Dia péssimo – Arthur Lira eleito presidente da Câmara dos Deputados com apoio corrupto de Jair Bolsonaro

Jair Bolsonaro e Arthur Lira (Progressistas-AL): clientelismo, corrupção – direitalha mamateira e extrema-direitalha.

Dia triste. Abre-se um novo capítulo, com certezas e incertezas. Se ontem sentia-se o cheiro de impeachment por tantos crimes, hoje tudo se torna mais complicado.

Bolsonaro fará uma “reforma ministerial” para acomodar o Centrão em cargos fartos da alta burocracia federal, depois de torrar nosso dinheiro com emendas parlamentares bilionárias (cerca de R$3 bilhões, mais meio milhão de reais a véspera da eleição, em plena crise e pandemia) para comprar a velharia do Congresso. O Centrão lhe dará ainda mais musculatura, mesmo sendo este o DESgoverno mais inepto e tendo já nos isolado do resto do mundo. Quem quer mudar o Brasil, precisa entender que Lula (que também teve de fazer uma reforma ministerial para se sustentar mais, embora tivesse equipe competente e amplo apoio popular), Dilma e qualquer outro ficou nas mãos do Centrão, portanto é preciso investigar a base social e eleitoral na sociedade brasileira desse Centrão (uma direita sem ideologia, apenas fisiologista e mamateira). Só “paredão” (Paredón) não adianta, porque esses canalhas não brotam do “nada” nem vêm de Marte. Também é preciso insistir que a direitalha, incluindo PSDB, mídia e demais partidos de centro-direita, têm um enorme dedo de responsabilidade no que estamos vivendo, porque a direita no Brasil só ganha eleição apelando (Jânio Quadros, Collor, Bolsonaro – e basta lembrar da compra de votos pela reeleição de FHC), ou seja, não teve a mínima vontade de atacar a extrema-direitalha como se deve. À esquerda, nossa crítica se deve à falta de radicalidade nas pautas, à falta de estudo da teoria marxiana e de estratégicas socialistas que contribuam para uma construção revolucionária entre o povo, que prepare a sociedade civil pela disputa da hegemonia e eventual tomada de poder. Para ajudar na investigação desse obstáculo aos avanços sociais que é o Centrão, cumpre começar o básico, ou seja, a sua faceta institucional. O Centrão, hoje, é constituído pelos seguintes partidos: PP (40 deputados), Republicanos (31), Solidariedade (14) e PTB (12), mas, dependendo da situação e de quem der mais, juntam-se a estes o PSD (36 deputados), o MDB (34), o DEM (28), o PROS (10), o Partido Social Cristão (9), o Avante (7) e o Patriota (6).

O importante é que vocês entendam que, na hora do pragmatismo, nosso problema não é porra de fascismo nenhum. É direitalha e Centrão. Esquerda que fizer pesquisa a respeito disso terá caminho para começar a mudar o cenário a médio e longo prazo.

E, por trás da direitalha e do Centrão, o capital, a estrutura. Não seriam quem são não fosse a defesa do lucro, de setores fundamentais do empresariado brasileiro, etc.

Mas o mais importante é entender o papel da classe trabalhadora e do povo-nação nisto.

Agora, vamos a uma crítica ao tal “centro democrático”, que inexiste, apesar da ingenuidade da esquerda não-revolucionária, que parece adorar ser eternamente resistente e sadomasoquista, ao invés de usar sua plataforma mais bem estruturada e solidificada para trabalhar para governar e ensinar trabalhadores a governar:

O tragicômico da situação: PT, parte do PSOL (que depois foram vencidos e tiveram de votar em Erundina), PelegodoB, PDT e PSB (o menos de esquerda de todos), ou seja, partidos de centro-esquerda ou ditos de esquerda (138 deputados) apoiaram Rossi (crítico de Bolsonaro, apoiador das contrarreformas neoliberais), crentes de que o “habilidoso” Rodrigo Maia (DEM-RJ), que não passa dum banana e conivente, conseguiria elegê-lo contra Arthur Lira (Progressistas-AL). São uns ingênuos, para dizer o mínimo e no eufemismo… A direitalha só estava fechada com Rossi para chanteagar Bolsonaro a lhes dar mais. Tão logo isso ocorreu às vésperas da eleição, eles debandaram do lado de Maia para o lado de Lira. Não há ética nenhuma, nada importa a não ser dinheiro para seus redutos eleitoreiros e cargos fartos. Basta ver quantos votos Rossi recebeu, e de quem foi… Rs… A esquerda se presta a este papel ridículo! E, se parece sonhadora demais quando se desgarra desse pragmatismo da democracia liberal burguesa, deve procurar saber por que não tem força, para além de eleições, e sim em termos de construção social gradativa e estável (tal como propõe Gramsci).

Teria sido mais digno lutarem e votarem na Erundina ou num nome próprio, forte, ainda que mediador para além da esquerda, se é que há algum.

Faz lembrar de um episódio típico que eu ainda quero escrever para uma peça, colocar em cena! É como Lula, em seu primeiro ano de governo, levando seus ministros, o banqueiro Meirelles, o empresário Furlan e o médico Palocci para irem ver como o brasileiro vive em palafitas. E daí?! Não existe conciliação de classes, sobretudo quando já nada tem a ver com nazifascismo. Meirelles fez parte do governo ilegítimo do Temer, depois do Doria, é banqueiro, enfim; Furlani, cabeça de empresário, e Palocci (homem “frio”, segundo o próprio Lula diante do juizeco Moro) voltou-se contra Lula, invenntando mentiras contra ele em delação premiada para se safar. Essa ingenuidade na esquerda só é justificável por sua fraqueza, mas deve-se justamente buscar a força popular (não a força da velharia oligárquica e burguesa) para não se incorrer mais nesses episódios ridículos, que só levam a derrotas degradantes e vexatórias !

Com Arthur Lira, que ontem tinha discurso de paz e harmonia e hoje, mesmo dizendo que governará com direita, centro e esquerda, o tom será revanchista, com mais retrocessos à vista. Com ele, como com praticamente todos os antecessores, a Câmara Federal, antes de ser a Casa do Povo, é uma câmara anecoica, surda aos verdadeiros anseios da maioria.

Quanto a Bolsonaro (enfraquecido, apesar da maior musculatura  do seu DESgoverno) e seus milicos, não terão vida fácil: mês a mês o governo abrirá os cofres para saciar o Centrão, nosso dinheiro esfolado sem dó, sobretudo o dinheiro suado de milhares de brasileiros que trabalham na base da pirâmide social e que nada recebem em troca, nem sequer administram o que produzem ou lhes é ensinado a tomar os meios de produção. A tal da direita rachou. O Brasil ainda está sem projeto, sem futuro, sem emancipação, sem liderança.

Ps.: Rodrigo Pacheco (DEM-MG), apoiado por Bolsonaro e pelo PT, foi eleito no Senado Federal.

Ps.: A bandida Bia Kicis, investigada por disseminar fakenews criminosas e defender atrocidades direitistas, das poucas ferrenhas apoiadoras do DESgoverno Bolsonaro (junto à pilantra Carla Zambelli), presidirá a Comissão de Constituição e Justiça, a mais importante da Casa, pois é ali que se decide se passa ou não um projeto de lei. Eis um dos frutos abomináveis do “toma-lá-dá-cá”.

Ps.: Li nos jornais que há imensa expectativa da bancada ruralista em passar todo tipo de retrocesso e regressão: liberação de mais agrotóxicos, revisão dos processos de demarcação de terras indígenas, flexibilização do licenciamento ambiental e a regularização fundiária na Amazônia, etc. O que é o inferno de Dante perto disto?!

É degradante ser apenas resistente pelos tempos que virão. É preciso mais, é preciso pôr tudo isso abaixo! Não tenho carro nem sei andar de bicicletas para participar das carreatas em pandemia (as quais apoio e incentivo), mas tão logo houver imunização geral, é rua para mobilização popular, no mínimo.

Povo e Centrão e (des)governo Bolsonaro

O quanto você, que se diz de esquerda, conhece realmente o Brasil e os brasileiros da base da pirâmide social?

São os descendentes periféricos da escravização in loco de 3 séculos e da Abolição feita nas coxas, da miscigenação mais explícita na cor de pele, filhos, depois, da migração-consequência-do-desajuste-geográfico-da-industrialização-nacional, de nível técnico e crítico baixo ou ingênuo ou nenhum, são os estigmatizados, os “burros”, “ignorantes”, mais do que pobres, semi-analfabetos e analfabetos, Macabéas, mas que, paradoxalmente, neste momento de crise, são os que seguram o país no dia a dia, dada a quantidade e espessura dessa camada na sociedade, através de bicos e na informalidade. Parece que Chico Buarque lhes retratou bem na canção “Brejo da Cruz” – salvo engano, canção dos anos 1980, depois de anos de uma ditadura que impediu reformas estruturais e atirou o país na marginalização… São, mentalmente, quase crianças – para usar a poética, não fosse trágica, denominação de um camarada comunista meu, funcionário público do setor de obras, que possui contato direto com pedreiros, motoristas, etc. Só os “evangélicos” — tanto pastores bandidos, ricos e fundamentalistas quanto “pastores/intelectuais orgânicos”, i.e., mais próximos da comunidade e de sua própria cor de pele miscigenada e classe social — é que penetraram para valer nessa camada nesses últimos 30 anos, prometendo-lhes subir e crescer, ter carro, negócio, dinheiro, o que a Igreja Católica, já em declínio e secularização, sempre demonizou (o catolicismo sempre quis perpetrar a condição do lúmpen miserável, nunca tirá-lo dessa situação). Donas de casas, faxineiras, guardas noturnos em maior dignidade do que os farrapos, mas essas classes da base da pirâmide muitas vezes se misturam e se confundem, sobretudo num país continental e complexo…

A esquerda (no mundo) comeu poeira, deixou de falar em revolução desde a Queda do Muro e o desmanche da burocracia da União Soviética, distanciou-se (um dos grandes erros do PT) dos seus princípios mais radicais, é hoje identificada por camadas sociais — caso dos Coletes Amarelos, na França, que expulsam partidos de esquerda dos protestos — com o próprio sistema econômico e estatal (direitista). A boa notícia — a médio e longo prazo — é que esse cenário tem solução. É incontornável, para uma solução, a construção da organização revolucionária que saiba que é possível conquistar a hegemonia antes de conquistar o poder. Que, formando intelectuais orgânicos e soldando intelectuais revolucionários com o povo-nação e sobretudo com uma classe trabalhadora sólida e consciente (classe essa que se encontra “acima” da “massa” na pirâmide), acabe com a desigualdade socioeconômica (fruto da maior parte do desespero espiritual contemporâneo) através da tomada, distribuição e socialização da propriedade privada dos meios de produção e que, concomitante e até antes disso, supere num processo gradual o senso comum com um novo senso crítico filosófico.

Tenho um cunhado que é gerente da Caixa Econômica Federal (outro funcionário público). Me contou do perfil geral dessa massa sem perspectiva nas enormes filas das agências pelo auxílio emergencial, que acaba este mês e cujo fim mudará todo o cenário diante do DESgoverno, da pauperização causada pelas contrarreformas neoliberais desde o golpeachment e Temer, da pandemia e do capitalismo contemporâneo, que já não gera mais emprego e nem vai gerar. Não sem incômodo por conta de seu ar de superioridade e por suas expressões pejorativas, ouvi ele me contar dos “vergonhosos”, “patéticos” e até insólitos erros linguísticos que têm escutado quase que diariamente e a falta de informação e de conhecimento (das coisas mais simples e bestas) que têm de enfrentar com esse “povo”. Houve até aqueles que, mesmo sem direito ao auxílio, quiseram ir saber o que diabos o governo estava dando para o povo. Suponho que não possuem acesso decente à Internet ou arrisco a dizer, com base no depoimento do meu cunhado, que possuem acesso, mas não sabem mexer (sem contar que, nos primeiros meses, a incompetência do desgoverno criou instabilidade no aplicativo do auxílio). Também, não basta “saber mexer” – é preciso transferir o auxílio da “conta virtual” do aplicativo para a conta bancária da Caixa ou esperar a data para transferir, sendo que para sacar é mais rápido, enfim, uma série de situações burocráticas que dificultam o acesso a todos. Caso contrário, não haveria fila pelas agências, com todos os riscos da aglomeração em plena pandemia de COVID-19.

(Não houve informação suficiente a respeito do fato de Bolsonaro e do terraplanista econômico Paulo Guedes, um Bolsonaro com Phd, não quererem, desde o início, dar auxílio algum, e que este foi conquista da oposição de esquerda e de outros setores do Congresso. No início, R$600 reais, que logo foram cortados pelo (des)governo pela metade, R$300 reais, e que chegarão ao fim mesmo com a pandemia e sem vacina, enquanto o resto do globo já começa a adquirir suas doses.)

Portanto, a respeito do tema Bolsonaro, sustentação da aprovação (grande entre emprésarios semiescravagistas) e desaprovação (a maior rejeição entre os presidentes em primeiro mandato, com exceção de Collor), é a subjetividade e condição de LÚMPEN (termo usado por Karl Marx em 18 Brumário de Luís Bonaparte e outros textos) que nos importam enquanto esquerda empática, não os fascistóides minoritários. O lúmpenproletariado é, em tradução literal, o proletariado de farrapos, mas existe uma mentalidade de lúmpen em amplos setores. Antes de mais nada, essa classe do lúmpen brasileiro é formada pela chocante desigualdade deste rico país (quando se afirma que o Brasil é desigual, trata-se não de um país pobre, mas “de um lado este carnaval/do outro, a fome total” num mesmo país, cidade, estado, bairro, rua). Além dos lúmpens, há uma “nova” classe trabalhadora informal chamada de precariado. Os livros do prof. Ricardo Antunes mapeiam a condição subproletária, do precariado, dos trabalhadores intermitentes e afins no capitalismo atual, inclusive entre os jovens com a “uberização”, que trabalham sem hora fixa para enriquecer a Uber, o iFood, etc. O problema é que o auxílio emergencial, justamente por ser destinado a quem não tem salário, acaba agregando todos esses. Assim, importa-nos, em caráter de urgência, a chocante defasagem socioeconômica e educacional dos abandonados, metidos numa ignorância proposital e secular, Macabéas que embarcam em quem lhes der mais e lhes ajudar com migalhas, não importando se é centro-esquerda ou se é direita aporofóbica, tal a situação degradante em que estão! Esta é a subjetividade e condição material típicas do chamado “lúmpen-proletariado”: aderir a quem possa lhes resolver, mesmo que momentaneamente, a dificuldade material. O Estado brasileiro na forma da oligarquia sempre foi hábil em sustentar o lúmpen, tirando-lhe a consciência crítica e revolucionária em troca de leite, uniforme escolar, migalhas.

Enfim, do que eles precisam e do que precisamos? Precisam duma esquerda que deseje e concretize construção revolucionária pela conquista da hegemonia mesmo antes da conquista do poder; da “soldagem” gramsciana entre intelectuais e povo-nação; de Paulo Freire e Antonio Gramsci; que sejam parte dirigente de um partido revolucionário e de movimentos sociais, unidos à classe trabalhadora, já que o capitalismo contemporâneo dificilmente vai transformá-los em classe trabalhadora clássica; precisam surgir do mais profundo da massa e virar intelectuais orgânicos que não só saibam exercer seu simples trabalham, mas que também entendam de teoria do valor, economia, política, história, dialética e revolução; não precisam de mera política pública e assistencialismo barato para voto de cabresto que, desde pelo menos Getúlio Vargas (“Façamos a revolução antes que o povo a faça!“), não derruba os pilares do país.

Outro dia, uma amiga me perguntou se a taxação de grandes fortunas não seria um passo decisivo para a transição socialista. Eu quase ri. Sem teoria, a esquerda parlamentar não faz outra coisa senão nivelar o debate. Uma pergunta lúcida a ser ensinada, pergunta de esquerda raiz: quem administrará o montante recolhido dos lucros e dividendos, das grandes heranças, dos iates e jatinhos? A classe trabalhadora? Os burocratas de Brasília? O Congresso, que nos espolia, pois a esquerda não tem ali uma hegemonia? Já na Crítica do Programa de Gotha Marx escreve que o imposto sobre renda (pauta de vários liberais da Manchester industrial) pressupõe as diferentes rendas das classes, logo pressupõe a sociedade de classes capitalista, não a construção de uma sociedade comunista. Transição socialista é, no mínimo, um governo popular e orgânico em forma de cooperativas, no setor da economia, e de conselhos populares na política, ao invés do Estado enquanto balcão administrativo da burguesia.

Voltemos ao caso do lúmpen. Guardadas as ENORMES diferenças, motivações, intuitos e proporções, trata-se da quase mesma postura que também o Centrão — direita sem ideologia, corrupta e fisiologista do sistema — desempenha na alta burocracia federal para apoiar governos federal, estaduais e municipais em troca de emendas parlamentares milionárias e cargos gordos na administração pública… Com o Centrão, um desgoverno fraco ganha mais musculatura, mesmo com todos os seus descalabros sociais. O Centrão que apoiou FHC, Lula, Dilma, Temer e agora Bolsonaro. Quem dá mais, lá vão eles. (O gângster psicopata Eduardo Cunha, antes de ser preso, ia além: era o “Centrão” que tinha pautas retrógradas em nome de Deus e Jesus, um pré-Bolsonaro bem mais calculista, centrado, perigoso…) Sem eles, não há voto no Congresso.  Até os milicos moralistas do DESgoverno já descobriram isso. Atualmente, neste ano de 2020, o Centrão é formado por parlamentares do PP (40 deputados), Republicanos (31), Solidariedade (14) e PTB (12). Este seria o “Centrão oficial”, mas, em certos momentos, dependendo da oferta, são somados o PSD (36 deputados), MDB (34), DEM (28), PROS (10), PSC (9), Avante (7) e Patriota (6).

Ora, como são eleitos, então? Uma mera reforma política que enxugasse o número de partidos mitigaria o poderio do Centrão? Um rápido estudo a respeito das origens do “Centrão” nos levará à constatação não só do lobby capitalista em Brasília, mas da renitente oligarquia brasileira e também do “coronelismo” regional em cidades por todo o país, da falta de uma democratização socialista de base, mas seria preciso maior aprofundamento a respeito.

Temos, assim, dois lados do país, de alto a baixo, a serem resolvidos.

Ps.: Os requisitos para o auxílio emergencial, segundo a própria página da Caixa Econômica Federal, ajudam a caracterizar melhor essa “sub-classe” (não inserida diretamente na contradição entre as forças produtivas da classe trabalhadora assalariada e os meios de produção detidos pelos capitalistas) da qual não estou, neste momento, muito distante: insta-me dizer que, como professor autônomo, também tive “direito automático” ao auxílio, sem nem mesmo fazer qualquer procedimento:

Pode solicitar o benefício o cidadão maior de 18 anos, ou mãe com menos de 18, que atenda a todos os seguintes requisitos:

Esteja desempregado ou exerça atividade na condição de:

– Microempreendedores individuais (MEI);  <- É preciso saber o quanto há resquício de ideologia neoliberal nesta denominação de “microempreendedor individual”.

– Contribuinte individual da Previdência Social; 

– Trabalhador Informal.

Pertença à família cuja renda mensal por pessoa não ultrapasse meio salário mínimo  (R$ 522,50), ou cuja renda familiar total seja de até 3 (três) salários mínimos (R$ 3.135,00).

O que Lênin tem a ensinar para a esquerda brasileira neste momento (I)

Lênin tem muito o que nos ensinar. Talvez noutro momento, com tempo maior, eu traga mais elementos teórico-práticos lenianos. Por exemplo, o discurso de unificação de todos os setores antagônicos entre si, que aponta e identifica os verdadeiros inimigos da classe trabalhadora e da massa, não os bodes expiatórios (*), vítimas ou alvos da extrema-direitalha para desviar as urgências, mas contra os verdadeiros causadores da crise, da fome, da pobreza, da exploração urbana mundial, do latifúndio, da guerra mortífera – a burguesia, os capitalistas (**); no entanto, essa poderosa retórica só é melhor assimilada numa fase um pouco mais madura de consciência e caótica degradação generalizada. Por enquanto, rapidamente, fiquemos apenas com um fator importante que trata da pré-revolução e das estratégias gerais das esquerdas no Brasil no momento da conjuntura atual.

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Este usuário (contra Bolsonaro) tem uma parcela de razão, ainda que superficial. Meu objetivo, aqui, rapidamente, é aprofundar o entendimento para uma teoria da revolução, com Lênin, citado pelo mestre Florestan Fernandes em seu célebre ensaio “O Que é Revolução?” (1981), cujos trechos – fotografados por mim – encontram-se no final desta página. Só preciso, antes, contextualizar alguns pontos.

O comentário acima, escrito no perfil do Instagram da deputada federal Jandira Feghali (autoproclamada comunista), não considera a estrutura corrupta de comunicação e de fakenews do (des)governo, a qual as esquerdas perderam o bonde (a extrema-direitalha, paranoica em Antonio Gramsci, o faz financiada por empresários), que é decisiva no trabalho ideológico (tanto que, mesmo a esquerda parlamentar apostando no “quanto pior, melhor”, a direitalha usaria isso contra nós, e os próprios eleitores de esquerda ficariam indignados se os parlamentares não apoiassem, por exemplo, o auxílio emergencial em momento grave de pandemia – aliás, não só a esquerda, Rodrigo Maia e também partidos de outros espectros votaram na matéria), MAS a situação social, política e econômica desejada por este comentário que registrei da tela do meu celular se encaixa no que Lênin chamava de SITUAÇÃO REVOLUCIONÁRIA, momento importante que pode ou não levar à revolução (ler trecho no final). Faz lembrar a fala de Che Guevara a respeito do criminoso bloqueio econômico dos capitalistas externos, principalmente os EUA, sobre o socialismo de Cuba, embora num momento já pós-revolucionário ou, pelo menos, com a revolução em curso avançado: “O bloqueio tem facetas negativas e facetas positivas. Entre as facetas positivas está o desenvolvimento da consciência nacional e do espírito de luta do povo, por suas dificuldades. […]” É essa consciência coletiva e esse espírito de luta que prolongam e maturam a situação revolucionária.

No caso da situação revolucionária, porém, como se pode ler nos trechos fotografados no final desta página, trata-se sobretudo da pré-revolução. Quando há conscientização correta e organização coerente com a teoria e com tal conscientização, não raro a partir de liderança orgânica e direção política revolucionária culta, essa situação revolucionária encontra condições para ser amadurecida a uma revolução que transforme as estruturas da sociedade, da política e da economia. (O senso comum daqueles que nada sabem de teoria marxista acham sempre que nós, revolucionários, queremos implantar o socialismo ou até o comunismo do dia para a noite. O momento de ruptura é decisivo, mas socialização e comunitarização, ainda que impacientes, tratam-se sempre mais de processo e construção do que de ingênuo blanquismo.)

Voltemos à sugestão do comentarista. A direita – parlamentar (as “pautas-bombas” de Eduardo Cunha e sua corja), tucanos derrotados sem querer o impeachment, mas sim o “sangramento” de Dilma, nas manifestações de ruas, na Avenida Paulista e os patos da sempre golpista FIESP ou na Candelária, nos vários agentes da sociedade civil e na mídia neoliberal – contra Dilma, no “quanto pior, melhor”, foi contrarrevolucionária, quis mudar – ou desmontar, como ficou claro depois – a forma como o Estado das políticas públicas e dos programas sociais vinha se comportando em 13 anos (“[…] as contrarrevoluções fermentam ódios coletivos e armazenam as energias revolucionárias das classes trabalhadoras e das massas populares”, escreve Florestan em outro trecho do ensaio para refutar aqueles que pensam que é impossível uma revolução na América Latina); as esquerdas, por sua vez, podem, não sem estratégia orgânica, adotar a tática para progredir à situação revolucionária, em que primeiro o sofrimento propiciado pelo capital torna-se tangível, latente, em que as agruras são sentidas para, daí, serem superadas sem lenitivos e bandaids. Com a pandemia, o capital mostrou sua verdadeira face de barbárie, mas houve mundialmente uma urgente reorganização do Estado diante do neoliberalismo, e estamos monitorando o que a direita faz e fará a respeito com as pautas historicamente de esquerda. (Ainda sobre esse aspecto, vale a pena empreender a leitura do meu texto sobre a recente debandada neoliberal na Secretaria Especial de DesestatizaçãoDesinvestimento e Mercados (!) do terraplanista econômico Paulo Guedes, com um histórico sobre as tentativas de implantar o (neo)liberalismo no Brasil.)

Em suma, a questão vai além do auxílio emergencial, que fez despencar a pobreza e a desigualdade de renda (não outras) chegar no menor patamar da História, mas que não é, segundo a mídia hegemônica, sustentável, nem eterno, enquanto a crise se agrava. Vai além, envolve o próprio projeto da esquerda; o que a esquerda quer de forma clara, o que queremos; se quer transformar a sociedade, a política e a economia ou, presa a concessões do cume e sem construção com a base, manter o status quo estrutural; de onde parte essa esquerda partidária (tendo a ojeriza da teoria marxista e pensando apenas em eleições); se trabalha pela construção do socialismo numa formação e educação teórico-práticas com a base da pirâmide; qual, enfim, o seu horizonte e objetivo coletivos, porque o puro reformismo ingênuo, a política pública como pauta única, a social-democracia, o liberalismo progressista, o crédito consumista e o Estado assistencial – que o aporofóbico e xenófobo Bolsonaro, sem a mesma competência e sinceridade biográfica que Lula, esboça usar para fins eleiroreiros e oportunistas, comprando o povo nordestino e também miseráveis, lúmpens, donas de casa desesperadas – desmobilizaram totalmente as esquerdas no Brasil (movimentos sociais, centrais sindicais, trabalhadores, mesmo os partidos de vanguarda terão que reaprender a lutar), dopam a sociedade, significam sempre um adiamento material da situação revolucionária – enquanto a concentração dos meios de produção e a acumulação continuam – e um balde de água fria na consciência e organização revolucionárias: varrem a poeira do capitalismo para debaixo do tapete até explodir a próxima crise e golpe.

Respostas ao comentário anterior.

Finalmente, leiam o que Lênin nos ensina (apud Florestan Fernandes) sobre a situação revolucionária:

(*) Lênin usou tal discurso unificador em relação aos judeus, por exemplo.

(**) Brecht usa a fórmula leniana de união antiburguesa em uma de suas peças de teatro. Ouvi da boca de Heiner Müller, em uma de suas entrevistas, e parece, salvo engano, que a peça não foi finalizada. Uma das cenas traz dois soldados de lados opostos prestes a guerrear, até que um deles – num momento de alta conscientização de classe – diz que o verdadeiro inimigo de ambos é quem está atrás deles, os comandando. O outro concorda com tal lucidez. Apertam as mãos, desertam, e vão para um hotel esperar a revolução, que não chega. Até que um deles diz (com outras palavras, mesmo sentido): “Não morremos no campo de batalha, mas morremos aqui, neste quarto de hotel.”

16 de agosto de 2020

As 3 principais influências determinantes para o Brasil no próximo período pós-pandemia

1. A influência geopolítica, estrangeira. As eleições presidenciais nos EUA deste ano, que podem afastar Donald Trump, os neocons e o tea party republicano do poder federal, terá tanta importância quanto as eleições brasileiras municipais, em que frentes de esquerda contra o atual desgoverno podem surgir a partir de cidades-chaves. Sem Trump, sabemos que o pilantra do Planalto e seu desgoverno militarizado, subserviente, capacho isola-se ainda mais e não “fica bem das pernas” interna e externamente. O resto do mundo polido estranha ou detesta o atual inquilino do Planalto; mesmo os capitalistas internos, dependentes e ruins, preferem adular apenas o terraplanista econômico Paulo Guedes, um Bolsonaro com Phd, porque os engorda e sustenta. Outra influência geopolítica determinante para a próxima década: o papel global de um bebê da produção em larga escala, a China, principal parceiro comercial do Brasil, enquanto se deterioram o dólar, o PIB e o banditismo global dos Estados Unidos, onde também a fome¹ e o desemprego aumentam. (Infelizmente, não temos ainda um governo decente que pudesse, nesse momento crítico, desesperador e crepuscular para os EUA, jogar com as contradições, reunir Venezuela e a América Latina integrada, Rússia, China, África árabe e África negra para quebrar a potência hegemônica, criando uma nova moeda, por exemplo, e fortalecendo a militância socialista daquele país².) Nesse aspecto, embora a vitória de um liberal como Joe Biden aparentemente traga alguns benefícios imediatos ao Brasil e ao mundo, o seu low profile de Democrata, sem os preconceitos explícitos de Trump, apresenta maior competência para perpetuar o hegemonismo daquele país…

2. A reorganização do Estado, agora e no próximo período. A pandemia e a crise econômica que já lhe vinha antes obrigaram aos governantes uma reorganização do Estado burguês. Aos trancos e barrancos, o neoliberalismo foi golpeado em várias frentes. O terraplanismo ultraneoliberal de um Paulo Guedes – sujeito que aparece em lives com sua estante deserta (exemplo único no mundo!), vazia como sua cabeça – foi enxugado ou, em certos projetos, colocado de lado pelo Congresso. Países como a Espanha estatizaram hospitais privados, em que a saúde virava mercadoria para poucos. Sabemos que a solução vai além – é preciso socializar a indústria farmacêutica nas mãos dos trabalhadores. A saúde social e pública durante a pandemia do novo coronavírus mostrou a sua importância vital, provando a olhos vistos para quem se negava a ver que o capitalismo não dá conta do problema, e que, aliás, a única lógica do capital, diante de riscos de vida e diante de milhares de óbitos, é o lucro. Capitalismo é miséria, é exploração, é espoliação, é concentração de riqueza, é pobreza, é falta de qualidade de existência em todas as áreas. O desgoverno Bolsonaro destruiu, em menos de 2 anos, os ministérios da Saúde e da Educação e danou todos os outros, corrompe a todo o momento a frágil Constituição de 1988, mas absolutamente todos viram, até mesmo aqui, que trata-se de Estado social ou barbárie e morte. Mais do que isso, praticamente todos os países investiram num auxílio emergencial ou numa renda básica para a população durante o distanciamento físico. As esquerdas parlamentares foram protagonistas nessa conquista. Falou-se, na imprensa, em “keynesianismo”… Também voltou à baila a discussão da taxação de bilionários desprezíveis que aumentam sua fortuna em plena pandemia, enquanto os salários dos trabalhadores abaixam ou o desemprego explode em face de empresas e indústrias que fecham durante a crise capitalista e a pandemia. Nós, comunistas, sabemos que ambas as propostas da social-democracia – renda básica universal e taxação de grandes fortunas – varrem a poeira para debaixo do tapete, são lenitivos que resolvem o problema do capital apenas em alguns anos (vide a Europa), mas nos importa monitorar o seguinte: O que a direitalha – tanto a eleitoreira-populista quanto a burocrática da economia vulgar – faz e fará a respeito dessa nova reorganização do Estado para a sua manutenção do capitalismo moribundo? E as esquerdas?

3. O embate político nacional, fruto das lutas de classes (aqueles que não estudam teoria chamam vulgar e equivocadamente de “polarização”), permanente nas redes sociais e pronto para respingar nas ruas, entre fascistóides ou a direitalha no geral e a esquerda progressista, que sofreu diversas derrotas nos últimos quatro anos e que precisa (re)construir o seu retorno – dentro e fora do poder político – a partir da desmobilização generalizada, sem ainda forte liderança orgânica, e também de novas sendas de oportunidades populares (protestos antifascistas, a organização dos entregadores de aplicativos, das mulheres e suas causas, a necessidade de um renovador radicalismo comunista pela grande política³, etc.).

 

1. A fome avança nos EUA há décadas, provando que o capitalismo e a propriedade privada dos meios de produção nunca funcionaram. Cf., por exemplo, dois estudos deste vigente ano de 2020: pesquisa do Brookings Institution, revelando que a fome nos EUA já ultrapassa níveis da crise capitalista de 2008 (uma em cada cinco casas dos Estados Unidos com crianças com menos de 12 anos possui insegurança alimentar), e estudo da Household Pulse Survey, registrando que cerca ou mais de 30 milhões não têm o que comer naquele país.

2. Eu tenho estabelecido contato com jovens dos EUA que pretendem criar um novo movimento comunista no seio do “capitalismo desenvolvido”, mas internacionalista, é claro. Já participei também de reuniões online da Liga Internacional Socialista com membros dos 4 cantos do globo, e sempre há um representante dos EUA. Trump tem atacado o socialismo justamente porque o socialismo tem crescido nos EUA. A campanha presidencial de Bernie Sanders não passou de uma representação de organizações populares, ainda que pequenas (não se comparam, por exemplo, ao tamanho dos movimentos sociais do Brasil), e de toda uma geração que, insatisfeita com o fracasso das políticas capitalistas, pela primeira vez na história daquele país pode ler a bibliografia marxista sem cair na narrativa anticomunista dos pais, da TV, das escolas, da perseguição e censura maccartistas, etc.

3. Antonio Gramsci diferenciava a pequena política da grande política. A pequena política gira em torno dos pequenos elementos da conjuntura, das intrigas parlamentares, dos corredores das instituições, do “dia a dia”, das pequenas ambições, dos interesses particulares, muitas vezes superdimensionados pelas redes sociais, imprensa e TV. A grande política, estrutural, está associada a uma grande ambição, inevitavelmente ligada ao bem coletivo, e que visa manter ou destruir ou transformar o Estado, a política, a sociedade, a economia vigentes.

4 de agosto de 2020

O casal ignorante que ofendeu o fiscal no Rio de Janeiro é da classe “média” ou trabalhadora?

ENTENDAM DE UMA VEZ!

Sobre o casal de ignorantes que ofendeu o fiscal da Vigilância Sanitária em plena pandemia no Rio de Janeiro, li vários – jornais e usuários (a maioria de esquerda) – afirmando que o casal é de “classe média” (termo da sociologia do século 20) ou (o que talvez seja mais correto em termos ideológicos, mas não materiais) são “uma amostra da arrogância da classe média brasileira” (Folha de S. Paulo). Não parece que sejam de “classe média”, pois o tal “engenheiro civil, formado” (palavras de sua própria companheira) solicitou, segundo jornais apuraram, o auxílio emergencial destinado aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, e (diz ele) logo cancelou ao arranjar um novo emprego (já perdido pela repercussão negativa do vídeo); a esposa, que demonstra excesso de arrogância e empáfia, após o episódio televisionado também foi demitida da Taesa, onde era contratada em regime CLT – portanto, até que outras informações apareçam (por exemplo, parece também que ela será investigada por supostamente ter uma empresa em nome próprio atuando sem registro nos Conselhos Regionais de Química e de Engenharia, típico de “bolsominions”, e possivelmente típico da “classe média”), são, na verdade, ao que tudo indica até agora, trabalhadores sem consciência de classe. Sim, trabalhadores como os garçons e cozinheiros que, expostos a riscos de contaminação pelo coronavírus, servem os irresponsáveis e superficiais aglomerados em plena pandemia mortífera nos bares barulhentos onde ninguém ouve ninguém, eleitores da direitalha politiqueira que é mera serviçal de empresários que só querem se locupletar. O coitado do fiscal, funcionário público (com mestrado e doutorado, diga-se de passagem, conforme jornalistas apuraram depois de pedir seu relato), é que é, sem dúvidas, de “classe média”, não importando se ganha mais ou menos do que os abordados. Este caso, superdimensionado pela televisão e pelas redes sociais, nos ajuda a entender o bate boca das classes e a confusão do senso comum, a ser identificada e superada para a emancipação geral da divisão exploratória de classes.

Nota de Engels para a edição inglesa de 1888 do Manifesto Comunista. Mais claro, impossível: “Por ‘burguesia’, entende-se aqui a classe dos capitalistas modernos, proprietários dos meios de produção da sociedade e exploradores do trabalho assalariado. ‘Proletariado’ designa a classe dos trabalhadores assalariados modernos, os quais, despossuídos de meios de produção próprios, precisam vender sua força de trabalho para poder viver.” E a classe média?! Ora, a pequena-burguesia é uma classe intermediária entre essas duas, não detendo as forças produtivas nem os meios de produção.

No Brasil, onde milhões de pretos e miscigenados se acham brancos apenas por terem a cor de pele mais clara ou não retinta, a ignorância de classe, a falta de consciência de classe também é tão grande e generalizada que se confunde tudo a respeito. Em parte porque, com a nossa histórica tradição autoritária, classe trabalhadora é identificada exclusivamente com miseráveis deserdados da terra, favelados e periféricos sem eletricidade e esgoto, pobres desnutridos, migrantes analfabetos, “incompetentes”, peões de obra e cais sujos de graxa, etc. Talvez em menor medida, tal é o nível do nosso subdesenvolvimento histórico, que o trabalhador também é associado com “descendentes degenerados e aventureiros da burguesia, vagabundos, licenciados de tropa, ex-presidiários, fugitivos da prisão, escroques, saltimbancos, delinquentes, batedores de carteira e pequenos ladrões, jogadores, alcaguetes, donos de bordéis, carregadores, escrevinhadores, tocadores de realejo, trapeiros, afiadores, caldeireiros, mendigos”, isto é, a classe informe que Marx assim enumerou em O 18 Brumário de Luís Bonaparte e, desde A Ideologia Alemã, com Engels, cunhou de lúmpenproletariado (a classe de farrapos, daqueles que dificilmente aderem à revolução e buscam apenas benefícios imediatos, na “hora H” aderindo aos reacionários ou a quem lhes der mais, por causa da própria condição extrema em que se encontram). Com os programas sociais petistas e o passageiro boom dos commodities, a classe trabalhadora brasileira melhorou um pouquinho e de maneira nacionalmente homogênea, mas também ali não houve conscientização de classe, pois logo falou-se, pela imprensa e mesmo entre a esquerda governante, em “nova classe média”, “classe média baixa”, essas besteiras achadas por aqueles que identificam o trabalhador apenas como o metalúrgico ou a faxineira incansável e o pedreiro sem carro, diariamente abarrotados em transporte público. (Tais exemplos também podem ser classe trabalhadora, mas não é esse por si só o critério de definição de classes, ou é o critério farsante da ideologia dominante.) A sociologia vulgar e os institutos de pesquisa do mercado tampouco ajudam, ao contrário, confundem e nublam, propagaram a ideia de que as classes são caracterizadas apenas pela renda e pelo patrimônio, ou seja, há a primazia da aparência superficial, não pelo modo econômico que as forma, pelas relações sociais e econômicas entre elas e pela ação que as caracteriza, tal como o marxismo nos ensina.

Assim, há sujeitos da classe trabalhadora que, apenas por terem renda diferenciada e até varanda gourmet, roupa de marca e celular e carro do ano (comprados não sei quantas vezes no cartão de crédito), já se sentem “classe média” – podem até demonstrar, estando num recorte social mais digno, gostos, ideologia e aparência de “classe média”, mas não o são concretamente, porque trabalham para produzir e enriquecer o capital do patrão, assim como há “classe média” que se acha elite e, não sendo, preenche seu vazio ontológico e sua crise social deslocada com tentativas de prestígio social, diplomas, consumismo, arrogância e riqueza simbólica. Podemos notar esta última característica na “classe média” de TODOS os países. É o que constitui a ação social estreita da “classe média”, que nada de estrutural produz nem detém na sociabialidade burguesa. Nas potências hegemônicas, contudo, a classe trabalhadora como um todo, por mais digna que seja em suas condições, tem consciência de que é classe trabalhadora e não “classe média”, ou padece da mesma alienação mental que temos visto aqui? Boa pergunta que ainda preciso investigar com meus colegas estrangeiros…

Não falo apenas do “pobre de direita” e do “capitalista sem capital”… Trata-se de falta de estudo da teoria entre as próprias esquerdas!

Aprendam de uma vez por todas como definir as classes: a pequeno-burguesia (termo do século 19) é a classe intermediária que não detém as forças produtivas da classe trabalhadora (que vende sua força de trabalho em troca de um salário para sobreviver e produz algo que será roubado, comercializado e acumulado pelo capitalista espoliador) NEM detém a propriedade privada dos meios de produção da burguesia (classe moderna dos capitalistas), restando atualmente a ela as burocracias estatal e empresarial, os serviços públicos, e a pequena propriedade e o pequeno comércio NÃO-FILIADOS às redes de oligopólios transnacionais. No panorama da nossa sociedade mundial, é de “classe média” APENAS quem se situa nesses espaços citados.

(Meios de produção: máquinas, ferramentas, edifícios privados dos ambientes de trabalho, grandes empresas, fábricas, terras, fazendas, matérias-primas, etc.)

Todos os teóricos marxistas e mesmo autores anteriores que observavam, por exemplo, a Revolução Francesa, notam que, por estar deslocada na sociedade, por não deter as forças produtivas nem os meios de produção, a pequeno-burguesia sofre de profunda crise de identidade, vazio espiritual e será sempre um gatilho reacionário e fascistóide. Sabemos que, por sentir-se mais próxima ideologicamente e materialmente da burguesia (daí o nome “pequeno-burguesia”) do que da classe trabalhadora, servirá sempre como um obstáculo aos avanços sociais. A “classe média” é uma tentativa rebaixada de se aproximar ou de chegar a ser classe dominante, ao mesmo passo que estabelece uma distância intransponível para com a classe trabalhadora. No Brasil, esse cenário foi amplamente notado em 1964 ou – guardadas as devidas diferenças – em 2016: a classe dominante interna – com a ordem da externa – preparando ideologicamente a “classe média” para sua contrarrevolução permanente… As exceções confirmam a regra, e os membros esclarecidos da classe média – certos intelectuais, professores e estudantes politizados – se identificam e apoiam a luta da classe trabalhadora, ainda que de maneira limitada pela própria condição de classe deles.

Por fim, a filósofa Marilena Chauí, alertando para a farsa da “nova classe média” propagada pelos jornais durante a era petista, argui, em tese recente e incontornável, que serve para o mundo todo por conta da internacionalização do capitalismo, o seguinte: com a mutação neoliberal do capital, com o desmantelamento do modelo fordista, a “classe média” DIMINUIU enormemente, ao contrário do que o senso comum acha, enquanto que a classe trabalhadora aumentou enormemente. Ou seja, vários sujeitos que eram antes da “classe média”, por conta da forte monopolização do capital nos oligopólios transnacionais, passaram a fazer parte da classe trabalhadora (se preferir, de uma “nova classe trabalhadora mundial”). Observe que uma série de profissões, liberais ou não – médicos, dentistas, advogados, e outras que sempre se consideraram classe média – estão hoje em grande parte trabalhando em empresas privadas de “saúde”, “advocacia”, etc., são empregados e assalariados, subordinados ao dono burguês. Mesmo que, agitando bandeira do Brasil (nacionalismo de araque) e se dizendo anticomunistas na Avenida Paulista ou na Candelária, mesmo que não saibam ou não queiram, ainda assim são classe trabalhadora.

Marx bem afirmou que, com o desenvolvimento e a crise do capitalismo, a classe média tende a desaparecer no confronto inevitável que existe pela contradição entre as forças produtivas e as relações de produção. Noto que, justamente por ter diminuído e por estar desaparecendo aos trancos e barrancos, a pequeno-burguesia (e a “nova classe trabalhadora mundial”, que pensa ser elite) dos EUA, da Europa, da América Latina, mesmo da Ásia (quem aí ainda não assistiu Parasitas?!) tem se tornado intransigentemente violenta e de extrema-direita, desesperada com o fim de seus valores, privilégios e tradições familistas, com o seu próprio fim.

Ps.: Classe social não é apenas algo determinado economicamente – é também um sujeito social, político, cultural – não é algo, é uma ação – que se transforma por meio das lutas de classes.

10 de julho de 2020