofia da práxis, em todas suas vertentes, seja na política estrito senso ou nas artes, deve lutar por uma nova cultura e um novo humanismo a partir da crítica dos costumes, sentimentos, concepções vigentes de mundo para o social e o comum.

77

“O que será conservado do passado no processo dialético não pode ser determinado a priori, mas resultará do próprio processo, terá um caráter de necessidade histórica e não de escolha arbitrária por parte dos chamados cientistas e filósofos.” (Gramsci, Caderno 10, II, S 41, XIV-XVI; 1, págs. 393-396.)

78

Voltemos à concepção anterior de teoria, para resumi-la em termos marxianos. Para Marx, a teoria é um modo especial de apropriação, de apreensão da realidade e da materialidade pelo cérebro humano (V. posfácio da segunda edição se O Capital). É aquela modalidade de conhecimento pelo qual o pesquisador reproduz idealmente, ou seja, na sua cabeça, no seu cérebro, o movimento real, histórico e as tendências de desenvolvimento do objeto pesquisado. Nesse sentido estrito, a obra O Capital é a expressão tornada consciente pela atividade da pesquisa humana do movimento real do próprio capital. A análise teórico-crítica das condições da produção material como fundamento necessário para a análise da vida social que se ergue sobre esse fundamento, embora o próprio Marx saiba que a vida social vai além e é mais complexa, sendo, no entanto, o modo econômico e sua organização das produções materiais da existência dos homens indispensável de ser considerado. Usa-se o termo “marxiano” para tratar da obra mesma de Marx, desvinculando-a dos “marxismos” posteriores e principalmente de suas experiências políticas, sociais, históricas reais que muitas vezes maculariam a obra de um dos maiores gênios do século 19. É famosa, entre os marxistas, a afirmação do próprio Marx de que ele próprio não era marxista. Esta é uma posição polêmica e problemática, se o “marxiano” não servir para o marxismo. Se ficar reduzido apenas ao que se chama de “teoria marxiana”, o empenho cai no círculo vicioso das ciências experimentais transposto para as ditas ciências sociais, como vimos anteriormente, ou esquece-se da práxis, formando universitários ou cientistas que até podem ser anticapitalistas, mas que não contribuem para a filosofia da práxis. O professor José Paulo Netto tem reiterado a separação, insistindo sempre que a teoria em Marx é a reprodução ideal do movimento real do objeto pelo sujeito que pesquisa, e que, “pela teoria, o sujeito reproduz em seu pensamento a dinâmica do objeto que pesquisa” (2011, p. 21). Esse movimento ocorre por meio de gênese, consolidação, desenvolvimento e fim (ou crise), em relação dinâmica e contraditória (dialética). Compreendemos, nesta esteira, que a teoria social em Marx gira em torno da historicidade e da valoração da sociedade burguesa a partir do socialismo científico e do comunismo crítico. Seu objeto principal é o capital, ou as relações sociais da sociabilidade burguesa, com todas suas contradições entre as forças produtivas possuídas pela classe trabalhadora as relações de produção estabelecidas por enquanto pela burguesia. Seu método é o materialismo histórico e dialético.

79

Não pode ser só isso. Para finalizar, portanto, outra vez Marx, mas o Marx revolucionário, que extrapola o retrato “universitário” e intelectual do parágrafo anterior, embora aquele complemente este e este dê sentido real ao outro, sendo ambos senão um só indivisível: “A arma da crítica não pode, é claro, substituir a crítica da arma, o poder material tem de ser derrubado pelo poder material, mas a teoria também se torna força material quando se apodera das massas. A teoria é capaz de se apoderar das massas assim que se evidencia ad hominem [no ser humano], e de fato ela se evidencia ad hominem tão logo se torna radical. Ser radical é agarrar a questão pela raiz. Mas a raiz, para o ser humano, é o próprio ser humano.” (Marx, 2010, p. 151.)

18 de maio de 2020

BIBLIOGRAFIA

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Ed. de Carlos Nelson Coutinho, M. A. Nogueira e L. S. Henriques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 6 vs., 1999-2003.

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